Imponderável & incomensurável

 ''O desafio para a ciência é descobrir um modo de estender a fase de auge do cérebro para que nossas mentes funcionem por tanto tempo quanto nossos corpos''

Dos hábitos salutares, essenciais e prazerosos que adquiri, a leitura é o mais relevante. Ler tem sido a força motriz e, ao mesmo tempo, um dos meus grandes prazeres e um afago no meu modo de ser dionisíaco. É um hábito tão arraigado que sequer consigo fazer a sesta se não estiver lendo. Posso estar caindo de sono, se não encontrar algo para ler desparafuso. Preciso, seja de um pedaço de jornal velho rasgado que já estava no lixo!



 
Sem a leitura eu não teria tido os insights/percepção extraordinária de planejar a vida que tenho, pois nela as decorrências da leitura são da alçada do imponderável e do incomensurável, pois ler é um processo de captação e decodificação de símbolos, que instiga as conexões neuronais responsáveis pela memória, possibilitando a construção de conhecimentos e de saberes; e a formação e a sedimentação da cultura. Saber ler é uma arte que se aprende, não é um dom. Assim sendo, não é uma crueldade que os governos não adotem uma política de peso para o estímulo e a democratização da leitura? 



 
Há indícios de que quem lê é menos propenso a desenvolver o Mal de Alzheimer e que falha nas conexões cerebrais pode estar na base da doença, grosso modo, uma forma de demência decorrente de uma doença degenerativa do cérebro, que tudo indica ser multifatorial, incluindo o background sócio-econômico da pessoa acometida.  Sabe-se que a baixa dos níveis de mielina – substância existente na camada protetora dos neurônios, rica em colesterol, que atua acelerando as conexões entre os neurônios – ocorre na meia idade, como parte natural do processo de envelhecimento. Tal fato ''pode explicar alguns casos do Mal de Alzheimer'', mas também está na base da esclerose múltipla.



 
Estimativa da Escola de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, EUA (2007) informa que em 2050, uma em cada 85 pessoas terá Alzheimer. Ou seja, terá comprometimento da memória, do humor e do comportamento; dificuldade para lembrar, falar, aprender, julgar e planejar, pois não lembra nomes; não encontra as palavras certas; perde, paulatinamente, a capacidade de executar tarefas cotidianas, chegando à perda da memória, que difere daquela associada ao envelhecer normal. Não é uma doença hereditária. Mais comum após os 65 anos, mas a literatura científica registra casos aos 40 anos. Os raros relatos de casos na infância apontam provável ''defeito genético''.



 
George Bartzokis, coordenador de uma pesquisa na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), publicada na Neurobiology of Aging, ao comparar o cérebro humano com uma conexão de internet de alta velocidade, afirmou: ''a qualidade da conexão da internet é a chave de sua velocidade, fidelidade e capacidade, em geral. Uma análise mais próxima do tecido do cérebro mostra que as conexões cerebrais se desenvolvem até a meia idade e depois começam a decair, quando a queda da produção de mielina produz um efeito dominó destrutivo. A fase de auge das atividades cerebrais é bastante curta. O desafio para a ciência é descobrir um modo de estender a fase de auge do cérebro para que nossas mentes funcionem por tanto tempo quanto nossos corpos.''



 
Parafraseando nutricionistas que dizem: ''você é o que você come'', a leitura estabelece algo similar, pois nos leva a lugares que nosso campo visual não nos possibilita alcançar, a horizontes inimagináveis. Embora o cérebro ainda seja uma Caixa de Pandora para as neurociências, já se sabe muito. Há rotas e indícios promissores, comparativamente há uma década, mesmo sabendo que há muito a desvendar na incógnita que ainda é a memória. Há dados de pesquisas que tentam explicar porque as pessoas que lêem muito são menos propensas ao Mal de Alzheimer. Para mim elas demonstram algo elementar, porém sensacional. Os neurônios de quem possui hábito da leitura portam um estado de conservação, isto é ''forma física'', que favorece uma melhor performance neuronal.

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