Dalmo Dallari critica partidarização da OAB
Uma longa entrevista de Dalmo Dallari para a revista "Fórum", que chega nesta sexta-feira às bancas, dá uma cacetada nas últimas investidas da OAB contra o governo. O experiente jurista opina que a Ordem está agindo partidariamente. Dalla
Publicado 12/05/2006 19:53
A edição de maio da revista Fórum traz em sua edição uma entrevista exclusiva com o jurista Dalmo Dallari, que critica a postura da OAB. “A Ordem está agindo partidariamente, sem dúvida alguma. Estão agindo contra o governo, como se fossem mais um partido de oposição”. O jurista questiona também o pacto federativo e sugere um debate sobre o tema. “O federalismo não deve significar, como tem significado, a independência das oligarquias estaduais. Nós deveríamos abrir uma discussão.”
Dallari classifica a homenagem ao caseiro Francenildo como “ridícula” e reafirma que o estímulo à participação popular é a melhor forma de aprofundar a democracia. Confira trechos da entrevista abaixo.
Ampliando essa temática, durante a crise política, qual sua avaliação tanto a atuação do Poder Judiciário quanto do Ministério Público?
Dallari – Acho que o Judiciário se comportou bem. Primeiro, por que tantas questões no Supremo Tribunal Federal? Se você examinar as decisões do STF, em nenhuma delas ele diz que alguém era culpado ou inocente, só deferiu garantindo direitos de defesa, o que é sua obrigação, já que o direito de defesa está expressamente previsto na Constituição a todo acusado, e não é só de processo judicial, mas também de processo administrativo. Como eram casos em que realmente atropelaram Constituição, as leis, o regimento interno, o Supremo cumpriu o seu dever. De fato, muitos dos parlamentares acham que independência dos poderes significa liberdade para não cumprir a lei. Até a sessão interna tem limites constitucionais e legais.
Mas quando um parlamentar, que deveria saber disso, vem à imprensa e contesta uma decisão do Supremo…
Dallari – Ou o parlamentar é ignorante, desconhece a Constituição e não sabe que também é obrigado a cumprir a lei, ou então não tem vocação democrática, é autoritário e quer que prevaleça a sua vontade, os seus interesses. São as duas únicas hipóteses.
E quanto ao Ministério Público?
Dallari – Tenho uma avaliação pessoal de que, de maneira geral, está agindo bem, por exemplo, na proteção de Direitos Humanos, mesmo aqui no estado de São Paulo. Mas, por alguma razão, grande parte do Ministério Público tem uma vocação tucana que não consegue disfarçar e atua influenciada por política partidária. Ainda hoje estava vendo o caso em que houve indiciamento do [João Pedro] Stédile. É absurdo como um promotor escreve: “Supõe-se que venha dinheiro do exterior, supõe-se que o Stédile tenha feito isso.” Não há provas. A denúncia tem que se basear em fatos. Aí, sem dúvidas, há uma influência forte das oligarquias. É claro que o Ministério Público não deve esperar pela comprovação total porque o criminoso geralmente oculta os fatos, mas o que a lei exige é que haja indícios concretos e sérios, não suposições. Não é preciso ter a prova, mas é preciso algum dado objetivo que possa servir de começo de prova.
Falando de partidarização, como o senhor vê a condecoração do caseiro Francenildo pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)?
Dallari – Ridícula, absolutamente ridícula. É uma exploração demagógica, não há nenhuma consistência, não há fundamento lógico, é fora de qualquer propósito.
A OAB estaria agindo com fins políticos?
Dallari – A Ordem está agindo partidariamente, sem dúvida alguma. Tanto a seção nacional quanto a de São Paulo. Estão agindo contra o governo, como se fossem mais um partido de oposição. Também é absurdo uma conselheira propor o impeachment sem nenhum fundamento, só para alimentar o escândalo. Muitos advogados não concordam com o que a Ordem está fazendo. Já ouvi colegas que estão ficando constrangidos com isso.
Já houve na história da OAB outros casos desse tipo?
Dallari – Não, e olha que estou inscrito na Ordem há 50 anos. Nunca vivemos um momento desses de utilização político-partidária da entidade. A Ordem teve posições políticas sim, posições muito importantes, como no caso Collor [processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo], no movimento das Diretas, na Anistia, na Constituinte. Foram ações políticas, mas nunca político-partidárias.
Isso se deve à ação do presidente da Ordem, Rogério Busato?
Dallari – Acho que não é só o presidente, ele foi colocado lá por um grupo. Eu diria “os atuais dirigentes”, não só o presidente.
A seção paulista e a nacional têm linhas muito semelhantes.
Dallari – Tem várias coisas aí que para o leigo pode não aparecer, mas a gente percebe bem. Por exemplo, a questão da defensoria pública, prevista na Constituição. Os dois últimos estados que criaram defensoria pública foram Santa Catarina e São Paulo. Isso porque a Ordem recebe dinheiro do Estado para contratar advogados para serem dativos, defenderem quem não pode pagar, e isso é utilizado como instrumento eleitoral nas eleições da OAB. A Ordem contrata cinco advogados de um determinado município e com isso ela garante a votação dos advogados de lá. Mas não deveria acontecer, essa teria que ser uma tarefa da defensoria pública, a Ordem não tinha nada que se meter nisso.
Como o senhor enxerga a situação do ministro Márcio Thomaz Bastos?
Dallari – Muitas vezes tenho sido procurado para indicar um advogado, e indico, é absolutamente normal. Ainda há poucos dias me procuraram para pedir um criminalista e não sou criminalista, mas indico quem acho competente. É absolutamente comum. Como o Márcio não pode advogar porque é ministro, ele pode indicar. Não há nada de anti-ético ou de ilegal. Quiseram criar uma imagem irreal.
O papel desempenhado por um ex-ministro da Justiça do governo anterior, Miguel Reale Júnior, que tenta hoje se tornar comandante da tropa do impeachment, não parece um pouco exagerado para quem ocupou um cargo dessa importância?
Dallari – Acho que ele está exagerando na ação partidária porque está, de certo modo, comandando ações demagógicas. E é um professor de Direito desta faculdade, devia ser mais cuidadoso com as atitudes dele.
A íntegra desta entrevista pode ser conferida na edição 38 da revista Fórum, que está à venda nas bancas.