Estrategistas estimulam Trump a abrir guerra psicológica contra China
Uma tática não muito diferente foi usada durante a 1ª Guerra Fria contra a União Soviética
Publicado 25/05/2020 19:34 | Editado 25/05/2020 19:39
Enquanto as forças armadas norte-americanas voltam sua atenção do Oriente Médio para o conflito com a Rússia e a China, os planejadores de guerra dos EUA estão aconselhando que o país expanda bastante suas próprias “operações psicológicas” online contra Pequim. Um novo relatório do Financial Times detalha como os altos escalões de Washington estão planejando uma Guerra Fria com a China, descrevendo-a menos como a 3ª Guerra Mundial e mais como um conflito em que os países “se chutam debaixo da mesa”.
Na semana passada, o general Richard Clarke, chefe do Comando de Operações Especiais, disse que as “missões de captura e morte” que os militares realizaram no Afeganistão eram inapropriadas para esse novo conflito – e as operações especiais devem avançar para campanhas de influência cibernética.
O analista militar David Maxwell, um ex-soldado de Operações Especiais, defendeu uma guerra cultural generalizada, que incluiria o Pentágono comissionando o que ele chamou de romances de “Tom Clancy taiwanês”, com o objetivo de demonizar a China e desmoralizar seus cidadãos, argumentando que Washington deveria “transformar em arma” a política de filho único da China, bombardeando o povo chinês com histórias de mortes em tempo de guerra de seus filhos únicos e, portanto, sua linhagem.
Uma tática não muito diferente foi usada durante a 1ª Guerra Fria contra a União Soviética. A CIA, na época, patrocinou uma enorme rede de artistas, escritores e pensadores para promover críticas liberais e socialdemocratas da URSS, sem o conhecimento do público e, às vezes, até dos próprios artistas.
Fabricando consenso
No espaço de apenas alguns meses, o governo Trump deixou de elogiar a resposta da China à pandemia do Covid-19 para culpá-la pelo surto, sugerindo até que paguem reparações por sua suposta negligência. Apenas três anos atrás, os norte-americanos tinham uma visão neutra da China (e nove anos atrás era fortemente favorável).
Hoje, pesquisas similares mostram que 66% dos norte-americanos não gostam da China, com apenas 26% mantendo uma opinião positiva do país. Quatro em cada cinco pessoas apoiam uma guerra econômica em grande escala com Pequim, algo que o presidente ameaçou decretar na semana passada.
A imprensa corporativa também está fazendo sua parte também, constantemente enquadrando a China como uma ameaça autoritária aos Estados Unidos, em vez de uma força neutra ou mesmo um aliado em potencial, levando a uma onda de ataques racistas e antichineses dentro dos EUA.
Reequipando para uma guerra intercontinental
Embora os analistas avisem há muito tempo que os Estados Unidos “levam a pior” em simulações de guerra quente com a China ou mesmo com a Rússia, não está claro se se trata de uma avaliação sóbria ou de uma tentativa egoísta de aumentar os gastos militares. Em 2002, os EUA realizaram um teste de guerra de invasão do Iraque, onde foram derrotados catastroficamente pelo tenente-general Paul Van Riper, comandando as forças iraquianas, levando todo o experimento a ser anulado no meio do caminho. No entanto, a invasão subsequente foi realizada sem perda maciça de vidas americanas.
O pedido de orçamento do Pentágono para 2021, publicado recentemente, deixa claro que os Estados Unidos estão reorganizando uma possível guerra intercontinental com a China e /ou a Rússia. Ele pede US$ 705 bilhões para “mudar o foco das guerras no Iraque e Afeganistão e uma ênfase maior nos tipos de armas que poderiam ser usadas para enfrentar gigantes nucleares como Rússia e China”.
O texto observa que isso exige “sistemas de armas mais avançadas e de ponta, que proporcionam maior capacidade de impasse, letalidade aprimorada e direcionamento autônomo para o emprego contra ameaças de pares próximos em um ambiente mais contestado”. Os militares receberam recentemente o primeiro lote de ogivas nucleares de baixo rendimento, que, de acordo com especialistas, confundem a linha entre conflitos convencionais e nucleares, tornando muito mais provável um exemplo completo desse último.
Uma questão bipartidária
Não houve resposta significativa dos democratas. De fato, a equipe de Joe Biden sugeriu que toda a política industrial dos Estados Unidos girasse em torno de “competir com a China” e que sua “principal prioridade” fosse lidar com a suposta ameaça que Pequim representa.
O ex-vice-presidente também atacou Trump pela direita na questão China, tentando apresentá-lo como uma ferramenta de Pequim, lembrando como Clinton o retratou em 2016 como um ativo do Kremlin. (O candidato do Partido Verde, Howie Hawkins, prometeu reduzir o orçamento militar em 75% e fazer um desarmamento unilateral)
Ainda assim, as vozes que suscitam preocupação com uma nova corrida armamentista são poucas e distantes. O ativista veterano da deproliferação Andrew Feinstein é uma exceção, dizendo: “Nossos governos gastam mais de US$ 1,75 trilhão todos os anos em guerras, armas, conflitos… Se pudéssemos empregar esse tipo de recurso para enfrentar a crise de coronavírus que estamos vivendo hoje, imagine o que mais poderíamos estar fazendo. Imagine como poderíamos estar combatendo a crise climática, enfrentando a pobreza global, a desigualdade. Nossa prioridade nunca deve ser guerra; nossas prioridades precisam ser saúde pública, meio ambiente e bem-estar humano.”
No entanto, se o governo vai lançar uma nova guerra psicológica contra a China, é improvável que vozes antiguerra como a de Feinstein venham a aparecer muito na grande imprensa.
Por Alan Macleod (Mintpress) | Tradução: Pedro Marin (Revista Opera)