Pandemia deixará conta de luz mais cara em 2021

Governo cria pacote de ajuda financeira ao setor elétrico que será pago pelo consumidor em 2021, junto com tarifas já altas, que beneficiam o setor privatizado.

Setor elétrico privatizado recebe socorro do governo toda vez que corre risco. Foto: AG PR

A pandemia do novo coronavírus fez aumentar a inadimplência do consumidor de energia elétrica. Por outro lado, houve queda no consumo industrial e comercial, que terá prazo maior para pagar pela energia consumida, em vez da contratada. O resultado é que o prejuízo do setor elétrico caiu no colo do governo e do próprio usuário. 

O Decreto nº 10.350, de 18 de maio de 2020, do governo federal, estabelece regras de empréstimos para as distribuidoras de energia elétrica que podem chegar a R$ 14 bilhões. O Ministério das Minas e Energia calcula que a inadimplência no setor saltou de 3% para 12%, um rombo que deve atingir até R$ 4 bilhões. 

Como se não bastasse, essa fatura vai ser paga pelo consumidor a partir de 2021. O especialista em energia Fernando Lima Caneppele, professor de Engenharia de Biossistemas e Engenharia de Alimentos na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP em Pirassununga, critica em entrevista ao Jornal da USP a decisão de socorro ao setor elétrico.

“Como consumidor eu não concordo e como professor da área de energia eu vejo com certas restrições. As empresas, embora privadas, recebem muitas benesses com o dinheiro do contribuinte. É fazer cortesia com o chapéu alheio”, afirma. Resumindo, essas empresas não correm risco algum, pois sempre são socorridas em qualquer instabilidade, assim como os bancos.

Já o professor João Luiz Passador, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, lembra que o decreto de socorro financeiro ao setor elétrico está previsto nos contratos de concessão ao transferir o prejuízo para os consumidores. 

“Esses contratos, principalmente os mais antigos, de 20, 30 anos atrás, permitem que o governo conceda ajuda financeira em caso de prejuízos ao setor. É preciso mudar isso. As empresas retêm os lucros e socializam os prejuízos. Não pode ser assim”, analisou para o Jornal da USP.

Segundo ele, as agências reguladoras não prevêem que o lucro das empresas seja destinado, ao menos em parte, para expansão, manutenção ou sofisticação desses ativos para prestação de serviços à população. Em vez disso, diante do prejuízo de uma pandemia como esta, os contratos preveem desvio de recursos públicos para essas empresas, que serão amortizados nas tarifas suplementares à população.

Essa injustiça, segundo ele, pode ter a discricionaridade questionada pelo Legislativo sobre o Poder Executivo, por meio de mecanismos previstos na lei.

A prática vem de décadas de contratos com as empresas privatizadas. Em janeiro de 2013, por exemplo, a presidenta Dilma Rousseff anunciou uma redução de 18% na tarifa de energia elétrica para as residências, e de 32% para indústrias, agricultura, comércio e serviços, por meio de decreto que antecipava concessões e previa indenização às empresas.

O contrato, diferente dos atuais, durou apenas um ano, mas gerou um rombo de R$ 62 bi. “Inclusive, estamos pagando essa conta desde 2017 e isso vai se estender por mais oito anos”, disse o professor Canepelle. Mas ele considera que, diante do histórico, não havia outra alternativa esperada pelo mercado, senão essa.

Canepelle também diz que as pressões, “e até chantagens” do mercado, são enormes. Para ele, seria preciso manter decisões técnicas em vez de políticas para reduzir esse tipo de situação prejudicial à população e favorável a um setor privatizado há décadas.

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