Escalada de tensões fortalece aliança militar Sino-Russa

Os Estados Unidos escolheram o caminho do confronto aberto com China e Rússia para tentar frear a decadência de sua hegemonia. O resultado será o fortalecimento da atual parceria militar Sino-Russa.

Grupo de assalto blindado avança para lançar um ataque contra a posição avançada de falsos terroristas no exercício militar conjunto China-Rússia de 2021 / Foto: China Military

Que os EUA estão apostando suas fichas na escalada da tensão contra a Rússia e a China é evidente não é de hoje e vários fatos recentes corroboram este diagnóstico:

O apoio incondicional dos EUA e Europa ao regime neofascista da Ucrânia, visando prolongar o conflito e se possível derrubar Putin, reduzindo a Rússia a um Estado desprovido de sua soberania;

A repetida provocação contra a China em um tema ultrassensível para os chineses como Taiwan, incluindo o anúncio de um dos principais assessores de Biden, Kurt Campbell, de que “navios da Marinha dos EUA transitarão pelo estreito de Taiwan nas próximas semanas”;

A escalada inédita de sanções contra a Rússia, visando destruir sua economia, ameaça que já foi verbalizada abertamente pela presidenta da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, em fevereiro;

E a intensificação da guerra comercial contra a China que assume proporções gigantescas.

Sobre este último aspecto, importante registrar que no final de julho os EUA lançaram o “Chips Act”. Para os adeptos da religião neoliberal, cuja Meca é Washington, o “Chips Act” é constrangedor. O Estado americano, que por este credo deveria ser mínimo (e nunca foi), irá destinar nada menos do que 280 bilhões de dólares para estimular a produção de semicondutores. São U$D 52,7 bilhões de incentivos para fábricas nos EUA, mais U$D 24,3 bilhões em isenções fiscais, mais U$D 203 bilhões em apoios à investigação e desenvolvimento. A China é o alvo explícito. A lei proíbe que os beneficiados tenham “qualquer transação significativa envolvendo a expansão material da capacidade de fabricação de semicondutores da República Popular da China ou de qualquer outro país estrangeiro preocupante”. Os “países preocupantes”, no caso, são a RPD da Coreia, a Rússia e o Irã. A coisa chega ao nível de impedir que Instituições de Educação Superior tenham acesso ao apoio para investigação se mantiverem quaisquer convênios com o Instituto Confúcio, entidade que promove, através de parcerias, o ensino da língua e da cultura chinesas.

China e Rússia reagem

A China e a Rússia reagem de distintas maneiras mas de forma coordenada. No dia 12 de agosto, 5 empresas estatais chinesas, que juntas valem US$ 318 bi, anunciaram sua retirada da bolsa de Nova York. Enquanto isso, o Jornal Valor Econômico noticiou, nesta quarta-feira (17), que “China e Rússia intensificam tentativa de desafiar domínio do dólar” com a criação de uma alternativa ao sistema global de pagamentos e de uma moeda que substitua o dólar nas transações internacionais, plano que já existe há anos, de imensa complexidade e dificuldade, mas que está sendo levado adiante com nova velocidade. Segundo o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, em fala no Fórum Empresarial dos Brics, realizado no dia 20 de junho, o objetivo é “a criação de uma moeda de reserva internacional baseada em uma cesta com as divisas do grupo”.

No plano militar, enquanto a Rússia prossegue em sua operação especial na Ucrânia e inicia nova ofensiva para libertar totalmente a região do Donbass, começa, na Rússia, no dia 30 de agosto e vai até 05 de setembro, os exercícios militares Vostok-2022, envolvendo as forças armadas da Rússia, da China, da Índia, da Bielorrússia, da Mongólia, do Tajiquistão, entre outros países.

Segundo comunicado emitido nesta quarta-feira (17) pelo Ministério de Defesa da China, a participação chinesa nos exercícios “não tem nada a ver com a atual situação internacional e regional”.

De fato, o Vostok-2022 não acontece por motivos conjunturais, mas estratégicos. Exercícios deste tipo costumam ser planejados com bastante antecedência e não é a primeira vez que China e Rússia fazem exercícios militares conjuntos. O que muda, no caso, são os objetivos dos exercícios.

O Global Times, porta-voz oficioso chinês para matérias de geopolítica, em artigo sobre os exercícios conjuntos publicado nesta quinta-feira (18), diz que “laços mais estreitos China-Rússia são cruciais para defender a estabilidade global e combater a hegemonia dos EUA”. A matéria destaca que “segundo o Ministério da Defesa da China e especialistas um dos focos do treinamento combinado deste ano é lidar com ameaças potenciais vindas da direção do Oceano Pacífico (grifo do meu)”. Prossegue a matéria:

Em comparação com os quatro exercícios anteriores, que se concentraram mais na luta contra o separatismo, terrorismo e extremismo, o Vostok-2022 combinará exercícios em campos tradicionais e não tradicionais e também realizará exercícios de alvo tendo em vista possíveis ameaças, especialmente vindas dos EUA na direção do Oceano Pacífico”.

Parceria para uma nova era e a aliança militar

Uma formação conjunta de navios Sino-Russos navega no Mar da China Oriental em 23 de outubro de 2021 / Foto: Li Tang

No importante documento conjunto Sino-Russo, lançado em 4 de fevereiro, é anunciada uma “parceria estratégica abrangente para uma nova era nas relações internacionais”. Segundo o Global Times, em decorrência disso “é uma escolha racional para a China e a Rússia se unirem e se ajudarem, pois enfrentam os esforços dos EUA para contê-los, sendo uma tendência geral fortalecer a cooperação militar entre os dois países”.

Da parte da Rússia, realizar o Vostok-2022 no Leste do país enquanto tropas lutam no Oeste e no Sul contra o regime ucraniano, é uma demonstração para os inimigos externos de sua capacidade de defender a segurança nacional em várias direções.

Em acréscimo a estes fatores existe uma complementaridade de interesses militares entre China e Rússia. Enquanto a China investe e trabalha arduamente para se tornar uma potência militar marítima de primeiro nível, a Rússia é uma potência terrestre continental e uma das duas únicas superpotências nucleares.

Em março, Brian Waidelic, escrevendo no site The Diplomat, dizia que um cenário possível para o fortalecimento da aliança militar Sino-Russa dependeria menos do desenrolar da operação especial na Ucrânia e mais “da percepção da China sobre as ameaças no Indo-Pacífico, com os Estados Unidos e seus aliados cada vez mais unidos em sua retórica e ações destinadas a pressionar a China sobre seus interesses declarados em áreas como Taiwan, Ilhas Senkaku/Diaoyu e ilhas disputadas no Mar da China Meridional”, o que é justamente o que está em curso.

Os atlantistas (defensores da Otan) cada vez mais se dão conta do fortalecimento da aliança militar entre China e Rússia e o que isso representa de perigo para a hegemonia imperialista. No livro, “Relações Rússia-China” Rainer Meyer descreve que participou, em Berlim, em 2020, de um workshop internacional de especialistas em think tanks, onde “houve amplo consenso de que o que enfrentamos é uma aliança emergente entre a Rússia e a China”. Prossegue Rainer: “Rússia e China estão unidas em seu objetivo estratégico de transformar a atual ordem internacional, que percebem dominada pelo Ocidente e liderada pelos EUA” (comentário meu: de onde será que China e Rússia tiram isso?). Continua o autor dizendo que China e Rússia “estão claramente se apoiando enquanto se unem contra o Ocidente e estão cada vez mais coordenando seu trabalho, inclusive por meio de exercícios militares”.

Porém, tanto China quanto Rússia, a meu ver, não trabalham com a hipótese de um Pacto Militar formal de defesa mútua, quando um país fica obrigado por tratado a defender o outro em caso de agressão. Isso, principalmente na visão chinesa, seria de certa forma um retorno com outras características a uma nova guerra fria (Otan x Pacto de Varsóvia), o que cristalizaria divisões geopolíticas que, tanto do ponto de vista político quanto econômico, não interessam a China.

No entanto, arrisco a dizer que, em longo prazo, caso o imperialismo persista (e nada indica o contrário) em sua enlouquecida busca por conflagração e guerra para derrotar os que desafiam a hegemonia estadunidense, este é um cenário mais do que possível.

Alguém pode argumentar que isso seria uma má notícia para os povos pois representaria maior perigo de um conflito nuclear. De fato. O que não elude que também é uma grande tragédia para a humanidade a perpetuação de um domínio hegemônico imperialista que só tem a oferecer um futuro de exploração, devastação ambiental e morte para a maior parte do planeta.

Mas isso não é um beco sem saída. Fidel Castro, em seu último artigo, dizia que a defesa da paz mundial é a luta mais importante dos nossos tempos.

De fato, transformar a luta pela paz em uma bandeira de massa, denunciando os fautores da guerra – o imperialismo estadunidense e seus aliados – é uma necessidade inadiável.

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