Venda do pré-sal é um desastre para o Brasil

Além do leilão a preço vil, a Petrobras deu informações estratégicas à concorrência, acusa o geólogo Luciano Seixas Chagas.

petrobras

No leilão do pré-sal realizado no dia 27 de outubro, a Petrobras e o Brasil perderam, mas multinacionais como a Statoil fizeram o negócio do século. O presidente da empresa, Pedro Parente, mostrou um desconhecimento espantoso sobre o setor petrolífero e ajudou concorrentes com informações estratégicas, acusa o renomado geólogo Luciano Seixas Chagas.

O resultado desastroso evidencia o enorme dano ao País resultante da retirada da obrigatoriedade de participação daquela estatal em todos os ativos do pré-sal, diz Chagas.

Funcionário da Petrobras por 31 anos e consultor há 14, atuou em cerca de 60 negócios no pré-sal e em áreas terrestres, domésticas e da Austrália e da Nicarágua, entre outros países. Empresas brasileiras e da Noruega, Japão, Estados Unidos e Reino Unido fazem parte da carteira de clientes de Chagas, que concedeu a entrevista a seguir.

CartaCapital: Como o senhor analisa as declarações do presidente da Petrobras, Pedro Parente, sobre o leilão do pré-sal?

Luciano Seixas Chagas: Nunca vi um presidente falar previamente, emitir opiniões e revelar estratégias sobre onde vai competir num leilão de exploração, antecipando, inclusive, de quais áreas participará e as estratégias que adotará no caso, por exemplo, quanto à quase obrigatoriedade, autoimposta, de participação permanente com parceiros.

Agora podemos enxergar com clareza os riscos a que fomos submetidos com a retirada da obrigatoriedade de participação da Petrobras em todos os ativos do pré-sal dentro do seu polígono de ocorrência, principalmente nas áreas unitizáveis. Estas não oferecem riscos de qualquer ordem, pois a descoberta já existe e a estrutura com petróleo prolonga-se para outra área geográfica adjacente, visto que as estruturas cheias de óleo não respeitam os limites geográficos.

A eliminação da obrigatoriedade de participação da Petrobras no pré-sal e a “inocência” do presidente da Petrobras e do seu séquito, em um leilão recheado de raposas do mundo dos negócios, tiveram graves consequências.

CC: Quais são elas?

LSC: A mais grave é a não participação da Petrobras no melhor ativo ofertado, o de Carcará Norte, unitizável, deixando-o para a concorrência, que avidamente fez ofertas. Tivesse a Petrobras a obrigatoriedade referida, ficaria com ao menos 30% do ativo leiloado.

Com sua ausência, depreciou os demais ativos não selecionados, ajudando a concorrência. Isso porque, se aquela que mais e melhor conhece o pré-sal, no caso a Petrobras, abdica de determinados ativos, a concorrência, com menor acervo de dados para as suas análises, tende a acompanhar as posições da empresa dominante e a buscar associações nas parcerias, pois sabe que assim diminuem, obviamente, os riscos do negócio.

O que foi feito é algo inusitado no mundo dos leilões de petróleo e ocorreu em todas as áreas ofertadas, tanto as unitizáveis quanto as de maiores riscos.

CC: Qual o resultado para o País?

LSC: O Brasil perdeu, pois, em algumas áreas de maior risco, apesar de ainda atraentes, não foram feitas ofertas. Em outras, onde a Petrobras já tinha previamente se posicionado, as empresas fizeram ofertas associadas à da Petrobras ou isoladas, quando tinham conhecimento prévio ou feito estudos detalhados.

Foi o caso da oferta de 50% em óleo excedente da Shell, segunda colocada isoladamente no ativo unitizável Carcará Norte, pois a empresa já teve, no passado, 20% do ativo Carcará, contíguo, a Sul, justo o que foi vendido à Barra Energia (10%) e Queiroz Galvão (10%).

A razão da oferta generosa e perdedora (segundo lugar) da Shell em Carcará Norte foi uma decorrência do conhecimento prévio que tinha e da sua análise do mau negócio que fizera ao vender a sua participação em Carcará.

Em resumo, perderam o Brasil e a Petrobras e, em minha opinião, o açodamento de Parente foi a principal razão da não oferta de Pau-Brasil, de maior risco, situada em área limítrofe do polígono do pré-sal, mas com grandes possibilidades de ter petróleo numa nova fronteira.

Fica difícil entender a atuação de uma companhia que prima em ajudar a concorrência e desvalorizar a si própria, como fazem os brilhantes “gestores” também em outras áreas da Petrobras, em nome de supostas boas práticas negociais e gerenciais. Algo inusitado.

Na Bahia, diz-se que, se algo surreal acontece no Brasil, isso ocorreu antes naquele estado. O Brasil de Temer, Pedro Parente e seu séquito, em que até mesmo noções mínimas de ética há muito foram para o espaço e perdeu-se completamente a noção de honradez, é surreal no mundo.

CC: Parente disse, em entrevista, que a Petrobras não participou do Campo de Carcará, o mais bem avaliado, porque teria de fazer investimentos em equipamentos especiais, haveria muita pressão no campo e um alto nível de gás carbônico.

LSC: Chama atenção a sua absoluta falta de conhecimento sobre o setor, evidente em tudo o que diz sobre petróleo e gás. Nunca li tantas asneiras ditas à mídia, e tudo para justificar o injustificável.

É inadmissível, por exemplo, que o presidente de uma companhia do porte da Petrobras não saiba que em Carcará não existem os contaminantes gases carbônico e sulfídrico, muito presentes no restante do pré-sal e que corroem todas as tubulações, exigindo equipamentos especiais, mais caros, para a produção.

Essa condição especial é rara, proporcionará uma economia extraordinária e, portanto, uma lucratividade excepcional ao projeto Carcará. Não é admissível, ainda, que considere como campo aquilo que é apenas uma acumulação, apesar de ter reservas já delimitadas pelos três poços já perfurados.

Nenhum deles foi, entretanto, perfurado na base da estrutura, conforme recomendam as boas técnicas e o planejamento. Isso significa que a acumulação ainda não está delimitada em todo o seu potencial e essa é mais uma restrição à venda do modo como foi feita.

CC: Qual é o potencial de Carcará?

LSC: Exatamente pela elevada pressão comprovada existente nos seus reservatórios e a garantia da continuidade da acumulação a níveis inimagináveis, a julgar pelo já constatado nos dados de pressão comunicados, esse projeto proporcionará a melhor antecipação de caixa, algo quase utópico e desejado por todos que conhecem o pré-sal.
E o que Parente diz? Justamente o contrário. Não é só isso. Se examinarmos as ofertas para a Petrobras vis-à-vis àquelas feitas às outras empresas que obtiveram áreas, unitizáveis ou não, veremos quão díspares foram os comportamentos de cada uma delas, no que se refere aos valores pagos.

CC: Houve alguma surpresa?

LSC: Surpresa foram os exorbitantes valores em óleo ofertados pela Petrobras para a União, bastante diferentes dos oferecidos pelo consórcio capitaneado pela Shell, de 11,53% em óleo excedente e existente na continuidade Sul do Campo de Gato do Mato, dela própria.

Exorbitam quando comparados aos 80% oferecidos pelo consórcio da Petrobras pelo entorno do Campo de Sapinhoá, ou aos 67,12% do consórcio formado pelas Statoil, a Exxon e a portuguesa Galp. Nesse último, entretanto, estamos falando do melhor ativo unitizável ofertado, vizinho da acumulação de Carcará, que teve os 66% de participação que a Petrobras detinha vendidos por ela à Statoil, por valor absurdamente irrisório.

Em termos volumétricos, é quase consenso entre quem avaliou a acumulação de Carcará – e tem coragem e a liberdade de dizer – que os volumes são da ordem de 2 bilhões de barris, com uma probabilidade de ocorrência maior que 80%, segundo as análises probabilísticas e as determinísticas também. Àqueles que consideram essa estimativa fantasiosa, informo que a Galp o confirmou na terça-feira 10.

CC: Como analisa a atuação da Statoil?

LSC: Provavelmente, foi o negócio do século para uma empresa estrangeira e uma das transações mais lesivas ao patrimônio da Petrobras e do Brasil, desde o início da exploração do petróleo. Considerando o volume mais provável, a Statoil pagou à Petrobras 2,5 bilhões de dólares por 66% de um volume total de 2 bilhões de barris.

Foi esse o preço pago por cerca de 1,32 bilhão de barris, portanto, que ao preço do barril hoje, em torno de 5 dólares – cotação estimativa internacional para o petróleo comprovado pela descoberta de alguns poços e com boas imagens sísmicas –, valem cerca de 6,6 bilhões de dólares. Esse valor é bem compatível com os preços internacionais para negociação de ativos com o porte do volume descoberto e avaliado.

Ato contínuo, a Statoil adquiriu mais 10% da Queiroz Galvão, pelo mesmo valor, de acordo com o porcentual, e tornou-se a mais provável ofertante para a continuidade da acumulação no ativo Carcará Norte, com volumes estimados – também com probabilidade de 80% – em torno de 2 bilhões de barris.

Como a área Norte ainda era bastante promissora, a Statoil sabiamente levou a Exxon, ávida por estrear no mercado brasileiro, a fazer um carrego (quando uma empresa, além de pagar um valor, custeia outras fases do projeto em nome das sócias detentoras prévias da concessão) em 36,5% no ativo Carcará, sendo 33% dos 66% da Petrobras e 3,5% dos 10% da Queiroz Galvão.

A Statoil recebeu 1,3 bilhão de dólares, ficou com 760 milhões de barris em Carcará e deixou a Exxon com o mesmo montante no ativo, a portuguesa Galp com 400 milhões de barris e a Barra Energia com 200 milhões de barris.

CC: Qual foi o resultado final para a Statoil e a Exxon?

LSC: A Statoil e a Exxon, ao preço de 5 dólares por barril, têm em mãos, em óleo recuperável a ser ainda extraído, cerca de 5,11 bilhões de dólares cada; a Galp, 2,66 bilhões de dólares e a Barra Energia, 1 bilhão de dólares com o óleo a ser extraído.

Por tudo isso, a Statoil pagará apenas 1,78 bilhão, incluídas neste valor as despesas já feitas em Carcará pelo antigo consórcio. A Petrobras deveria ter feito com o ativo Carcará carregos do mesmo tipo realizado pela Statoil com a Exxon e a Galp, em vez de vendê-lo por preço de banana podre. Aprendam, senhores “gestores eficientes” da Petrobras!

CC: A Petrobras comemora, entretanto, o negócio.

LSC: A Petrobras, por inação e ignorância dos seus dirigentes, teve uma atuação desastrosa e foi a grande perdedora, apesar de Parente e seu séquito se jactarem de terem feito um bom negócio. Apesar disso, a mídia elogia a gestão mentirosa da empresa e endeusa Pedro Parente. Vá entender!