Lugo e os novos ventos do Paraguai

A mídia tupiniquim, que sempre fez alarde com o drama dos sacoleiros de Ciudad del Este, não tem dado maior atenção à inédita mudança de ventos no vizinho Paraguai. Depois de 65 anos de violenta e corrupta hegemonia do oligárquico Partido Colorado, a elei

O ex-bispo Fernando Lugo, adepto da Teologia da Libertação e ligado aos movimentos sociais, está na frente em todas as pesquisas de opinião. Em segundo lugar, com mais de dez pontos de diferença, aparece o ex-general Lino Oviedo, dissidente colorado; em terceiro, a candidata da situação, a ex-ministra Blanca Ovelar.


 


 


O clima no país, segundo relatos de vários lutadores sociais, é de mudança e de forte esperança, o que confirma a guinada à esquerda na América Latina. Nem mesmo as manobras do governo, que concedeu anistia ao ex-militar populista para dividir os votos da oposição, parece ter surtido efeitos. Até setores conservadores, com forte influência na mídia, já dão como certa a vitória de Fernando Lugo, que montou uma ampla frente de centro-esquerda – que agrega desde o Partido Comunista até os nacionalistas do Partido Liberal Radical Autêntico. O maior temor, entretanto, é que ocorram fraudes nas eleições, o que é bastante comum neste país.


 


 


Fraudes dos colorados


 


 


Como alerta o jornalista Gilberto Maringoni, atento analista da situação latino-americano, o risco de roubo é real. “Praticamente tudo no país é controlado pelo Partido Colorado, criado em 1887. Dominando o executivo nacional, legislativo e judiciário, a influência da agremiação espalha-se por todas as localidades paraguaias. É voz corrente que ninguém consegue emprego, matrículas em escolas públicas, atendimento em postos de saúde ou prestar queixas em delegacias policiais se não apresentar sua ficha de filiação no partido. Integrantes das forças armadas também devem se filiar para ascender na carreira. Dos seis milhões de paraguaios, quase um terço formalmente é membro da agremiação. É uma máquina poderosíssima, para ninguém botar defeito”.


 


 


Temendo o perigo, dirigentes da esquerda paraguaia têm visitado os países da região solicitando o envio de observadores para fiscalizar o pleito. Para melar qualquer solidariedade, a mídia venal só publica pequenas notas sobre as eleições para difundir a visão apocalíptica de que a vitória de Lugo representaria nova dor de cabeça para o Brasil, com o rompimento unilateral do Tratado de Itaipu. Tamanha intriga, inclusive, já teria cindido as preferências no governo Lula, com os mais pragmáticos lembrando a nacionalização do petróleo por Evo Morales para justificar o apoio ao centrista Lino Oviedo. Com isso, eles jogam areia no excelente trabalho de integração regional desenvolvido pelo Itamaraty, que depende da vitória de forças mais democráticas nas eleições.


 


 


O inflamável Tratado de Itaipu


 


 


De fato, o Tratado de Itaipu é um dos principais temas da campanha. Os três candidatos propõem algum tipo de revisão deste acordo, firmado em abril de 1973 pelas ditaduras militares de Emílio Garrastazu Médici, do Brasil, e de Alfredo Stroessner, que espalhou terror no Paraguai de 1954 e 1989. O tratado, que aprovou a construção da maior usina hidrelétrica do mundo até então, tem a validade de 50 anos e fixa a repartição da energia entre os dois países. Metade fica com o Brasil e outra com o Paraguai. Como o país vizinho usa apenas 12% do total produzido, ele é obrigado a vender a eletricidade sobrante ao Brasil por preços que variam de US$ 22 a US$ 44 o KwH.


 


 


A coalizão que apóia Fernando Lugo entende que o acordo é lesivo e defende a “recuperação da soberania hidrelétrica”. Ela lembra que o preço de energia no mercado brasileiro passa dos US$ 80. Itaipu é responsável por 19% do PIB paraguaio, com ingressos nos cofres públicos de cerca de US$ 1,5 bilhão ao ano. Um reajuste nos preços – e não o rompimento do tratado, com alardeia a mídia terrorista – poderia representar importante alavanca para o desenvolvimento do país, um dos mais pobres do continente. Não é para menos que a proposta contagia os paraguaios e hoje é defendida, de formas variadas, por todos os candidatos. Ela não tem nada de esquerdista ou de provocadora; apenas prega o que o Brasil também deveria defender, a soberania nacional.

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