Após pagar a dívida, Brasil quer entrar para Clube de Paris
De país marcado pelas turbulentas “reestruturações” da dívida externa nos anos 80, o Brasil quer agora aderir ao Clube de Paris, onde se reúnem governos credores, para simbolizar uma página virada em sua economia.
Publicado 29/05/2006 14:41
O governo Luiz Inácio Lula da Silva despachou o secretário de assuntos internacionais do Ministério da Fazenda, Luiz Pereira, a Paris no começo deste mês para discutir com a direção do Clube de Paris sobre a possível entrada como sócio ainda este ano. Pereira confirmou ao que o Brasil está fazendo "sondagens" junto ao clube, mas que "não existe decisão de nenhum dos dois lados". Fonte francesa disse que o Brasil precisa ser convidado formalmente. E o risco de receber uma "bola preta" sempre existe, daí por que Brasília trata da questão com enorme sigilo.
O Clube de Paris é uma instituição informal sem existência jurídica reconhecida, mas com certas regras para renegociar as dívidas governamentais dos países em dificuldades financeiras. Desde 1983, o montante de dívida renegociada nessa entidade alcança US$ 504 bilhões. De seus 19 membros, só a Rússia não faz parte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), espécie de clube das nações ricas. Os outros são Estados Unidos, Alemanha, Japão, Grã-Bretanha, França, Canadá, Áustria, Austrália, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Itália, Holanda, Noruega, Espanha, Suécia e Suíça.
FMI
Uma adesão ao Clube de Paris é vista politicamente como o primeiro passo para em seguida levar o Brasil a entrar na OCDE, que pretende ser um "secretariado da globalização". Além disso, na área econômica estima-se que será vantajoso para melhorar o risco-país, mudando a percepção de devedor a credor, pelo menos no que diz respeito à dívida pública, com aval do Tesouro. Na semana passada, quando os mercados emergentes sofriam um forte abalo com a a saída de investidores mais avessos a riscos, o presidente Lula deu como exemplo da "situação tranqüila" do país o fato de ter quitado as dívidas com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e com o Clube de Paris.
Da dívida de quase US$ 3 bilhões junto a outros governos no final de dezembro de 2005, o Brasil antecipou o pagamento e atualmente só falta desembolsar US$ 17 milhões para a Itália, o que deve ser feito nas próximas semanas. "Depois disso, o perfil do Brasil muda no Clube de Paris", afirmou Luiz Pereira, do Ministério da Fazenda. Por várias vezes, desde a década de 80, o Brasil teve que se submeter a programas de ajuste do FMI para poder reestruturar a dívida pública nesse clube. Ao mesmo tempo, o Brasil tem participado no Clube de Paris como credor na renegociação de dívidas de Bolívia, Costa Rica, Congo, Nigéria, Gabão, Gana, Senegal, Nigéria, Zâmbia, Costa do Marfim, Moçambique, Guiné Bissau, Mauritânia e Togo.
Rússia
No Clube de Paris, os credores aceitam fazer perdão de dívida. Já a legislação brasileira impede a anulação total da dívida. Em alguns casos, porém, o país concedeu descontos superiores às decisões do Clube. Aceitou dar um perdão de 95% sobre o estoque das dívidas de El Salvador, Nicarágua e Moçambique, de respectivamente, US$ 259 mil, US$ 126 milhões e US$ 369 milhões. A entrada do Brasil foi tratada em reunião entre o ministro da Fazenda, Guido Mantega, com o ministro francês de Finanças, Thierry Breton, na quinta-feira passada em Brasília.
O Clube de Paris é dirigido por um alto responsável da direção do Tesouro francês, Julien Rencki. Tem havido enorme movimentação nos últimos tempos. Muitos países emergentes, com alto volume de reservas internacionais, estão antecipando o pagamento de suas dívidas públicas, economizando no desembolso de juros. Um dos poucos países que não conseguiram renegociar recentemente foi o Peru, que queria abatimento muito grande, não aceito. A Rússia está no clube, mas é devedora em mais de US$ 20 bilhões. E quer usar os petrodólares para acabar de vez com essa pendência. Desde 2004, o Clube de Paris renegociou US$ 66,2 bilhões, dos quais US$ 39,1 bilhões foram cancelados (US$ 31,1 bilhões foram só do Iraque).
Com informações do
jornal Valor Econômico