Curitiba recebe 5 mil pessoas para reuniões da ONU sobre biodiversidade
Capital paranaense sedia o 3º Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3, na sigla em inglês), que vai até o dia 17, e a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8), que acontecerá de 20 a 31 de
Publicado 13/03/2006 12:13
Começam a chegar nesta segunda-feira (13/3) à Curitiba os cinco mil delegados, palestrantes e observadores aguardados para as duas maiores reuniões da ONU sobre meio ambiente desde a Rio+10, realizada em Joahnesburgo (África do Sul) há quase quatro anos. Durante três semanas, o 3º Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3, na sigla em inglês), que vai até o dia 17, e a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8), que acontecerá de 20 a 31 de março, vão reunir governantes, parlamentares, militantes socioambientalistas, jornalistas, intelectuais e demais interessados nos principais temas em pauta na política ambiental internacional, como os transgênicos, a proteção da biodiversidade e o acesso aos conhecimentos e ao patrimônio genético das populações tradicionais, entre outros.
Os 187 países signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (CDB) já confirmaram o envio de representantes para pelo menos um dos dois encontros de cúpula na capital paranaense. Cerca de cem ministros de Estado devem prestigiar o Segmento Ministerial da COP-8, também chamado de Reunião de Alto-Nível, que acontecerá de 26 a 29 de março e será presidido pela ministra brasileira de Meio Ambiente, Marina Silva. O Brasil, além de receber os eventos, terá a maior delegação oficial, com 300 pessoas (130 na MOP-3 e 170 na COP-8). Além da delegação oficial, devem marcar presença em Curitiba representantes de setores do empresariado, da academia e, mais numerosos do que nunca, dos movimentos sociais, ambientalistas e de defesa do consumidor.
Preparadas para uma árdua batalha em defesa de suas posições contrárias à liberalização indiscriminada dos transgênicos durante a MOP-3, as organizações socioambientalistas dão início também na segunda-feira (13) ao Fórum Global da Sociedade Civil, maior evento paralelo à reunião oficial sobre o Protocolo de Cartagena. Numa extensa programação que termina com uma reunião de avaliação da MOP-3 na sexta-feira (17) para depois retomar os trabalhos com vistas à COP-8, o Fórum terá em sua primeira semana mesas de debate tratando de temas como áreas livres de transgênicos, contaminação, soberania alimentar, geopolítica dos transgênicos e resistência dos povos indígenas e comunidades tradicionais à globalização econômica. Com o título de “Bem-vindo ao Mundo Real”, o Fórum da Sociedade Civil promoverá também uma feira de sementes e uma série de atividades em defesa do milho crioulo.
A luta contra o milho transgênico e em defesa dos grãos crioulos também será um dos motes da principal atividade promovida pelo MST e a Via Campesina, o “Acampamento Terra Livre de Transgênicos”, que durante o período da MOP-3 e da COP-8 pretende reunir seis mil agricultores e ativistas na cidade de Quatro Barras, a 20 quilômetros de Curitiba. Na primeira semana, além do acompanhamento crítico dos debates da MOP-3, o acampamento promoverá debates paralelos sobre temas ligados à agricultura, aos transgênicos e à biodiversidade. A idéia é fazer um contraponto à visão mercantilista que deve nortear o evento oficial: “Queremos deixar claro para o mundo e para os povos da América Latina que os assuntos em discussão [na MOP-3] não refletem o pensamento do povo, mas das multinacionais e das grandes empresas que estão influenciando essa pauta. Há um descontentamento muito grande sobre a questão do tratamento do meio ambiente e da biodiversidade no mundo”, afirma Diorlei dos Santos, integrante do MST, em nota divulgada pela entidade.
Batalha no governo continua
A posição que será adotada pelo governo brasileiro na discussão sobre a identificação dos carregamentos contendo transgênicos, principal tema da MOP-3, é motivo de desconfiança para as organizações socioambientalistas. A batalha política interna entre o “contém” e o “pode conter” – que coloca de um lado os ministérios do Meio Ambiente, da Justiça e do Desenvolvimento Agrário, além da Secretaria da Pesca, e de outro os ministérios da Agricultura, da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento – permanece intensa nesses dias que antecedem o encontro de Curitiba. A decisão, que agora depende do retorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de sua viagem ao Chile, ainda não foi tomada, mas o histórico recente do governo mostra uma tendência de se privilegiar a posição pró-transgênicos liderada pelo Ministério da Agricultura.
O jornal "Valor Econômico" chegou a veicular uma reportagem dizendo que, depois de uma reunião com os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e Roberto Rodrigues (Agricultura), Lula teria definido a posição do governo pelo “pode conter”, mas a notícia foi desmentida em vários ministérios. O mesmo jornal publicou que o Brasil estaria trabalhando sobre uma proposta de terceira via, segundo a qual as regras de identificação seriam específicas para cada cadeia produtiva, de acordo com as condições de cada uma delas, de modo que nas cadeias de produção “onde seja possível” adote-se a expressão “contém”, e nas que “não houver condições” adote-se o “pode conter”. Em seu último boletim, a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos condena o setor pró-transgênicos do governo por estar plantando informações na grande imprensa: “O conteúdo dessa matéria [do Valor] é todo baseado em suposições, já que o governo não confirmou nem comunicou oficialmente sua posição. Setores interessados em fragilizar o Protocolo de Biossegurança aplicaram no campo das notícias a máxima onde ‘em se plantando tudo dá’”.
Apesar dos falsos alarmes e do fato de que a posição brasileira não está realmente definida, os movimentos temem concretamente que o Brasil repita a postura pró-transgênicos adotada na MOP-2, realizada no ano passado. Representante do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS) no Comitê para Preparação da Posição Brasileira que foi coordenado pelo Itamaraty, Maria Rita Reis lamenta que, faltando dois dias para o início da MOP-3, a palavra final do governo ainda não tenha sido dada: “A reunião do Conselho Nacional de Biossegurança, que definiria o tema, foi adiada e não tem data para ocorrer. Ao que tudo indica, caberá ao presidente Lula decidir a postura da delegação brasileira. É inadmissível que quaisquer outros critérios, que não os que digam respeito à biossegurança, sejam adotados para definir as regras de identificação no âmbito do Protocolo de Cartagena. Além disso, casuísmos só gerariam ainda mais dificuldades na implementação das normas, já que as decisões sobre a identificação demandariam um processo negociador para cada OVM (Organismo Vivo Modificado)”, disse, em nota divulgada pelo FBOMS.
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