Sob a maldição dos signos da genética

Jamais a biologia avalizou raça como categoria biológica, cuja origem histórica e política foram mentes racistas.

Concordo com Maria Adelina Braglia que disse, em Europa, minha avozinha!, q ue é quase um insulto a sucessão de matérias veiculadas nos últimos dias pela TV Globo sobre supostas “farsas dos quilombos” e as distorcidas análises políticas da pesquisa patrocinada pela BBC, base do Especial Raízes afro-brasileiras, com o perfil genético de nove personalidades negras evidenciando que geneticamente são mais européias que africanas.


 


No site da BBC há um Fórum (“Você acha que o conceito de raça ainda faz sentido no Brasil?”) que s ilencia sobre o “estupro colonial”, base maior das trocas genéticas que nos legaram a mestiçagem – contexto no qual assumir a identidade racial negra é um posicionamento político corajoso – que não ousa dizer que raça não é, e jamais foi, uma categoria biológica. O mesmo vale para uma revista de notória gente “unha e carne” com   o apartheid que vigorou na África do Sul, ao grafar na capa: “Raça não existe!” Demooorou…


 


Vocifera: o conceito de raça é um “disparate científico”. Disparate é pouco. É uma mentira racista.   E, agora José?  Mas não fez o “mea culpa”. Jamais a biologia avalizou raça como categoria biológica, cuja origem histórica e política foram mentes racistas. As vítimas não inventaram o “racismo científico” – excrescência que macula a humanidade e reaparece no Brasil hodierno com nova face. Querem nos impingir tal pecha. É infâmia demais!


 


Estudos da genética molecular, sob o concurso da genômica, são categóricos: a espécie humana é uma só e a diversidade de fenótipos e o fato de que cada genótipo é único são normas da natureza. Tendo o DNA como material hereditário e o gene como unidade de análise, é impossível definir quem é geneticamente negro, branco ou amarelo. O genótipo sempre propõe diferentes possibilidades de fenótipos. O que herdamos são genes, e não caracteres! Fato que não autoriza ninguém a dizer que o racismo não existe, pois a opressão racial/étnica é uma realidade que independe dos saberes da genética molecular.


 



Todavia o mimetismo do racismo é exuberante. No picadeiro, não parece, atende pelo nome de “racismo científico”. O pano de fundo de tão racista “interesse” dos pauteiros tem endereço certo: as cotas raciais/étnicas e o Estatuto da Igualdade Racial, eleitos pelos “caras-pálidas” como “leis temerárias” de “alto potencial explosivo”: “monstruosidades jurídicas que atropelam a Constituição – ao tratar negros e brancos de forma desigual – e oficializam o racismo”. E arrematam: tais leis são institucionalizadoras do “cisma racial” (Ai, meus sais!); e se elas vigorarem “Será como apagar fogo com gasolina”. Ah, há fogo?


 


           



E despudoradamente invocam o mérito! Qual mérito? Esquecem-se do mérito que é ter construído um país no lombo. Não foi? Ora, me compre um bode! Além do que mérito é um conceito cultural, arbitrário e mutável, segundo as circunstâncias. Essa gente sabe usar bem ao seu favor seus degenerados neurônios para nos desviar da rota anti-racista. Toquemos nossa agenda de luta por políticas públicas de Estado consistentes e condizentes com a necessidade que nos impõe o combate ao racismo.   E que os “contra” se danem. É o quê manda a justa indignação política. Mas está em curso uma luta ideológica.


 



Em tal raia me bastam as palavras dos autores da “nova” pesquisa BBC: “a informação genética sobre a estrutura da população brasileira deve ser considerada apenas como subsídio para o processo de tomada de decisões. Não compete à genética fazer prescrições sociais. A definição sobre quem deve se beneficiar das cotas universitárias e das ações afirmativas no Brasil deverá ser resolvida na esfera política, levando em conta a história do país, o sofrimento de seus vários segmentos e análises de custos e benefícios”. (Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas? Pena & Bortoloni. 2004). Bortoloni, eu não a conheço.


 



Mas o geneticista Sérgio Danilo Pena é uma glória da ciência brasileira. Ele é todo cintilância, pura purpurina, ao abordar as bases teóricas da ciência da qual é um especialista de renome mundial. Mas ao se mimetizar de analista e/o ativista político pisoteia em seu charmoso “black-tie” e renega os saberes do seu objeto de estudo: os genes. Por que será?

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