Tunisianos protestam contra Constituição que concentra poderes presidenciais
O presidente Kais Saied dissolveu o legislativo e o judiciário e define superpoderes. Oposição diz que ele se aproveita da insatisfação com a crise econômica para dar um golpe autoritário.
Publicado 24/07/2022 10:42 | Editado 24/07/2022 10:43
Centenas de pessoas se reuniram em Túnis para protestar contra um projeto de constituição proposto pelo presidente Kais Saied, dois dias antes de um referendo planejado sobre a carta. Embora a oposição alerte para os riscos autoritários do novo texto, há pouco entusiasmo na população com a campanha, o que pode favorecer a votação do “sim”, nesta segunda (25).
A aliança da Frente de Salvação Nacional de grupos de oposição liderou uma marcha pela capital da Tunísia no sábado para rejeitar o programa de mudança constitucional do presidente e denunciou o que eles chamam de processo antidemocrático e ilegal. A manifestação pacífica de sábado seguiu-se a um protesto na noite anterior, onde a polícia prendeu vários manifestantes e espancou violentamente ativistas, conforme testemunho da reportagem da Al Jazira.
O sindicato tunisiano UGTT condenou a violência policial e exigiu a libertação dos detidos e uma investigação completa dizendo: “Nós responsabilizamos o presidente por esse desvio autoritário”.
Desencanto e exaustão
A tensão aumentou no país antes da votação, em meio a temores de que o projeto de Constituição serviria como base de um novo sistema de governo hiperpresidencialista. Muitos dos manifestantes eram da geração mais velha, que viveu sob o ex-presidente Zine Abbedine Ben Ali e participou das manifestações da Primavera Árabe de 2011 que o forçou a deixar o cargo.
Não há campanhas oficiais sobre a nova Constituição, e o debate se reduz a memes de redes sociais contra e a favor de Saied. Há uma exaustão dos tunisianos com o clima tóxico de ódio no Facebook.
O envolvimento do eleitorado é maior quando a votação envolve pessoas e não conceitos abstratos. Com isso, há pouco envolvimento popular, enquanto os apoiadores do presidente estão mobilizados para defender o novo texto constitucional.
A oposição se dividiu entre boicotar o referendo para deslegitimar o processo, enquanto outros defendem o “não”. Alguns consideram que deixar de votar seria uma atitude mais clara do que votar não e ver um resultado eventualmente fraudado por Saied.
Com isso, o presidente fica em vantagem com a descoordenação da oposição. Parte da esquerda participa do Ennahdha, o partido religioso que é rejeitado por setores feministas. Outros opositores de direita não conseguem atrair setores progressistas a suas manifestações. Assim, cada grupo faz manifestações separadas para não ocupar o mesmo palanque.
Com a crise econômica e a instabilidade política, há dificuldades de reconhecer e lembrar a importância da criação da constituição de 2014. Aquela constituição, que Saied busca substituir, garantiu liberdades e dividiu o poder entre o presidente e o primeiro-ministro.
Arroubos autoritários
O referendo está sendo realizado um ano depois que Saied suspendeu o parlamento e demitiu o governo no que seus oponentes chamam de tomada de poder. O presidente disse que estava respondendo à vontade popular e salvando o país do perigo iminente.
De acordo com o grupo tunisiano de análise de dados Insights TN, a porcentagem de pessoas pesquisadas que viram a decisão de Saied de suspender o parlamento em 25 de julho como uma “correção” positiva do curso político da Tunísia caiu de 60% em agosto passado para apenas 35% em fevereiro.
Os apoiadores apoiam o perfil populista de Saied, pelo que representa contra o sistema e as elites políticas que ocupam o poder. É comum dizer que ele não tenta agradar a ninguém e fechou a porta para os aproveitadores.
Após os arroubos autoritários, ele começou a governar por decreto e desmantelou algumas das instituições do Estado democrático do país, incluindo o Conselho Supremo da Magistratura, demitindo 57 juízes. A nova constituição permite que Saied nomeie e destitua juízes.
A carta limitaria os poderes do parlamento e do judiciário e consagraria os poderes que ele acumulou no ano passado. Um dos artigos que agrada aos apoiadores do presidente impede a formação de partidos religiosos, como o Ennahdha, que cresceu após a queda de Zedine.
Um membro do comitê executivo da Frente de Salvação Nacional chamou o referendo de segunda-feira de “outro elo em uma série de eventos ilegais”.
Havia também alguns jovens entre a multidão no comício de sábado. Eles disseram que Kais Saied está roubando sua chance de desenvolver sua democracia.
Com informações da Al Jazira