Professora da UFMT desvenda crise do agronegócio

Em matéria publicada no portal de notícias MIDIANEWS, José Manuel C. Marta, doutor em economia e professor na Universidade Federal de Mato Grosso, contesta o governador Blairo Maggi quanto ao caos na economia do Estado e desvenda a chamada “crise do

José Manuel C. Marta, doutor em economia e professor na Universidade Federal de Mato Grosso, contesta o governador Blairo Maggi quanto ao caos na economia do Estado, proferida por ele na quarta-feira (17) no plenário da Assembléia Legislativa.

De acordo com o economista, quando o governador vai a público e diz que a economia de Mato Grosso está parada e que vai demorar, no mínimo, dois anos para voltar ao normal, na verdade nada mais é que uma estratégia política que ele está usando para pressionar o governo federal a diminuir os juros e arrolar as dívidas dos produtores rurais para um tempo maior.

A entrevista com o economista Manuel Marta teve a colaboração do professor doutor em economia, Adriano Marcos Rodrigues Figueiredo, que contribuiu com informações importantes.


MidiaNews – Na opinião do senhor a crise é tão grande como está sendo colocada pelo governador do Estado, que inclusive diz que Mato Grosso está parado?

Prof. Dr. José Marta – Parado Mato Grosso não está, vamos perguntar aos empresários proprietários do Mercado Modelo, Lojas Gabriela, Grupo Gazin, entre outros, ligados ao setor do comércio, se eles não estão tendo lucros, contratando funcionários e expandido suas empresas? O Estado não está completamente vinculado economicamente às cidades que produzem a soja, é isso que tem que ficar claro, pois temos outros setores que também influenciam positivamente na arrecadação e no crescimento. Na verdade onde está essa crise? Nos bolsos dos agricultores, que deixaram de ter grandes lucros e agora estão reclamando, pois a arrecadação do Estado não deve cair mais de 10%.

MidiaNews – O que o senhor quer dizer com isso, que parte dessa crise não passa de choradeira dos produtores rurais de Mato Grosso?

Prof. Dr. José Marta – Quando essa mesma classe de produtores rurais comprava aviões de hora em hora na Agrishow Cerrado 2004 e soltava foguetes para comemorar não havia crise não é não mesmo? O que aconteceu na verdade foi uma falta de planejamento, pois os produtores esbanjaram muito e agora não querem pagar o preço, por isso eles estão tão endividados. Será que havia mesmo a necessidade deles terem comprado tantos aviões e máquinas novas, quando muitos economistas já faziam previsão de “maus tempos” para agricultura nos próximos dois anos?

Prof. Dr. Adriano Marcos – Eu só queria lembrar que no ano de 2004 foi realizado um congresso na Universidade Federal de Mato Grosso, aqui em Cuiabá, organizado pela Sociedade Brasileira de Economia Rural. Nesse congresso foram apresentados mais de 800 trabalhos e o evento foi bem maior do que o Enipec (Encontro Internacional de Negócios da Pecuária). Agora me pergunte quem deu respaldo ao nosso congresso do governo do Estado? Ninguém deu bola, talvez porque fosse economia. Só no último dia que veio o senador Jonas Pinheiro, Cloves Vetorato e companhia, mas apenas porque estava presente o Antônio Ernesto de Saulo, da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil ). Nesse congresso foi previsto que o ano de 2005 seria mais difícil do que os anos anteriores, pois os Estados Unidos da América iriam produzir muito, o preço iria cair e quem tivesse distante mais de 250 quilômetros para cima de Cuiabá provavelmente teria prejuízo. Em 2005 teve um outro congresso de economia em Ribeirão Preto (SP), onde foi novamente falado que a safra de 2006 iria ser difícil de novo. Ninguém deu bola. Quem quer escutar que o seu negócio vai dar errado, não é mesmo? O que faltou foi atenção e moderação por parte dos produtores, porque não foi por falta de aviso.

MidiaNews – Então por que o governador faz esse tipo de discurso, profetizando uma espécie de caos em Mato Grosso para os próximos dois anos?

Prof. Dr. José Marta – Os agricultores têm um grande problema que é pagar suas dívidas com os bancos. O que o governador faz é usar do discurso político para tentar sensibilizar o governo federal, afinal ele também faz parte dessa classe. Na minha visão eles estão valorizando essa crise para terem seus benefícios, como sempre o fizeram. O que eles estão negociando são os juros e prorrogação de prazo para o pagamento. Agora o que eu quero ver é até quando eles vão agüentar, pois eles têm que vender sua produção e plantar.

MidiaNews – O senhor pode precisar a dimensão dessa crise?

Prof. Dr. José Marta – Dois anos ela não dura, já no próximo ano as coisas começam a voltar ao normal. Eu poderia dizer que é apenas mais uma crise como tantas outras que o Estado já passou. Inclusive eles sabem que essa crise foi anunciada e, mais, que outras crises vão aparecer. Os produtores rurais de mato Grosso são reféns de um modelo tecnológico. Qual a razão disso? Porque Mato Grosso não tem terra boa, que é ácida e precisa de correção por meio de equipamentos e produtos químicos, que são muito caros. O grande problema é que o produtor não tem como sair desse problema, por isso é que eles estão tentando forçar politicamente para terem uma condição melhor.

MidiaNews – Existe uma solução a curto prazo para que essa crise termine?

Prof. Dr. José Marta – A curto prazo não, pois eles já gastaram e estão endividados até o pescoço. A solução é essa mesmo que eles estão buscando, que é uma prorrogação do tempo para o pagamento das dívidas. O problema é que a maioria dos produtores rurais de Mato Grosso não fazem um planejamento da sua produção. Com isso, passada essa crise e o dinheiro voltando a entrar, muitos deles novamente vão se endividar. O pior é que todos sabemos que grande parte desses produtores pedem empréstimo do governo para outros fins, não para investir na sua produção.


MidiaNews – O senhor poderia se aprofundar um pouco mais nessa questão do planejamento a longo prazo?

Prof. Dr. José Marta – Um exemplo são os grandes produtores como o grupo Maggi, ADM, Cargil e Bungue. Tenho certeza que a crise para essas empresas é bem diferente do que para o mero plantador e o arrendatário, estes sim, devem estar com muitos problemas.

Prof. Dr. Adriano Marcos – Só para complementar um pouco o que o dr. Marta disse, o grupo Maggi têm uma equipe técnica muito bem montada por trás de seus investimentos. Por isso cresceu tanto, porque em 1994 os seus diretores foram até São Paulo e contrataram os serviços do grupo PENSA (Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial), que é formado por uma equipe de economistas vinculadas a USP (Universidade de São Paulo). Esse grupo tem uma grande credibilidade a nível nacional e fez todo um replanejamento de quais seriam as ações da empresa dos Maggi para os próximos 10 e 20 anos. Não é a toa que eles são os maiores produtores do Estado. Mas o que acontece é que tanto os Maggi como os Sachetti e outros grandes, de repente dizem que vão arrendar 100 mil hectares de terra produzir e ganhar muito em determinada safra, como eles representam uma espécie de liderança sob os demais, muitos que não são tão grandes acabam indo atrás e quebram a cara. Mas o que eles não sabem é que esses grandes não são loucos de saírem plantando sem ter feito um planejamento prévio.

MidiaNews – E como seria uma solução a longo prazo para a crise?

Prof. Dr. José Marta – Seria verticalizando a produção e industrializando os nossos produtos em Mato Grosso, criando fábricas de óleo, enfim, ao invés de mandarmos nossa produção in natura para outros estados industrializássemos aqui. Mas acontece que historicamente essa classe de produtores não pensa no futuro, são imediatistas.



Fonte: MidiaNews