Seminário internacional discute em Brasília os rumos da paz
”A paz vai triunfar, mas não pela capitulação dos povos frente aos fatores da guerra”, disse Socorro Gomes, presidente do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz), na abertura do “Seminário Internacional A Paz é Possível”, n
Publicado 18/05/2006 20:26
Por três dias, dezenas de representantes de movimentos pela paz das Américas, Ásia, África e América, debaterão o tema na iniciativa da Comissão de Relações Exteriores da Câmara Federal, com apoio do Cebrapaz.. “Os poderosos podem muito mas não podem tudo”, concluiu Socorro, que também é deputada federal (PCdoB-PA). Ao seu lado, o presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE), Alceu Colares (PDT-RS), pediu um aparte. “Os impérios têm ascensão e queda. Todo império tem ascensão e queda. O império americano está em queda”, opinou Colares, da velha guarda da militância brizolista.
Interesse pelo Iraque
O primeiro participante estrangeiro a se pronunciar foi o militante cubano Orlando Fundora Lopez, presidente do Conselho Mundial da Paz, fundado logo após a 2ª Guerra Mundial. O deputado Nilson Mourão (PT-AC), membro da CRE, também fez uso da palavra, dizendo que “para ter paz no mundo, nós precisamos nos organizar também”.
O Seminário prossegue até sábado, com intervenções e debates centrados nas ameaças representadas por uma superpotência agressiva — os Estados Unidos — que se considera oficialmente em guerra e pratica a guerra em escala global. Uma presença desperta um especial interesse: Asrar Abdul Latif, membro da resistência iraquiana contra a ocupação.
Na abertura do encontro, Socorro Gomes, como anfitriã, expôs as posições do Cebrapaz, entidade fundada em 2004, na esteira dos grandes protestos mundiais contra a agressão ao Iraque.
Veja a íntegra do discurso:
“Sr. Deputado Alceu Colares, Presidente desta Comissão, Deputado Jamil Murad, representando o Presidente Aldo Rebelo, srs. Deputados, sras. deputadas, Estimado companheiro Orlando Fundora, Presidente do Conselho Mundial da Paz,estimado companheiro Akel Taqaz, Presidente do Centro Palestino para Paz e Democracia, estimado companheiro Richard Bvukumbwe, membro da Direção do ZANU-PF do Zimbabue e estimados companheiros Deputado Athanasios Pafilis, secretário-geral do Conselho Mundial da Paz e companheiro Asrar Abdul Latif, Membro do Movimento Iraquiano contra à Ocupação norte-americana. Sras e senhores, companheiras e companheiros.
Foi muito feliz a decisão da Câmara dos Deputados do Brasil, através da sua Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, de realizar este seminário “A Paz é possível”. É uma iniciativa que se soma a outras tantas no sentido de assegurar a contribuição das instituições brasileiras e do nosso povo para constituir no Brasil e na América Latina, uma cultura, uma corrente de opinião pela paz e a solidariedade entre os povos. Como representante de uma região que em sua trajetória histórica lutou abnegadamente por sua liberdade, autonomia no quadro da federação e para ser parte desta nação una e indivisível, e ainda hoje luta em defesa das suas riquezas saqueadas pelo neoliberalismo, orgulha-me integrar essa corrente, à frente do Cebrapaz, o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz. É uma elevada honra para nós contar entre os promotores deste evento, com o Conselho Mundial da Paz, que ao longo das últimas seis décadas, desde o final da segunda grande guerra, tem dado imensa contribuição à humanidade, nos esforços pela paz, pelo desarmamento, pelo fim das guerras de agressão, pela soberania e autodeterminação dos povos.
Acreditamos que a paz é possível, mas não pela rendição aos fautores da guerra. A conquista da paz resultará da denúncia e da luta dos povos, das forças progressistas, dos governos democráticos contra a política hegemonista e de guerra, agressiva, genocida e violadora do direito internacional, política que, se não for interrompida, poderá levar o mundo ao holocausto. Estabeleceu-se uma situação tal que pode instalar-se uma crise permanente, o desgoverno e o caos. Não podem o mundo democrático, as nações soberanas, os povos, que desejam estar em harmonia entre si, trabalhar, criar e viver no sobressalto e na incerteza, sob o risco iminente de uma agressão ou da violação das suas fronteiras. Mas o documento apresentado no início deste ano pela Casa Branca, sob o título “Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos”, declara no seu primeiro parágrafo: “A América está em guerra. Esta é a estratégia de segurança nacional em tempos de guerra, exigida pelos graves desafios que enfrentamos”. É uma grave afirmação, que mostra também a dimensão dos desafios que os povos têm diante de si.
Dias antes do lançamento desse documento, senhor presidente, senhoras e senhores parlamentares, companheiras e companheiros, as tropas de ocupação no Iraque horrorizaram a população da cidade de Samarra, sinalizando que assim agirão, perpetrando crimes contra a população civil, para assegurar sua indevida presença naquele país árabe. Desde que atacaram o Iraque em março de 2003, as tropas de ocupação revelaram-se inexcedíveis na prática de crimes de lesa-humanidade, sendo a operação de cerco e tentativa de esmagar a resistência em Falluja um claro exemplo das atrocidades que comete um exército invasor para concretizar seus ilegítimos fins. Um dia, os responsáveis por tais crimes serão julgados e condenados como os maiores terroristas, sem registro semelhante na história. Quando os generais do Pentágono batizaram a operação da guerra deflagrada em 2003 como “Choque e Pavor”, estavam dando um sinal de que o combate ao terrorismo seria feito recorrendo também a métodos terroristas. Esses senhores da guerra espalharam o terror, difundiram o medo, tudo fizeram para humilhar o povo ocupado e desmoralizar os resistentes. E nesse afã, enxovalharam as tradições democráticas do próprio povo estadunidense, sua carta dos direitos, a memória dos pais fundadores de sua própria nação. A revelação das torturas em Abu Graib, do transporte clandestino de prisioneiros, a evidência de que Guantânamo é um campo de concentração demonstram cabalmente que uma política de guerra imperialista desenvolve-se a par com as violações das normas democráticas e com o desrespeito aos direitos humanos.
A guerra no Iraque tem sido também a ocasião para o imperialismo agressor usar armas táticas de altíssimo poder de destruição, como as armas à base de urânio empobrecido, do mesmo modo que já haviam feito na primeira guerra ao Iraque e durante as operações militares contra a ex-Iugoslávia. As megatoneladas despejadas no país árabe correspondem a mais de 260 mil bombas de Nagazaki.
O mundo pacífico a que aspiramos não pode concretizar-se enquanto a superpotência multiplicar o seu poder de destruição e impuser a sua vontade pela força ou pela chantagem nuclear. O mundo está diante de uma afrontosa máquina de guerra. Cerca de 500 bilhões de dólares são gastos anualmente pelos Estados Unidos para alimentar esse formidável aparato bélico. As suas tropas e bases militares estão espalhadas em todos os pontos do globo. São mais de meio milhão de soldados, técnicos e instrutores em países estrangeiros em 725 bases e missões militares oficialmente reconhecidas. É uma máquina de guerra que entra em ação toda vez que os dominadores do mundo consideram que os seus “interesses vitais” e “estratégicos” encontram-se “ameaçados”. A amarga experiência tem revelado que esses interesses relacionam-se com a cobiça para exercer a hegemonia no mundo e para açambarcar as riquezas nacionais dos demais países.
É em função disso que a Administração encabeçada por George W. Bush e o grupo arqui-conservador do partido Republicano leva adiante as suas teorias de “guerra infinita”, através de uma sucessão de “guerras preventivas”, contra países por eles considerados “bandidos”, integrantes de um fantasioso “eixo do mal”.
Ninguém de sã consciência defende o terrorismo. Democráticos e patrióticos, comprometidos com a justiça social e a conquista de uma sociedade livre de qualquer forma de opressão, partidários da paz e da conquista de um novo ordenamento econômico e político internacional, os movimentos de solidariedade, o CMP, o CEBRAPAZ e todos os seus congêneres, repudiamos o terrorismo. Quando se observa que o imperialismo age ao arrepio do direito internacional, pratica ele próprio o terrorismo de Estado e alimenta forças fundamentalistas e terroristas, o primeiro dever dos democratas é denunciar que nas mãos dos agressores a luta anti-terrorista é uma bandeira esfarrapada. O verdadeiro combate a este mal pressupõe a existência de governos democráticos e soberanos, a autodeterminação das nações e povos e um ordenamento político e jurídico internacional que passe por uma reforma profunda dos organismos multilaterais, a começar pelas Nações Unidas.
É muito amplo o escopo da ação agressiva do imperialismo mundo. A conceituação elástica de “países bandidos” serve-lhe de cobertura para agir em todos os continentes. Mas, momentaneamente, as atenções se voltam prioritariamente para o Oriente Médio e a América Latina. O principal aspecto da referida política de segurança nacional é a “reestruturação do Oriente Médio”. Esta foi iniciada com as duas guerras preventivas – do Afeganistão e do Iraque. Pressupõe a substituição dos governos que não rezem pela sua cartilha por pró-consulados a seu serviço e o aniquilamento de qualquer resistência. Por isso, sucedem-se as provocações à Síria e recrudesce a política de linha dura para com a luta de libertação palestina.
É por isso também que depois de três anos desde o início da guerra contra o Iraque, os agressores estão lançando o mundo numa nova crise internacional, ao preparar a invasão ao Irã. Contrariando toda a lógica dos fatos e agindo como se fora dona da verdade, a Administração norte-americana julga-se no direito de proibir que um país soberano, no caso o Irã, desenvolva a energia nuclear para fins pacíficos. No momento, está tentando forcejar a aprovação de resolução anti-iraniana no Conselho de Segurança das Nações Unidas e impor sanções ao país. Na verdade, está preparando o terreno para nova guerra na região, no quadro da citada estratégia. O documento da Casa Branca refere-se nos seguintes termos ao Irã: “Não enfrentamos maior desafio que o Irã, país que patrocina o terrorismo, ameaça Israel, a paz no Oriente Médio e provoca a ruptura do processo democrático no Iraque”. Repetida à exaustão pelos meios de comunicação, a afirmação visa a preparar a opinião pública mundial para aceitar a guerra ao Irã como algo justificável.
Senhor presidente, senhoras e senhores parlamentares, companheiras e companheiros, senhoras e senhores.
A nossa região, a América Latina, também se encontra na alça de mira de uma ofensiva política e econômica. Derrotado em seu intento de impor-nos a Alca, pretende-se anexar as economias dos países do continente através dos chamados Tratados bilaterais de Livre Comércio. No caso brasileiro, é algo que ameaçaria a própria integridade territorial do país, conforme alertava o saudoso patriota, professor Celso Furtado. É com essa preocupação que estamos sempre vigilantes em face da cobiça sobre nossa Amazônia e suas riquezas, muitas vezes acobertada por hipócrita defesa do meio ambiente ou por programas florestais. Podemos dizer o mesmo quando se alienam empresas, como a Vale do Rio Doce, vendida na bacia das almas por trinta dinheiros, empresa que detém concessões minerárias importantes e que controla territórios onde é muito provável a incidência de urânio.
A propósito de riquezas nacionais, setores nada patrióticos, sempre servis aos interesses alienígenas, demonstram grande indignação em face da justa e corajosa medida adotada pelo governo boliviano de nacionalizar seu petróleo e seu gás natural. E aproveitam o episódio para tentar desqualificar a correta política externa do governo do presidente Lula, que propugna a integração latino-americana e a transformação do nosso continente num importante pólo econômico e político na luta contra o hegemonismo e por uma nova ordem política e econômica internacional.
A propensão ao intervencionismo em nosso continente está presente na proposição de tomar medidas contra o “terrorismo” na tríplice fronteira, num claro desrespeito à soberania do Brasil, do Paraguai e da Argentina e na ação de órgãos de espionagem e repressão, que enquadram como “narco-terroristas” forças insurgentes de países vizinhos. Afirmamos que os governos soberanos dos países da tríplice fronteira estão em plenas condições de cuidar da própria segurança e defendemos em relação ao conflito colombiano uma solução política negociada, que resulte na paz e na democracia. Para todos os efeitos, rejeitamos as soluções intervencionistas e militaristas. Outro aspecto da violação da soberania no continente são as bases militares em diversos países , como a de Manta, no Equador, de Iquitos, no Peru, de Marechal Estigarribia, no Paraguai, a de Aruba e da Guiana, além de freqüentes operações militares conjuntas no Cone Sul, no Caribe e na América Central.
Como representante popular, membro do poder legislativo brasileiro e do movimento de paz e solidariedade, preocupa-nos que dois países amigos, Cuba Socialista e a Venezuela Bolivariana, estejam sob ameaça de ataque. O já citado documento da Casa Branca emprega sobre esses países uma retórica intolerável. No caso de Cuba, os imperialistas norte-americanos chegam a proteger um conotado e confesso terrorista, enquanto mantém presos cinco patriotas cuja atividade consistia precisamente em dissuadir o terrorismo contra seu país. Quanto à Venezuela a secretária de Estado dos EUA exortou os vizinhos durante uma assembléia da OEA a agir contra o país por não “respeitar a democracia”.
Mas, sr. Presidente, senhoras e senhores, a luta pela paz, a resistência a tais agressões e desmandos, assim como a solidariedade entre os povos aumentam em todo o mundo e infligem derrotas a essa perigosa política.
No Oriente Médio, cresce a resistência popular, especialmente na Palestina e no Iraque. O exército estadunidense que alimentou a expectativa de ser recebido como “libertador”, está sendo tratado tal como é – uma força agressora de ocupação. E a resistência que se avoluma revela que mais forte do que o poder de destruição militar é a convicção dos povos de defender sua soberania nacional. Além disso, é admirável como governos de países ameaçados de agressão , como a Síria e o Irã, reagem de maneira altiva, granjeando apoio na comunidade internacional.
Na nossa América Latina, o quadro político em desenvolvimento é um claro sinal de que as políticas de guerra e neoliberais podem ser derrotadas. Além do fortalecimento da Revolução Cubana e da Venezuela Bolivariana, têm triunfado eleitoralmente forças populares e progressistas constituindo governos democráticos como no Brasil, na Bolívia, no Uruguai, na Argentina, impulsionando a integração continental e a acumulação de forças na luta antiimperialista. É muito significativo que o imperialismo norte-americano esteja sendo contestado de modo tão contundente na região que sempre considerou seu quintal.
A evolução dos acontecimentos no Oriente Médio e na América Latina é uma evidência de que o bom combate da humanidade que preza a paz e os esforços de governos progressistas podem contribuir para abrir novos caminhos na luta por uma nova ordem política internacional, contra o hegemonismo, pela paz e por um mundo de progresso e justiça.
Muito obrigada,
Deputada Socorro Gomes.
Brasília, DF, 18 de maio de 2006”