Inflação alimentar: entre o boi e a cana-de-açúcar
Com a arroba do boi a R$ 77,30 à vista, há animação no campo entre quem não destruiu pastos para plantar cana-de-açúcar. Há cerca de uma década, parecia que ''mexer'' com pecuária era uma insistente burrice. Criar gado vacum requer aplicar em pastagem, já
Publicado 16/04/2008 18:38
Quem criava gado não conseguia explicar o apego a um negócio que dava prazer, mas não lucro. Há quem goste dos cheiros da roça, como uma de minhas filhas: ''Ah, mãe, não vou mentir. Gosto mesmo de cheiro de bosta de boi''. É assim. Difícil do povo da cidade entender. Viver na e da roça é uma peleja, uma mania e uma cachaça, pois, como meu avô Braulino dizia, ''sei com quantos ‘paus’ se engorda um boi. Prefiro deixar aí para encher minhas vistas do que vender barato demais. Nem que eu passe necessidade''.
Nos últimos dois anos, impressionava-me como no Sul do Maranhão muita gente arrendou suas terras para plantadores de cana-de-açúcar! Indaguei a meus botões quem estaria plantando alimentos. Doía que, uma região onde não havia tradição canavieira, mas plantações de arroz, feijão e milho, de repente virasse um mar de cana.
Ao comentar com pessoas conhecidas, ouvi que os tempos mudaram, a ''modernidade'' chegara ao campo e que ''fazendas à moda antiga'' estavam sumindo. Tenho uma mentalidade roceira arredia ao que se denomina de agronegócio selvagem: plantar só o que dá lucro no momento.
Sei como vive o povo da roça (pequenos e médios produtores), com um gadinho e uns roçados que produzem parte expressiva dos alimentos consumidos no país. A mentalidade da propriedade rural como a casa máter, com a função de porto seguro e esteio familiar, está entranhada em minha história de vida. Sou impregnada do modo de viver camponês, no qual ter um pedaço de chão significa a própria vida. Tenho apego à terra e vejo a sua posse como uma segurança, muito mais do que dinheiro no banco.
A Conferência da ONU sobre Mudança Climática, na ilha de Bali, na Indonésia, em 2007, embutiu no debate sobre biocombustíveis a alta exponencial do preço da soja nos Estados Unidos em decorrência da perda de espaço para o incentivo ao milho para o fabrico de etanol. Embora a soja possa produzir biodiesel, tal destino na cadeia produtiva é inexpressivo quando cotejado com a produção de óleo comestível e alimento para o gado. Em Bali, ''especialistas alertaram para o risco de inflação alimentar no mundo, resultante da busca pelo combustível limpo e baixa dependência de combustíveis fósseis''.
O dito no ano passado sobre inflação alimentar chegou agora a bordo da culpa do uso quase exclusivo da terra para produzir biocombustível, em detrimento da produção de alimentos. Pode ser verdade e pode não ser.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, falou que os alimentos provocaram inflação em todo o mundo, porém ''a alta pode ajudar o Brasil'', pois a inflação alimentar ''tem o lado ruim, de aumento de custo de alimentos, mas o lado bom, o choque de oferta'', e que ''durante muito tempo, os países descuidaram dos investimentos. Deixamos de lado a produção de alimentos e ao mesmo tempo houve um aumento do poder aquisitivo de parte significativa da população mundial''. O ministro apresentou uma receita: aumento da oferta de produtos agrícolas; investimento no setor e produção de alimentos. E agora, José? Vamos todos pra Pasárgada?