Para o comunista Moreno, García terá que negociar
“Existem setores muito direitistas e setores progressistas dentro do Apra. Garcia tempera essas correntes. Ele não declara uma postura antineoliberal, mas penso que percebe que isso já não funciona mais”. Leia a seguir entr
Publicado 07/06/2006 11:44
A diferença de votos não foi tão pequena quanto a simulação do instituto Apoyo havia adiantado na semana da eleição (4%) nem tão grande como anunciavam as pesquisas de intenção anteriores (até 20%). Na realidade – segundo o Escritório Nacional de Processos Eleitorais (Onpe, na sigla em espanhol), que já apurou 97% das urnas – de 5%. García tem 52,5% (6.795.584 milhoes de votos) e Humala 47,45% (6.129.318 milhoes de votos). No Congresso, a União pelo Peru (UPP), o partido de Ollanta Humala tem a maioria das cadeiras.
O presidente do Partido Comunista do Peru – Pátria Roja, Alberto Moreno, avalia que o desfio do governo de Alan García será negociar com as forças progressistas e de direita, que estão dentro e fora do seu partido. “No Apra, existem setores muito direitistas e setores progressitas. Garcia tempera essas correntes. Ele não declara uma postura antineoliberal, mas penso que se dá conta de que isso não funciona. Sabe que é preciso dar mais papel ao Estado, negociar melhor com o capital transcional, que o neoliberalismo meteu o Peru em condições piores”, avalia.
Para Moreno, que preside o Movimento Nova Esqueda (MNI na sigla em espanhol), o presidente eleito do Peru está obrigado a fazer reformas profundas em seu governo. “Sem mudanças, este país pode arrebentar”, garante.
“García já anunciou que será um governo amplo, que a maioria de seus ministros não será de seu partido, porque tem o trauma do fracasso do governo anterior, da corurpção, da inflação galopante, do empobrecimento das pessoas. Temos que ver como ele vai se comportar agora”, disse.
Contexto internacional
Moreno compara o futuro governo García com o do presidente argentino Néstor Kirchner, que conta com “políticas nacionais” que pautaram a economia. “Em seu primeiro governo [de García], quando estatizaram os bancos, tiveram um rechaço de todo empresariado. Hoje estão buscando uma relação maior com esse setor. Isso o limita a ter mais audácia, como foi com Kirchner”.
Moreno prevê que o governo aprista poderá fazer um “contrapeso a Chávez”, que é mais “beligerante e ofensivo”. Para o dirigente comunista, “pode ser uma posição mais social-democrata”, com uma relação mais voltada à Europa, apesar de que não poderá evitar uma relação com os Estados Unidos. “Mas as idéias nacionalistas cresceram no país. Então ele terá que manter certa distância”, afirma.
Direita
Para o dirigente comunista, García, entretanto, não representa a direita peruana. “O discurso de Alan García é diferente do da senhorita Lourdes Flores. E dificilmente será um governo de ‘direita direita’. Não pode. Nem que quisesse. Porque a tendência da população é a mudança. É uma coisa muito forte”, avalia. “Além disso, este processo está com números muito próximos, não tem maioria nenhuma no congresso, então [García] terá que negociar. Se quiser ter uma certa estabilidade”, prevê.
Apesar da União Pelo Peru (UPP) ter a maioria (45 deputados, a maior bancada no Parlamento de 120 cadeiras), Moreno considera que é uma representação muito frágil porque “não tem estrutura, não tem solidez”. O partido tem uma trajetória política muito recente, mas foi necessário para que Humala, do Partido Nacionalista Peruano (menor ainda), se lançasse à Presidência da República.
“García por um lado, como está com o apoio da direita, tem que fazer concessão à direita. Como tem desencanto deste lado, terá que fazer concessão a este lado. Por isso estou dizendo: ele está obrigado a fazer um conjunto de reformas. Não vai escapar dos interesses norte-americanos, mas necessita”, afirma o secretário-geral.
Mas Moreno considera que existem questões em que o programa do Apra se mostrou mais avançado. Por exemplo, a questão da substituição do presidencialismo pelo parlamentarismo, que Humala não reivindicou. “Aqui, o presidencialismo é um fator de crise constante. Não gera estabilidade porque tem poderes demais. É uma reforma importante”.
O Apra também propõe o retorno à Constituição de 1979, que, na avaliação de Moreno, teve aspectos bons mas também outros superados. “A constituição de 1993 tem alguns aspectos formalmente interessantes, como o referendo. Mas é uma constituição que consagra o presidencialismo muito mais forte do que no passado”.
Economia
Para os comunistas, independentemente do resultado da eleição, a eleição propiciou uma discussão importante sobre a base econômica do país. “Nós temos uma tese central que também começa a se discutir agora. O modelo histórico que temos que é basicamente exportador. A idéia de exportar mais os recursos, gerar trabalho, não elimina a dependência, mas reforça. Não elimina o centralismo, reforça. É insustentável. E essa idéia começa a surgir também na sociedade. Então não é só lutar contra o neoliberalismo, mas também contra este modelo”.
Moreno ressalta que isso se choca com os interesses dos norte-americanos. “Na divisão internacional do trabalho nos fizeram primeiro exportadores. Isso se relaciona com os interesses do grande capital, que estão dedicados a saquear nossos recursos, transformando nosso pescado em areia. Ainda hoje temos uma agricultura pouco desenvolvida na serra, sem economia de autosustentação, a industria cresce pouco e no interior quase não há indústria. Creio que isso estará em pauta a partir de agora. E não só do governo mas de toda sociedade”.
O Peru é basicamente um país exportador e, apesar de não aproveitar todo seu potencial em recursos naturais, é o primeiro exportador de farinha de peixe do mundo (o produto se destina preferencialmente ao mercado interno, apenas o excedente é exportado). É também o quarto maior exportador de cobre e quinto produtor mundial de ouro. Em 2004, as exportações do país cresceram 36,9%, e no ano seguinte alcançaram 17 bilhões de dólares, um aumento de 33,7%. Os principais destinatários foram os Estados Unidos (30,4%) e a China (10,9%).
Frente de esquerda
“Isso é o que pode nos levar a viver mudanças mais ou menos profundas. Como pleiteamos, a palavra revolução agora. Antes era mais fácil, agora é complicado. Num país como o nosso, que viveu a experiência do Sendero, é difícil. García pleiteou. Contra nós fizeram uma campanha permanente: [chamaram-nos] ‘senderistas’, ‘terroristas’, páginas inteiras nos jornais, programas de televisão. Isso nos dificultou que crescessemos e também construíssemos uma unidade mais ampla”, disse Moreno.
Por isso, apesar da derrota de Humala, a eleição tem um impacto positivo para a esquerda. Moreno avalia que ganharam as idéias, as propostas, e que “aí há um espaço para desenvolvê-las no futuro”. Para Moreno, Humala é uma líder politíco avançado que pode reunir as forças progressistas do país. Foi criada uma grande frente “e aí há um papel fundamental ao qual deve corresponder Ollanta, de reunir este espaço progressista do país”.
“Ele tem idéias nacionalistas. Seus pais são de esquerda, uma esquerda um pouco estranha, mas são. E sua esposa é muito antiimperialista, muito definida”.
Ingerência
O apoio de Chávez a Humala foi bastante polêmico e foi usado por García para tirar votos do tenente-coronel. Para Moreno, o objetivo de Chávez era, na realidade, provocar García. E pegou no ponto fraco dele: a corrupção. Mas aqui o feitiço se voltou contra o feiticeiro. “As pessoas já ligam García a corrupção. A direita sim precisava desta questão para desacreditar Humala”. Mas na sua opinião, essa campanha anti-Humala não deu certo. “Dos setores médios para cima sim. Mas para baixo não”.
No final das contas, Moreno avalia que foi de fato uma ingerência venezuelana. “Nós não estamos de acordo com esse tipo de intervenção. É uma questão de princípios, não é simples. Foi um respaldo concreto a um candidato e uma condenação concreta a outro candidato. Feito por um presidente da república. Que inclusive anuncia que se Garcia ganhasse ia tirar o embaixador”.
Candidatura própria
Alberto Moreno também foi candidato presidencial, pelo Movimento Nova Esquerda (MNI) do qual participaram os Partido Comunista do Peru-Patria Roja, o Partido Comunista Peruano e outros menores de esquerda. Segundo o dirigente, o saldo político do processo foi bastante positivo porque abriu um espaço no cenário para o partido apresentar suas propostas. Entretanto, contou-se apenas com o voto militante, porque grande parte da esquerda escolheu Humala como candidato.
“Eleitoralmente, num dado quantitativo de votos, tivemos pouco. Mas as idéias que viemos reivindicando estão em nível nacional. Aqui, na verdade, derrotou-se a direita”. O partido tem cerca de 30 mil filiados.
Segundo Moreno, “viemos trabalhando nos últimos dez anos em uma tática que já mudou nosso curso. Tinha como objetivo central somar o máximo de forças para derrotar o neoliberalismo. Essa proposta tinha quatro eixos: nova República, nova Constituição, projeto nacional e um governo popular de antiglobalização. Buscamos uma relação estreita com Ollanta Humala e tivemos um projeto prévio eleitoral que não culminou”.
“Nós trabalhamos em três níveis de frente: um mais amplo, com toda força nacionalista, de esquerda e progressista. Esta frente pôde ser concretizada em torno da candidatura de Humala. Com este programa, que coincide fundamentalmente com nossa plataforma. Mas a tentativa de aliança não funcionou, e teve fim em novembro do ano passado”, explica.
“A segunda é a unidade de toda esquerda, que tampouco conseguimos”. Moreno afirma que a maior dificuldade foi com relação a um “forte sentimento anti Pátria Roja”. O que chegou a fazer com que demorassem a lançar sua pré-candidatura. “Se tivéssemos lançado um ano antes nossa pré-candidatura, a situação agora seria diferente. Nesse vazio que não preenchemos, chegou Humala”.
Mas, para o dirigente comunista, a unidade da esquerda peruana pode estar ingressando numa nova etapa neste governo Alan García. “Lamentavelmente, lutamos há dez anos por uma unidade da esquerda, sem sucesso. Foi feita uma campanha anti Pátria Roja, anti-Humala, a partir da direita, e de setores da esquerda, que nos chamam de autoritários, de terroristas, de tudo. Parte desse esforço unitário tem a ver com isso. Como demonstrar à sociedade que não somos isso? Que somos suficientemente flexíveis e que não temos interesses acima do esforço coletivo? Um dos êxitos deste processo eleitoral é que essa imagem mudou”.
De acordo com a nova lei eleitoral, os partidos políticos precisavam atingir 4% para participar do Congresso. O MNI não atingiu a cláusula de barreira nesta eleição. “Tivemos uma votação muito mais forte do que para Presidência, mas não foi suficiente”.
Segundo Moreno, agora, o movimento vai buscar aliar forças para as eleições municipais e regionais que acontecerão no final de 2006. “Estamos buscando fazer uma frente a mais ampla possível para as próximas eleições. Confiamos que neste processo poderemos nos aliar a Ollanta e fazer um projeto conjunto”, promete.