Debate da desindustrialização ganha voz dentro do governo
Pela primeira vez no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a chamada ''economia real'' terá um representante no primeiro escalão do Ministério da Fazenda.
Publicado 23/05/2006 22:40
O Iedi vem travando um debate ferrenho contra a taxa de juros excessivamente alta e sua conseqüência perversa, o real valorizado e Almeida foi um dos principais porta-vozes desta crítica. O presidente do Conselho do Iedi, o empresário Josué Gomes da Silva, contudo, diz que não é correto interpretar a posição da entidade como a defesa de uma guinada na política econômica. "Somos ortodoxos, mas queremos crescimento", resume. Para o empresário, erra quem interpreta que a ida de Almeida para o Ministério da Fazenda represente alguma leniência no controle das contas públicas ou no combate à inflação.
Belluzzo
Ele faz questão de salientar que a escolha foi por mérito pessoal de Gomes de Almeida, pela sua participação no debate econômico e nos rumos da economia brasileira. "E não é o Iedi que está na equipe econômica", afirma o empresário. Empresários e acadêmicos concordam que a chegada de Gomes de Almeida reforça a visão desenvolvimentista no governo, mas não acham que ela pavimente um caminho para uma mudança na política econômica no curto prazo. Ela pode significar mudanças pontuais de orientação em um eventual segundo mandato. Para Luciano Coutinho, sócio-diretor da LCA Consultores e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o novo secretário de política econômica fortalecerá o debate "intramuros" no governo sobre a necessidade de uma política econômica mais desenvolvimentista. Porém, ressalta que quando se está dentro do governo, não se tem a mesma liberdade de crítica de quando se está fora.
Edward Amadeo, secretário de Política Econômica no governo Fernando Henrique Cardoso e hoje consultor de empresas, espera que o novo secretário, no governo, mude sua visão sobre a própria condução da economia. "Mas a pressão sobre o Banco Central deve crescer", avalia ele. Para Coutinho, Paulo Francini, diretor-econômico da Fiesp e o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, a escolha de Almeida reforça as preocupações de Guido Mantega com uma política econômica mais flexível e que permita um crescimento econômico maior. "Com essa nomeação, o ministro da Fazenda dá espaço para quem tem uma visão mais industrial da economia", avalia Belluzzo.
Rusgas
No entanto, isso não deverá levar a Fazenda a promover um gastos indiscriminado que comprometa a meta de superávit primário. "O Mantega não vai abrir não de uma política fiscal austera", diz Belluzzo. O economista-chefe da Convenção Corretora, Fernando Montero, diz que é natural pensar que a presença de Almeida na Secretaria de Política Econômica aumentará a animosidade da Fazenda com o Banco Central. "Sua figura e o cargo podem alimentar temores entre o mercado de um plano "B" no segundo mandato de Lula. Mas é uma voz empresarial, inteligente e que vinha batendo cada vez mais nos gastos e tributos", diz. Hoje, diz, um plano "B" com corte de gastos não deve ser muito diferente do plano "A" com corte de gastos. Talvez seja até melhor.
Francini, da Fiesp, não acredita em maiores rusgas da Fazenda com a equipe de Henrique Meirelles. O diretor minimizou os impactos das críticas de Almeida às altas taxas de juros. "O Iedi, a Fiesp e a torcida do Flamengo criticam os juros", diz. A ida de Almeida para a Secretaria de Política Econômica reforça a expectativa de mudança na política econômica do governo, já que ele é um crítico contundente do comportamento do juro e do câmbio. Apesar dessa aparente sinalização, o economista Caio Prates, do Instituto de Economia da UFRJ, entende que qualquer alteração na política em curso não ocorrerá enquanto o Banco Central tiver o respaldo do presidente da República para tocar as políticas monetária e cambial. "Essas duas políticas não são de competência da Fazenda", destacou Prates.
Incertezas
Segundo ele, aparentemente o Banco Central e a Fazenda estão em sintonia em relação à flexibilização da política cambial. "Isto aparentemente não é um ponto de divergência", avaliou. "No arranjo atual o BC tem autonomia para conduzir as políticas que o Júlio vem criticando mais, apesar da Fazenda." Nesse contexto, ele prevê que a trajetória gradual da taxa Selic deverá ser mantida nas próximas reuniões do Copom porque o quadro externo se complicou. "Tenho a impressão de que a tendência será a de manter o percentual de redução um pouco menor do que se imaginava há um mês atrás. Por enquanto há espaço para redução do juro e a inflação continua bem comportada."
Prates alerta, porém, que as incertezas em relação a alta dos preços das commodities metálicas e ao comportamento dos juros americanos poderão induzir o BC a ser mais conservador. O economista Paulo Rabello de Castro, sócio da RC Consultores, comunga da opinião de Prates. Ele vê pouca chance de mudança de política econômica nesse fim de governo, mas acredita que Almeida, por suas posições conhecidas, "vai dar um combate ao Banco Central". Para ele, a alta do juro num ritmo mais forte nos EUA, já projetado por sua consultoria, "visa a reduzir a demanda para frear a inflação naquele país".
jornal Valor Econômico