“Peça de Elevador” estréia em São Paulo
Por Eduardo Carvalho
Publicado 06/04/2006 16:26
Carta Maior entrevistou Marcelo Lazzaratto, diretor da Cia. Elevador de Teatro Panorâmico, que está em vias de completar 20 anos de profissão: teatrólogo. A paixão pelos palcos vem dos tempos de escola, quando deixou uma promissora carreira de tenista para participar, entre outras aventuras, de uma montagem de "Hair", toda ela feita por adolescentes que hoje já não freqüentam os palcos e, quiçá, as platéias. Marcelo, no entanto, nunca se afastou da ribalta e, já no início de seu curso de letras na PUC-SP, participou, em 1987, da montagem de “Lusíadas or not Lusíadas”, que fez história por estar ligada à gênese do movimento pela reconstrução do TUCA. Já em sua estréia como profissional, encarnou um dos papéis principais daquela montagem, o de Camões. De lá para cá, não parou mais.
Depois do curso de Letras, Marcelo Lazzaratto formou-se ator pela ECA –USP. Durante dez anos integrou a Cia. Razões Inversas. Lecionou em diversos cursos de teatro. Atualmente, mestre pela Unicamp, faz seu doutorado nesta Universidade onde também ministra aulas de interpretação. Também é professor no Teatro Escola Célia Helena. É diretor artístico da Cia Elevador Panorâmico que estréia, na próxima semana, comemorando cinco anos de existência, a sétima peça de seu repertório que empresta, no título, uma forte referência ao nome da própria companhia e, mais do que isso, o próprio conceito que vem norteando o trabalho deste talentoso diretor paulistano: “Peça de Elevador”, que estréia no dia 6 de abril no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo.
A nova peça, composta coletivamente pela companhia, teve a redação final, como trama dramatúrgica e texto propriamente dito, assinada por Cássio Pires e mostra o elevador, símbolo da trupe, como um lugar de não-estar, um lugar de passagem, um “entre”, como diz o diretor. Uma referência forte ao espírito do homem moderno que vive dividido entre passado e futuro, nunca no presente. “O elevador é emblemático neste sentido. Ninguém se sente presente ali. Ou estão com os pensamentos no lugar de onde vêm ou no lugar para onde estão indo. Sempre ligados à ansiedade pelo futuro ou ao tédio do passado. Nunca no presente”. – explica Lazzaratto.
Ao ser perguntado a respeito do instigante nome de sua companhia, o diretor explicou que “primeiro surgiu o nome, num ato criativo que se demorou um pouco para se traduzir como conceito. Mas o conceito revelou-se de modo tão espontâneo quanto o surgimento do próprio nome, a princípio como um exercício retórico para explicar o inusitado do nome, depois como base filosófica para o trabalho do grupo. O Elevador representa a verticalidade, as constantes subidas e descidas pelo repertório das técnicas teatrais para a concepção do nosso teatro. O Panorâmico remete à horizontalidade que representa o esforço de atingir os interlocutores, o público, a platéia, que é onde o espetáculo completa-se e ganha significados. O que queremos é a verticalidade que o elevador descreve em sua trajetória com a horizontalidade panorâmica que ele revela em sua viagem. Do embate dessas duas forças, a vertical e a horizontal, surge um terceiro vetor, diagonal, que, a nosso ver, é o que melhor traduz o que chamamos de criação artística e fruição estética. Queremos vivenciar este embate. Não cair na tentação de uma criação superficial porque somente horizontal. A proposta é ampliar nosso potencial criativo e nossa qualidade artística para proporcionar aos espectadores os mais variados níveis de leitura”.
A trajetória do elevador – A Cia. Elevador de Teatro Panorâmico surgiu da reunião de um grupo de formandos da Escola Célia Helena, em 2000. “Eu estava querendo dirigir um grupo, eles estavam saindo da escola. Juntamos os trapos e criamos a adaptação da história do Saramago, “A Ilha Desconhecida”, que após temporada de sucesso no Sérgio Cardoso, levou-nos a um importante momento de decisão: encarar ou não uma temporada comercial, arcando com os custos de um teatro e tudo o mais. Ousamos. Saímos de uma sala pública para uma sala privada e levamos a montagem para o TBC. Montamos, simultaneamente, também no TBC, “Loucura”. Tivemos muito êxito naquela temporada, o que permitiu capitalizamos recursos para a futura montagem de “A Hora que não Sabíamos Nada”, peça do dramaturgo austríaco contemporâneo , Peter Handke, sem texto, com mais de trezentos personagens em cena traçando um grande panorama da História da humanidade. Este espetáculo, com sua radicalização de discurso e linguagem, deu-nos boa projeção junto à “intelectualidade”, tanto que, imediatamente, fomos convidados a participar do Festival de Curitiba, no qual participamos da mostra oficial com “A Hora…” e “Loucura”. Isso abriu-nos muitas portas” – conta Marcelo. A montagem “A Hora que não Sabíamos Nada”, em sua construção, foi também um marco para a companhia e para o diretor, pois serviu para sistematizar a teoria estudada em seu mestrado na UNICAMP, que precisava ser aplicada na prática e sistematizado durante os ensaios para uma montagem. Trata-se de um exercício de improvisação denominado “Campo de Visão”, que, após esta montagem, mostrou-se capaz de se configurar também em uma linguagem artística.
Deste trabalho, restaram ainda fôlego e inspiração para a criação do espetáculo seguinte, “Amor de Improviso” que a companhia encenou até pouco tempo. Uma peça completamente improvisada, na qual os acontecimentos são decorrência da aplicação do “Campo de Visão”. “Esta, como as outras peças da companhia, nasceu despretensiosamente. Nunca quisemos revolucionar a linguagem teatral, nunca quisemos impactar… Elas nascem de uma urgência, de uma necessidade, de uma vontade. Da estréia até o final da temporada, o espetáculo foi construindo-se, sem nunca deixar de transformar-se. Havia improviso em tudo, inclusive na trilha sonora, nas situações propostas pela platéia que entregava envelopes para os atores com sugestões temáticas para o improviso, improviso que também acontecia com a iluminação, o que permitia ao operador de luz editar, como na linguagem cinematográfica, as cenas que iam acontecendo, ora privilegiando um foco, ora emprestando tons e matizes dramáticos às cenas que iam sendo criadas. É uma peça de risco, de grande risco, que deixou nos atores uma espécie de síndrome de abstinência daquele constante, diário, processo orgânico e visceral de criação”, conta Lazzaratto.
Depois destes cinco anos de maturação do trabalho, a Cia. Elevador de Teatro Panorâmico empresta o conceito que norteia seu trabalho à criação da peça “Peça de Elevador”, um texto metalingüística, metateatral. “Somos uma companhia paulistana, temos as benesses e os vícios de sermos paulistanos, elegemos o elevador como um símbolo forte da cidade, com a idéia de que o elevador é um veículo, como toda criação artística também o é, pois, mediante a fruição que a obra propõe, o espectador também é transportado de um ponto a outro, mesmo que isso se dê em seu campo metafísico. Paralelamente, temos a figura da ascensorista, que representa o duplo do ator, pois, na Companhia Elevador de Teatro Panorâmico, o condutor do “elevador” são os atores. Assim, esta peça representa o nosso esforço de transportar a platéia para andares metafóricos, com traços metalingüísticos, nos quais serão encontrados personagens como Hamlet, Chapeuzinho Vermelho, As Três Irmãs (de Tchecov) e, ao mesmo tempo, duas secretárias, um publicitário, a síndica do prédio… São 10 diferentes histórias entrecortadas pelas subidas e descidas do elevador. A ascensorista capta retalhos, fragmentos destas histórias que entram e saem do elevador, onde ela fica com a cara grudada no painel de controle. Isso a leva a devaneios poéticos, articulando as idéias do que completaria os hiatos deixados pela entrada e saída das pessoas e suas histórias no elevador. Na verdade, isso nos remete a intuir que todos estamos constantemente em um ato criativo”, explica o diretor.
Marcelo Lazzarato dirigiu também uma montagem de “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, que fará parte da homenagem ao centenário do dramaturgo irlandês ( LEIA AQUI). Sobre o homenageado, o diretor lembrou “que a grande força do teatro de Beckett é a constatação de que a vida só pode ser vivida como um paradoxo. Nosso problema é a busca incessante pela resposta definitiva, pela mágica que transformará tudo. Isso não existe em Beckett, ele assume e propõe a vida como um paradoxo”, conclui Marcelo.