Renan e os negócios obscuros da Abril
Vítima de um feroz e estranho bombardeio da revista Veja, o senador Renan Calheiros decidiu partir para o revide – prestando um serviço à sociedade. Na semana passada, ele enviou aos parlamentares uma carta questionando os motivos da investida. “Pat
Publicado 15/08/2007 19:18
A famíglia Civita, dona do poderoso grupo midiático, não deu capa à “nebulosa transação”. Acostumada a condenar sem julgamento todos os que atrapalham seus projetos políticos ou ambições comerciais, num atentado à Constituição, preferiu o silêncio. Apostou no esquecimento e na pouca repercussão. Já o resto da mídia venal, também adepta da “presunção da culpa”, optou por encobrir o caso e sequer averiguou as acusações. Agiu como cúmplice de um crime ou como quem tem culpa no cartório. Mas as denúncias são graves e bem que poderiam ensejar uma CPI para apurar os pobres da mídia. O senador Renan Calheiros, que conhece os bastidores do poder e hoje é satanizado pelos poderosos, teria importante papel a cumprir.
A transação Telefónica-TVA
O bilionário negócio, que não teve qualquer alarde na imprensa, é realmente obscuro. Em julho passado, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou a venda de parte da TVA, que pertence a Abril, para a multinacional Telefónica por R$ 922 milhões. Foram transferidos 100% da TV por assinatura via microondas (MMDS), 49% das ações votantes da TV a cabo fora de São Paulo e 19,9% destas no estado. A Telefónica, com “valor de mercado” de US$ 104 bilhões, só não abocanhou integralmente a TVA por restrições da Lei do Cabo. Na prática, a Abril tornou-se um “laranja” da multinacional, que oficialmente é espanhola, mas que dá lucros para poderosos bancos, como o Citigroup, JP Morgan-Chase e BankBoston.
A transação, feita na surdina e às pressas, só se tornou pública devido ao voto contrário de Plínio Aguiar Jr. no Conselho da Anatel, que foi disponibilizado a seu pedido no site da agência. Ele considerou que a venda afeta os interesses dos acionistas da TVA e não resguarda os interesses nacionais, já que o número de ações adquirido pela multinacional chegou ao limite de 49%. Para o conselheiro, isso contraria o artigo 7º da Lei do Cabo, “uma vez que o seu objetivo é assegurar que as decisões em concessionárias de TV a cabo sejam tomadas exclusivamente por brasileiros, o que não ocorrerá no presente caso, uma vez que as decisões estarão sujeitas à aprovação da Telesp, que é controlada por estrangeiros”.
A aprovação da Anatel, entretanto, apenas oficializou o que já vinha ocorrendo desde o início deste ano – portanto, antes da formalização da venda. “Você abre os jornais e vê as propagandas conjuntas, dizendo ao consumidor que ele pode ter como provedor da internet a Speedy, da Telefónica, ou a Ajato, da TVA. A Telefónica está oferecendo pacotes de TV por assinatura, o que mostra que a operação comercial já está em andamento”, denunciou, em março, ao jornal Hora do Povo, o diretor da Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), Alexandre Annemberg. Pouco depois, a presidente do Conselho Administrativo de Defesa do Consumidor (Cade), Elizabeth Farina, ao comentar o processo Telefónica-TVA, confessou que o órgão “não tem imposto grandes restrições aos atos de concentração na área de telecomunicações”.
Os vínculos com os racistas
Esse não é o primeiro negócio obscuro da Abril. No ano passado, o escritor Renato Pompeu denunciou na revista Caros Amigos que “o grupo de mídia sul-africano Naspers adquiriu 30% do capital acionário da Editora Abril, que detém 54% do mercado brasileiro de revistas e 58% das rendas de anúncios em revistas no país. Para tanto, pagou 422 milhões de dólares”. Da mesma forma que ocorre hoje na transação TVA-Telefónica, a imprensa nativa não deu maior destaque àquela negociata e nem sequer revelou a história da multinacional sul-africana. “Não foi dada a devida atenção ao fato de a Naspers ter sido um dos esteios do regime de apartheid na África do Sul e ter prosperado com a segregação racial”, criticou Pompeu.
Dos quadros deste grupo saíram os três primeiros-ministros do regime fascista e racistas do país. “Com a ajuda dos governos do apartheid, dos quais suas publicações foram porta-vozes, a Naspers evoluiu para se tornar o maior conglomerado da mídia imprensa e eletrônica da África, onde atua em dezenas de países, tendo estendido também suas atividades para nações como a Hungria, Grécia, Índia, China e, agora, para o Brasil. Em setembro de 1997, um total de 127 jornalistas da Naspers pediu desculpas em público pela sua atuação no apartheid, em documento dirigido à Comissão da Verdade e da Reconciliação, encabeçada pelo arcebispo Desmond Tutu… A própria Naspers, entretanto, jamais pediu perdão por suas ligações”. A revista Veja, agora infestada pela empresa racista, também nunca falou sobre a “nebulosa transação”.
Os interesses alienígenas
Mas as relações obscuras do Grupo Abril vão bem além. Até recentemente, ele sofria forte influência na sua linha editorial de corporações dos EUA. A Capital International, terceiro maior gestor de fundos de investimentos desta potência, tinha dois prepostos no seu Conselho de Administração – Willian Parker e Guilherme Lins. Em julho de 2004, esta agência de especuladores havia adquirido 13,8% das ações da Abril, numa operação viabilizada por uma emenda constitucional sancionada por FHC em 2002. O Grupo Abril também tem vínculos com a Cisneros Group, holding controlada por Gustavo Cisneros, um dos principais mentores do frustrado golpe midiático contra o presidente Hugo Chávez, em abril de 2002.
Segundo Gustavo Barreto, pesquisador da UFRJ, o grupo ainda possui relações com vários bancos, como o Safra e o norte-americana JP Morgan – “o mesmo que calcula o chamado risco-país, índice que designa o risco que os investidores correm quando investem no Brasil. Em outras palavras, expressa a percepção do investidor estrangeiro sobre a capacidade deste país ‘honrar’ os seus compromissos. Estas e outras instituições financeiras de peso são os debenturistas – detentores das debêntures (títulos da dívida) – da Editora Abril e de seu principal produto jornalístico. Em suma, são responsáveis pela reestruturação da editora que publica a revista com linha editorial fortemente pró-mercado e anti-movimentos sociais”.
Um ninho de tucanos
Além de controlada por corporações estrangeiras, a Abril mantém relações estreitas com o PSDB, que é o núcleo orgânico do capital rentista, e com o PFL, que representa a velha oligarquia conservadora. Emílio Carazzai, que exerceu a função de vice-presidente de Finanças do Grupo Abril, foi presidente da Caixa Econômica Federal no governo FHC. Outra tucana influente Civita é Claudia Costin, ministra de FHC responsável pela demissão de servidores públicos, ex-secretária de Geraldo Alckmin e vice-presidente da Fundação Victor Civita. Não é para menos que a Editora Abril sempre privilegiou os políticos tucanos.
Afora os possíveis apoios “não contabilizados”, que só uma rigorosa auditoria da Justiça Eleitoral poderia provar, nas eleições de 2002, ela doou R$ 50,7 mil a dois cardeais do PSDB. O deputado federal Alberto Goldman recebeu R$ 34,9 mil da influente família; já o deputado Aloysio Nunes, ex-ministro de FHC, foi agraciado com R$ 15,8 mil. Ela também depositou R$ 303 mil na conta da DNA Propaganda, a famosa empresa de Marcos Valério que inaugurou um ilícito esquema de financiamento eleitoral para Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB. Estes e outros “segredinhos” do Grupo Abril ajudam a entender a linha editorial da revista Veja e a sua postura de opositora radical do governo Lula.