A felicidade numa caixa de bombons
''Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons''. (Carlos Drummond de Andrade)
Publicado 19/03/2008 19:10
Foi gratificante escrever o ''Imponderável & incomensurável''. Abordei, de modo sucinto, o mal de Alzheimer – demência decorrente de uma doença degenerativa do cérebro, de provável caráter multifatorial, prevalente na idade sexagenária. Disse que, embora a memória ainda seja uma grande incógnita para as neurociências, ''há indícios de que quem lê é menos propenso a desenvolver o mal de Alzheimer''.
Sobre Alzheimer, há dados para políticas públicas preventivas e de cuidados. Mas a regra é a nefasta, preconceituosa e criminosa cultura do velhismo, que urge ser superada diante das estimativas de que um em cada 85 habitantes do planeta sofrerá de Alzheimer até 2050. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), em ''Envelhecimento: mitos na berlinda'' (1999), no último século a esperança de vida aumentou e crescerá em todo o mundo. Em 1999, havia 580 milhões de pessoas sexagenárias. ''Em 2020, elas serão 1 bilhão – aumento de 75% em comparação com 50% da população.''
Em ''Velhismo, envelhecimento e envelhescência'' (Opinião, 26.02.08), citei dados do relatório do Fórum da Longevidade, ''A Longevidade é uma conquista'': o IBGE estima que em 2050 o Brasil abrigará 64 milhões de sexagenários (24,66% da população). ''Em 2005, apenas 9% da população tinha mais de 60 anos de idade (16,3 milhões)'' e que ''de 1910 a 2006, as pessoas passaram a viver mais 29 anos em média''. A estimativa do IBGE desnuda uma constatação que exige um novo olhar ético fundamental e inadiável: a sociedade e os governos precisam encarar a pergunta: o que vão oferecer às pessoas de idade avançada para um envelhecimento digno, diante da abominável cultura do velhismo?
Urge contrapor a cultura de que ''ser velho é ser gagá'', que a envelhescência é uma fase da vida que merece ser trilhada prazerosamente, como uma resposta ética de que o envelhecimento é uma situação coletiva nova a desafiar a humanidade em diferentes aspectos, que inclui as dimensões física, mental, social e espiritual. Urge admitir que não sabemos ainda lidar com o envelhecer saudável, quanto mais quando as doenças incapacitantes para a vida com autonomia e dignidade se instalam, pois é a primeira vez que a humanidade tem o privilégio de contar com tantas pessoas de idade avançada.
Segundo Ron Brookmeyer (Universidade Johns Hopkins, EUA): ''À medida que a população mundial envelhece, enfrentaremos uma ameaçadora epidemia de Alzheimer. Os sistemas de saúde enfrentarão o desafio de atender às necessidades dos pacientes e de seus responsáveis. Os custos em todo o mundo serão enormes''.
A envelhescência nos aproxima da morte e do morrer, logo é uma necessidade imperiosa preparar as pessoas para a inevitabilidade da morte e para o morrer com dignidade, para que elas e suas famílias não caiam no conto da vida eterna sob o concurso das novas tecnologias de reanimação e na crença de que cuidados intensivos de manutenção da vida devem ser usados acriticamente em casos em que o morrer é o único horizonte de dignidade. Em meu livro ''Bioética: Uma Face da Cidadania'' (Moderna, 2004), digo que ''morrer é parte natural da vida, que é finita. Somos programados para morrer e temos o direito de não morrer antes do tempo e a morrer com dignidade'' e que ''o desejo de viver eternamente está muito presente nas culturas ocidentais, porém a finitude da vida – o final da vida, a morte e o morrer – é um tema da maior importância para a bioética''.
O desafio da ciência é assegurar uma performance neuronal por muito ou por mais tempo, para que possamos usufruir do que nos disse o poeta Carlos Drummond de Andrade: ''há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons''. Manter a consciência do prazer de saborear bombons é o desafio da sociedade.