Fazendeiros sentem reflexos da falta de planejamento

 

Beneficiados anos atrás por muito lucro, fazendeiros tentam empurrar para o Estado, agora que o dinheiro escasseou, uma conta de R$ 4 bilhões a R$ 6 bilhões em dívidas privadas e adiar o pag

 

 

As reivindicações dos fazendeiros em meio à atual crise no campo lembram um tipo de negócio bem ao gosto das elites brasileiras conhecido pelo lema “privatizam-se os lucros, socializam-se os prejuízos”. Os ganhos do setor entre 2002 e 2004, com dólar e preços agrícolas altos, fizeram a festa dos produtores rurais e financiaram o aumento, às vezes desordenado, de plantações e do bem-estar deles. A chiadeira recente de setores ruralistas, especialmente os da soja, permite supor que poucos se preocuparam em guardar dinheiro para pagar dívidas e preparar-se para mudança de ventos numa atividade que atravessa altos e baixos periódicos. Agora que o dinheiro escasseou, tentam empurrar para o Estado uma conta de R$ 4 bilhões a R$ 6 bilhões em dívidas privadas e adiar o pagamento de R$ 9 bilhões em débitos públicos. Essa é a principal bandeira do protesto de grandes agricultores contra a crise previsto para esta terça-feira (16), em Brasília.

As dívidas de até R$ 6 bilhões que os fazendeiros desejam jogar para governo foram contraídas por eles junto a empresas privadas no ano passado, durante o plantio da safra 2005/2006. O objetivo dos ruralistas não é claramente assumido, mas pode-se identificá-lo numa proposta da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A entidade pede ao governo que autorize o produtor a lançar papéis no mercado para captar recursos e liquidar as dívidas. Até aí, nada de mais. O problema é querer o governo como fiador do título. Ou seja, se o fazendeiro não pagasse o título no vencimento, o comprador do papel poderia cobrar do Tesouro Nacional.

Para a CNA, o setor vive uma crise “estrutural”, não “conjuntural”, como crê o governo, daí a necessidade de medidas fortes, como transferir dívidas ao setor público e rever outras já renegociadas há mais de dez anos. A proposta da CNA prevê um refinanciamento total de R$ 13 bilhões a R$ 15 bilhões. Sem o socorro, a entidade alega que faltará caixa aos agropecuaristas para produzir e honrar dívidas ao mesmo tempo. “O setor carrega um passivo muito grande”, afirma Carlos Sperotto, presidente da Comissão de Crédito Rural da CNA e da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).

Sperotto diz ignorar quantos produtores se beneficiariam da rolagem pretendida. Afirma apenas que mais de 70% são do ramo da soja. É provável que a maioria dos favorecidos sejam grandes fazendeiros. O ministério da Fazenda tem sido pressionado há tempos para adiar a cobrança de dívidas refinanciadas entre 1996 e 1998, nos programas Securitização e Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa) (leia: Fazendeiros apelam ao governo e pedem nova rolagem de dívidas). Ambos deram até 25 anos de prazo aos produtores para quitar dívidas em parcelas anuais. O lobby mais poderoso diz respeito ao Pesa, que só tem gente graúda. Atualmente, há sete mil fazendeiros no programa, devendo R$ 8 bilhões ao Tesouro Nacional, o que dá uma média de R$ 1,1 milhão por produtor. A CNA acredita que, sem renegociação, o Pesa sofrerá um calote de R$ 1,4 bilhão, relativo a prestações de 2005, que já deixaram de ser pagas, e 2006.

“A agricultura tem problemas cíclicos, eles [os produtores] precisam fazer poupança para se bancar na crise”, afirma o assessor para Assuntos Agrícolas do Ministério da Fazenda, Gerardo Fonteles. “Não podemos prorrogar a dívida a cada crise”. Aliado dos ruralistas, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, também descarta renegociações. Segundo ele, já são suficientes as últimas medidas anunciadas pelo governo – subsídio de R$ 1 bilhão aos plantadores de soja e adiamento do pagamento de crédito bancária tomado para plantio e investimento em 2005 e 2006. “Achamos que esses mecanismos todos dão um novo sinal de renda ao produtor. Até porque uma boa parte da dívida já foi renegociada”, afirmou Rodrigues na última sexta-feira (12).

Como assinalou Fonteles, os fazendeiros tiveram oportunidade para se precaver. De 2002 a 2004, as exportações do setor cresceram R$ 42 bilhões e o produto interno bruto (PIB) da agropecuária, R$ 55 bilhões. O ganhos e a cobiça por mais lucro estimularam a tomada de crédito e o endividamento. Os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao setor rural dobraram de 2002 a 2005. O pacote de crédito que o governo prepara todo mês de maio para os ruralistas com recursos de BNDES, Banco do Brasil e bancos privados saltou de R$ 17 bilhões em 2001/2002, para R$ 44 bilhões, em 2005/2006. Os investimentos agropecuários foram legítimos, mas embutiam riscos próprios do capitalismo que não podem virar prejuízo para o conjunto da sociedade, agora que existe crise.

Caso o governo ceda à pressão dos grandes fazendeiros, estará obrigado a aceitar pedido idêntico dos agricultores familiares. Uma das reivindicações do Grito da Terra, que acontece a partir desta terça-feira (16), em Brasília, é justamente a rolagem de dívidas de R$ 2 bilhões dos pequenos agricultores. São débitos contraídos desde 97 que começaram a vencer em 2005, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), organizadora do Grito.