Centrais Sindicais Brasileiras: do acúmulo da experiência proletária à CTB

A história de luta dos trabalhadores brasileiros remete-nos ao pré-1500, desde o labor indígena, ultrapassa os séculos de trabalho escravo e se reforça nas atividades sócio-produtivas durante o capitalismo em nosso país.

Nesta trajetória, realizaram a sua experiência, construíram sua consciência e organizaram-se como classe em si e para si, buscando ultrapassar a exploração do homem sobre o homem. Neste processo, milhares de vidas foram dadas à causa, centenas de organizações e movimentos criados, alguns deles efêmeros, outros duradouros, todos eles marcando uma trajetória de suor e sangue, construindo uma concepção classista de mundo, rumo à superação da  sociedade do capital.



Da consciência econômica por vencimentos condizentes com a dignidade da prole e por melhores condições de trabalho e moradia, passando pelas greves e pela organização sindical, chegando à luta política e partidária para a construção de um novo poder operário, foram décadas e décadas de uma história não-retilínea. Porém, rica de exemplos que nunca são demais para evidenciar na memória das lutas sociais de nosso País.


 


Os operários da tecelagem Cruzeiros que, no Rio de Janeiro de 1903, iniciam a primeira greve geral do sindicalismo brasileiro por melhores salários e jornada de oito horas, a qual se alastrará por várias categorias, será uma espécie de alfa-ômega da greve geral e de caráter nacional de 1962.


 


Entre elas, quase sessenta anos de busca da identidade de classe, de clandestinidade de organização e de enfrentamentos da repressão e de ditadura corporativista como a do Estado Novo, entre 1937 e 1945. De lá para cá, cerca de mais quarenta e cinco anos de acúmulo de forças, de luta contra uma ditadura civil-militar e contra a ofensiva neoliberal,  amalgamaram a compreensão sobre os limites históricos da participação nos parlamentos e no Estado burguês. Na soma do tempo, um século de esperança que ultrapassou os sucessos da Revolução de Outubro, mas a vivência da crise da experiência socialista a partir do fim da URSS.


 


Desencantos sim, porém passos para trás que exigem novos caminhares, novas estratégias, novas formas de organização.


 


As experiências liberais de governo e poder, desestatizantes e ilusionistas da melhoria social pela mão invisível do mercado, cotidianamente desembocando em guerras e aumentos da taxa de exploração do trabalho, somados à retirada de direitos históricos da classe trabalhadora, visivelmente esgotam-se conjuntural e historicamente. Dão lugar a tímidas, mas consistentes formas de reação e resistência que colocam o movimento operário e sindical, aliado a outros movimentos sociais, em outro patamar de desafios e estruturas organizacionais.


 


A fundação da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), nos finais de 2007, deve ser vista dentro deste quadro de acumulação para um sindicalismo classista e democrático. Resultado do acervo teórico-prático do bom combate que ilustra o percurso de diversos gêneros, nacionalidades e etnias que,  produtores da riqueza, somam-se como indivíduos e formam um coletivo para superar a última formação histórica que divide a sociedade em classes distintas.


 


Se a greve de 1903 gerou, no mesmo ano, a primeira lei de expulsão de estrangeiros e militantes dos movimentos sociais e políticos, atingindo muitos líderes sindicais, os trabalhadores superaram as falsas xenofobias, as leis de dois terços e outras formas de burlas ideológicas de harmonia social. Assim, deram vazão a consigna de Marx e Engels de 1948: “Operários de todo o mundo, uni-vos!”


 


Como brasileiros e latino-americanos, como sujeitos do mundo do trabalho levantaram-se, em 1905, na primeira greve em São Bernardo. Aqueles 500 operários da Ipiranguinha Tecidos nem sabiam, mas continham o DNA das grandes greves do ABC paulista dos finais da década de 1970 e início dos anos 80. Dali saiu a experiência única em nosso país de uma trajetória que organizou um Partido dos Trabalhadores, construiu uma Central Única dos Trabalhadores e levou a sua liderança maior à Presidência da República.


 


Porém, a chegada ao governo em 2002, ainda não ao poder, foi o ápice e o limite de uma fase da experiência da classe trabalhadora brasileira que alcançou a limitada consciência da possibilidade de reformar o capitalismo e administrar o Estado burguês. O esgotamento da CUT em seus propósitos democráticos e plurais como afirma o Manifesto de criação da CTB, apesar da sua história de lutas, “já não é capaz de aglutinar de forma ampla as variadas forças  e lideranças que atuam entre os (as) trabalhadores (as). Isto, somado à “defesa ativa da fragmentação das bases representadas pelas entidades sindicais, com a roupagem da liberdade sindical em oposição à unicidade”, opondo à cúpula às bases e às lideranças combativas, sobretudo no campo, explicam, em parte, “o afastamento de tendências que não concordam com o hegemonismo da força cutista majoritária”, atuantes desde a criação desta central em 1983.[1]


 


Mas são explicações insuficientes. A CUT, resultado de um princípio predominantemente divisionista, após a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em 1981, trouxe consigo o marco da Convenção 87 da OIT que mesclou liberdade com pluralismo sindical, indo ao encontro das concepções fragmentárias, tão ao gosto dos liberais. Mesmo a histórica subordinação sindical ao Estado, oriundas da legislação corporativa e varguista, uma releitura da experiência do fascismo italiano, somados aos anos de ataque à autonomia sindical patrocinados pela Ditadura pós-1964, sempre foram motivos históricos insuficientes diante do entendimento classista de que a unicidade sindical aliada à liberdade de organização das entidades, no caso brasileiro, ainda são as maiores armas para o enfrentamento dos patrões e seu aparato jurídico-político, o Estado.


 


A maioria das correntes cutistas, por um quarto de século, corroborou uma visão originária e ensimesmada, construída no argumento do novo sindicalismo, a qual batizava o antes e o depois da década de 1980 na história do movimento sindical brasileiro. Em nome da liberdade e do pluralismo sindical, negaram a trajetória e o acúmulo de consciência que resgatamos aqui, indeferindo as trajetórias trabalhistas e comunistas no seio do operariado brasileiro entre o Movimento Civil-Militar que levou Vargas ao poder e o Golpe de 1964. Não é por nada que sua memória histórica resgatou a tradição libertária e anarquista do pré-1930 como exemplo de um tempo áureo de liberdade e autonomia sindical. Esta visão não conseguia perceber que aquela fase, mesmo que importante, representava a infância do movimento operário brasileiro, no contexto de uma sociedade liberal-conservadora oriunda do rompimento com décadas de exploração escravista, mescladas com trabalho fabril e camponês de origem imigrante ou nacional. Mas, sobretudo, ainda num período em que a nossa formação social e econômica estava no meio de um processo de transição para o capitalismo dependente.


 


Dessa forma, ao arrogar-se como herdeira de uma experiência histórica superada e, ao mesmo tempo, de negação total de cerca de cinqüenta anos até a formação da CUT, seus bravos lutadores foram hegemonizados, desde o princípio, por uma concepção legítima, mas pequeno-burguesa de movimento sindical. Isto levou rapidamente esta central para o reformismo, sobretudo na fase em que maior deveria ter sido a sua resistência. Durante a ascensão neoliberal. Priorizando a negociação coletiva à luta, elegendo dirigentes de cúpula que várias vezes desrespeitaram os anseios e decisões das bases, enquanto que outras vezes sequer as ouviram, culminando na prática com a eliminação do discurso histórico de autonomia frente a governos e patrões.


 


Nem mesmo a opção dos comunistas, a partir da incorporação da Corrente Sindical Classista (CSC), a partir de 1990., tornando esta, ao longo do tempo, a segunda força cutista, impediu que o reformismo fosse se manifestando como a estratégia sindical original da Central Única. 


 


Este quadro resultou no esgotamento da CUT e de seus métodos como uma central de trabalhadores que trocou a visão classista por uma opção de sindicalismo de parceria e de adesão acrítica ao governo Lula, parceira de uma concepção de reforma da previdência que opõe trabalhadores dos setores públicos e privados e constrói, conjuntamente com patrões, no Fórum Nacional do Trabalho, uma reforma sindical e trabalhista que vai de encontro aos direitos históricos dos trabalhadores. Enfim, uma central tomada pelo burocratismo sindical e afastada das lutas dos trabalhadores brasileiros.


 


Também não foi por acaso que, em novembro de 2006, em Viena, quando ocorreu o Congresso de fundação da Confederação Sindical Internacional (CSI), resultado da fusão de duas centrais mundiais pelegas, sob as quais a CUT historicamente transitou, a Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOSL) e a Confederação Mundial do Trabalho (CMT). a Central brasileira tenha aderido ao seu conselho através da participação de uma dirigente nacional. Seu argumento foi de que esta iniciativa era “um importante passo no sentido da unidade, que deve avançar na sua consolidação na América Latina”, conforme deliberações que orientaram anteriormente sua filiação à CIOSL.[2]


 


Esta trajetória reformista já havia sido detectada por outras correntes, além da CSC, especialmente àquelas que deram origem à Conlutas e a Intersindical. Expressam as tendências que, em sua maior parte, romperam com o PT e a CUT e têm ação no sindicalismo orientado partidária e politicamente pelo PSTU e pelo PSOL.


 



Entretanto, nestas correntes, a novidade tem sido mais a autonomia e a crítica ao governo Lula do que uma concepção classista de movimento sindical. Seu sectarismo esquerdista, é distintivamente composto por amplos setores corporativos de funcionários públicos descontentes com as ações para a categoria após 2003, sobretudo com a nefasta reforma da previdência. Porém, mantêm a defesa do pluralismo  sindical que formou a CUT, através da Convenção 87 da OIT, somada à proposição genérica da liberdade sindical, superestimando a capacidade de autonomia da classe trabalhadora nesta fase de refluxo do movimento sindical. Assim, ignorando a correlação de forças políticas neste período ainda de hegemonia neoliberal, fortalecem uma concepção que parte de modelos revolucionários dados a priori, como se o processo de consciência de classe fosse feito por mecânicas próprias e não de concretudes históricas da luta de classes.


 


Se a CUT desconstituiu a trajetória complexa do sindicalismo pré-1980, a Conlutas propõe a discutível tese de um movimento policlassista dos excluídos e explorados do capitalismo em sua fase neoliberal e imperialista. Unificados em torno “entidades sindicais, organizações populares, movimentos sociais etc., que tem como objetivo organizar a luta contra as reformas neoliberais do governo Lula (Sindical/Trabalhista, Universitária, Tributária e Judiciária) e também contra o modelo econômico que este governo aplica no país, seguindo as diretrizes do FMI”, [3] um “instrumento para unir e impulsionar as lutas de todos os setores explorados e oprimidos de nossa sociedade”.[4]


 


Com esta proposição genérica em sua concepção, princípios e programa, sem citar uma única vez a luta pelo socialismo, a Conlutas parece mais representar uma entidade de estratégia de combate conjuntural, deixando a concepção classista de sindicalismo em segundo plano, dispersando a classe operária em sua luta contra o capital, descentrando-a em seu objetivo político de unidade, portanto ficando à mercê das conseqüências e ideologias fragmentárias do ascenso neoliberal.


 


Nesta linha política prevalece como concepção de fundo uma leitura de que a atual fase do capitalismo provoca alterações profundas na organização da classe trabalhadora, absolutizando a tese da fragmentação da classe operária pela reestruturação produtiva. Esta, na prática, descaracteriza a tese marxista de que a unidade da classe se dá na luta política e não na condição dos trabalhadores na atividade sócio-econômica ou nas formas diferenciadas de organização em seus movimentos sócio-políticos, o fundamento da orientação economicista na luta sindical.


 


Decididamente, uma entidade que se coloca como uma “organização aberta a todos os segmentos da classe trabalhadora e seus aliados: sindicatos, oposições sindicais, movimentos populares, movimentos sociais, culturais e ambientalistas, organizações da juventude – aceitando, inclusive, a filiação individual na forma dos estatutos”, na prática, não compreende a diversidade e a autonomia das várias frentes que os movimentos sociais dispõem para organizar a luta.


 


O sindicalismo pode e deve atuar em conjunto com outras frentes como os estudantes, os movimentos negros e de mulheres, a luta dos sem-terra e sem-teto, etc. Uma central deve ter como objetivo “superar a dispersão das categorias isoladas e unificar a classe para interferir nos rumos do país”.[5] Mas sua especificidade e seus limites, mesmo numa concepção classista, o impedem e não devem substituir a luta política, organizada pela ação partidária, esta sim, a síntese e o instrumento material dos diversos movimentos para a transformação revolucionária da sociedade.


 


Dessa forma, uma central classista e democrática como a CTB tem que cumprir seu papel histórico de resistência à ofensiva neoliberal. Bem como às suas conseqüências traduzidas no desemprego estrutural, na retirada dos direitos históricos dos trabalhadores e na desmobilização ideológica da classe, combatendo todas as formas de neoliberalismo no seio do sindicalismo. Este será o desafio para o seu crescimento e fortalecimento.


 


A CTB deve reverenciar a memória daqueles que tombaram na luta sindical por um país de igualdade social, entre tantos, como: os vários mortos de 1906 da Greve geral na Estrada de Ferro Paulista; o operário Antonio Martínez, derrubado pela cavalaria da polícia no bairro do Brás, em São Paulo, na greve geral de 1917, bem como os 3 operários mortos na greve dos ferroviários de Santa Maria, neste mesmo ano; os 4 mortos na Greve na Mogiana, em 1920; o operário abatido pela polícia no comício eleitoral do BOC em 1927; os 2 mortos durante o 1º Congresso Contra a Guerra, a Reação e o Fascismo, dissolvido pela polícia no Rio em 1934; o operário Leonardo Candu, da ANL, assassinado pelos integralistas, em Petrópolis, no distante1935; o portuário Deoclécio Santana, em ato pró-Petrobrás em Santos, morto pela polícia, em 1949; a tecelã Angelina Gonçalves, morta a tiro em Rio Grande – RS, durante manifestação, após ela retomar a bandeira do Brasil que a polícia tirara dos trabalhadores, no 1º de maio de 1950; os 5 mortos da grande manifestação do Pacto de Unidade Intersindical, em São Paulo, contra o aumento do transporte. Em 1958; os 42 mortos na greve geral nacional, pelas reformas de base e contra qualquer tentativa de golpe, em 1962; os 32 mortos no Massacre de Ipatinga, quando metalúrgicos da Usiminas, em Ipatinga, MG, rebelam-se contra as revistas vexatórias, em 1963; o operário metalúrgico Manuel Fiel Filho, morto por tortura durante a ditadura militar, em 1976 e; a morte dos três operários dentro da Usina Presidente Vargas, durante a greve da CSN, após o confronto com as Forças Armadas, em 1988.


 


A CTB deve incorporar, negar e superar a trajetória do sindicalismo brasileiro desenvolvida até aqui. Se apresentar como herdeira crítica e respeitosa das outras organizações que o proletariado nacional organizou: a Confederação Operária Brasileira (COB), a primeira  central sindical do país, criada em 1906; a Confederação Geral do Trabalho (CGT) e o Bloco Operário e Camponês (BOC), organizados em 1927; a Confederação Sindical Unificada do Brasil (CSUB), construída em 1935 e desbaratada pela ação policial; o Movimento de Unificação dos Trabalhadores (MUT), fundado em 1945, após nove anos de repressão e resistência ao Estado Novo, defendendo liberdade sindical e direitos sociais e tendo a frente João Amazonas; a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), originada do MUT, sob a hegemonia comunista e que sucumbirá à ilegalidade imposta pelo governo Dutra; o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), fundado em 1953 e depois transformado em Pacto de Unidade e Ação (PUA), organizações fundamentais para a luta sindical e as grandes greves da década de 1950; o 4º Congresso Sindical Nacional  que funda o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1962 e que terá importante papel na articulação com as Ligas Camponesas e na construção das greves daquele período, até ser esmagada pelo golpe de 1964 e; a I Conclat, de 1981, a qual organizaria duas correntes distintas do movimento sindical que lideraram a luta com a Ditadura pós-1964, as quais fundaram a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), ambas de 1983 e nas quais os comunistas atuaram em fases distintas entre aquela década e os anos 1990-2000.


 


A CTB, por fim contém uma das principais tendências do movimento sindical brasileiro: a CSC, criada em 1988, no processo do rompimento com a CGT, entidade que passa então a defender o conceito de “sindicalismo de resultados” e que se desdobraria na Força Sindical, inventada em 1991, sob a influência do neoliberalismo de Era Collor. Naquela conjuntura de fortalecimento da CUT, em Congresso realizado em 1990, no Rio de Janeiro, com a participação de 2.105 delegados representado 584 sindicatos, a CSC decidiu ingressar na Central Única dos Trabalhadores. 


 


Foram dezessete anos de um ciclo sindical e classista que acompanhou a resistência ao neoliberalismo no interior da CUT, mas que encontrou o seu estertor na hegemonia cupulista, burocratizada e reformista da maior central de trabalhadores do país. Esta nova fase em que se coloca uma cunha no neoliberalismo em boa parte da América Latina exigiu uma nova organização sindical. Uma central sindical que corresponda a esta nova realidade para os trabalhadores, produto de uma intervenção e concepção política e de política sindical classista e democrática, intransigente com o peleguismo, o corporativismo, o combativismo, o reformismo e o neoliberalismo.



Notas



[1] Ver estas passagens no Manifesto por uma Central Classista e Democrática. In. Desenvolvimento com Valorização do trabalho. Textos e documentos da CTB. São Paulo: CTB, 2008.


[2] Cf. http://www.cut.org.br/downloads2/index.php?option=com_docman&task=down&bid=76. Acesso em 14/03/2008.


[3] Ver http://www.conlutas.org.br/exibedocs.asp?tipodoc=noticia&id=105. Acesso em 14/03/2008.


[4] Cf. http://www.conlutas.org.br/downloads/concepcao_programa.pdf. Acesso em 14/03/2008.


[5] Ver BORGES, Altamiro. CTB: a novidade no sindicalismo. In. https://dev.vermelho.org.br/base.asp?texto=30649. Acesso em 14/03/2008.

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