Suécia não tem quarentena, mas economia sofre tanto ou mais
A Suécia prova que a crise econômica não é culpa do isolamento social, mas da pandemia. Lá não se impôs bloqueio total à vida pública ou às empresas, apesar do avanço da doença. Dados do banco central do país e dos principais think tanks suecos mostram que a economia é tão afetada ou mais que os vizinhos europeus.
Publicado 21/05/2020 21:56 | Editado 21/05/2020 23:46
A Suécia tornou-se um paradigma global por não impor lockdown, como visto na maior parte da Europa, para conter a pandemia de covid-19. Logo, outros países pararam de olhar pro norte da Europa, pois o resultado do “isolamento vertical” não foi nada animador. A ideia era manter grupos de risco em quarentena, enquanto a população jovem e mais saudável continuava suas atividades econômicas, mantendo algum distanciamento social.
Segundo o economista Guilherme Mello, em entrevista ao Vermelho, a Suécia é um dos melhores exemplos de como o isolamento social não é o vilão da economia, embora o presidente Bolsonaro tenha citado o país nórdico. “A Suécia mostrou que não adianta você fingir que está tudo bem, quando as pessoas estão morrendo e estão com medo”, disse ele, referindo-se a lojas e restaurantes que abrem, mas as pessoas não entram. Ou ainda à insegurança da população em comprar bens de consumo de maior valor, como automóveis, por exemplo, sem saber qual o futuro dos empregos e da renda.
Ele lembrou também o exemplo dos EUA, em que a queda de 90% no faturamento durante a quarentena, significou um aumento de 10% a 20% com a reabertura. “A reabertura não resolve a vida de ninguém, nem salva o CNPJ, mas aumenta o número de mortes de CPFs. Todas as empresas estão cautelosas, e, quanto mais precoce a reabertura, ou fraco o isolamento, mais demora para a economia se recuperar”, diz o economista, referindo-se a estudos já realizados, alertando para o caso brasileiro.
Mello disse que o fracasso da estratégia sanitária sueca, com o maior índice de mortes por 100 mil habitantes, comparado aos vizinhos que fizeram isolamento horizontal, não foi contrabalançado pelo sucesso econômico. “Do ponto de vista econômico também foi um fracasso”, afirmou.
Cenários invernais
Dados divulgados pelo banco central do país e por um dos principais think tanks suecos mostram que a economia será tão afetada quanto seus vizinhos europeus, se não pior. Ou seja, mesmo com as pessoas podendo ir a lojas e restaurantes, a queda no PIB foi inevitável diante do contágio crescente e mortes a olhos nus.
O banco central da Suécia, o Riksbank, forneceu dois cenários possíveis para as perspectivas econômicas em 2020, que disseram “dependem de quanto tempo a propagação da infecção continua e de quanto tempo as restrições implementadas para desacelerá-la estão em vigor”. Ambos os possíveis resultados econômicos são sombrios.
No primeiro cenário (cenário A no gráfico abaixo), o produto interno bruto (PIB) contrai 6,9% em 2020, antes de se recuperar para crescer 4,6% em 2021. Em uma previsão mais negativa (cenário B), o PIB poderia contrair 9,7% e uma recuperação poderia ser mais lenta, com a economia crescendo 1,7% em 2021.
No primeiro cenário, o Riksbank previa que o desemprego poderia atingir 8,8% em 2020, ante 7,2% atualmente, e na pior das hipóteses poderia atingir 10,1%.
“Nos dois cenários, a produção diminui acentuadamente no início e mais do que durante a crise financeira. A queda acentuada dos preços do petróleo e da eletricidade contribuirá para a inflação baixa este ano”, afirmou o Riksbank. Ele prevê que a taxa de inflação fique em 0,6% em 2020, nos dois cenários.
As projeções de crescimento são preocupantes para um país que procurou mitigar o impacto econômico do coronavírus ao não encerrar sua economia como o resto da Europa. Os bloqueios na Alemanha, Espanha, Itália, França e Reino Unido, com o objetivo de salvar inúmeras vidas, atingiram severamente suas economias.
O Fundo Monetário Internacional previu no início de abril que a Alemanha e o Reino Unido verão suas economias contraírem 6,5% e 7% este ano, respectivamente. Espera-se que a França tenha uma contração de 7,2%, a Espanha uma contração de 8% e a Itália veja sua economia encolher 9,1%.
Os vizinhos da Suécia, Finlândia e Dinamarca, que também impuseram bloqueios, também deverão ver suas economias contraírem 6% e 6,5%, respectivamente.
Isolamento vertical-horizontal
O governo sueco aconselhou os cidadãos a ficar e trabalhar em casa, se possível. Bares e restaurantes permanecem abertos, mas medidas de distanciamento social foram implementadas, enquanto escolas para menores de 16 anos permanecem abertas.
Reuniões de mais de 50 pessoas são proibidas, mas os suecos continuam a comer em restaurantes, fazer compras, ir ao trabalho, cortar o cabelo e enviar crianças com menos de 16 anos para a escola. Poucos suecos usam máscaras.
A desvantagem da estratégia é que o vírus reivindicou uma porcentagem muito maior de vidas na Suécia do que em seus vizinhos que foram bloqueados (veja o gráfico comparativo).Muitas das mortes da Suécia ocorreram em casas de repouso, que o governo admite ter sido mal cuidado. O primeiro-ministro Stefan Lofven agora diz que seu governo planeja gastar cerca de US$ 220 milhões para proteger os idosos.
Números atualizados pelo Worldometer comparando países nórdicos:
Países | Casos | Novos | Mortes | Casos/1M | Mortes/1M | Testes/1M | População |
Suécia | 32,172 | +649 | 3,871 | 3,188 | 384 | 20,798 | 10,092,199 |
Dinamarca | 11,182 | +65 | 561 | 1,931 | 97 | 87,093 | 5,789,943 |
Noruega | 8,301 | +20 | 235 | 1,533 | 43 | 41,179 | 5,416,449 |
O infectologista Anders Tegnell, defensor da estratégia sanitária no governo, argumentou que os países que fizeram um isolamento mais rigoroso para suprimir uma primeira onda da epidemia, sofreriam mais com uma segunda onda, enquanto a Suécia terá imunizado a maioria de sua população. Ele estima que cerca de 25% dos suecos foram expostos. O problema é que esse momento ainda não chegou na Europa, o que torna difícil comprovar o argumento, embora cientistas já descartem essa possibilidade colocada pelo sueco.
A estratégia se mostrou muito controversa, mas seu principal epidemiologista defendeu a abordagem, dizendo que a capital Estocolmo poderia estar caminhando para a “imunidade do rebanho” em semanas.
Ainda assim, as cadeias de suprimentos e os negócios da Suécia foram prejudicados pela pandemia e o Riksbank alertou que “muitas empresas serão duramente atingidas e muitas perderão seus empregos”, embora tenha decidido manter sua taxa básica de juros em zero nesta semana.
O governo também decidiu não adotar novas medidas para apoiar a economia (já introduziu um pacote de empréstimos para empresas suecas e aumentou seu programa de compra de títulos), mas disse que estava pronto para fazer mais, se necessário.
“Neste momento, não se justificou tentar aumentar a demanda, diminuindo a taxa de recompra quando a desaceleração da economia se deve a restrições impostas e às preocupações das pessoas com a propagação da infecção”, afirmou o Riksbank em comunicado nesta terça-feira.
“No entanto, isso não descarta a possibilidade de a taxa de juros ser cortada posteriormente, se for considerada uma medida eficaz para estimular a demanda e apoiar o desenvolvimento da inflação na fase de recuperação”.
Os dados sombrios do banco central da Suécia foram reforçados por um respeitado think tank nesta semana. O Instituto Nacional de Pesquisa Econômica (NIER) disse em comunicado quarta-feira que acredita que a economia da Suécia deve encolher 7% este ano e o desemprego subir para 10,2%.
“Os desenvolvimentos em abril indicam que a pandemia do Covid-19 atingirá a economia sueca com muito mais força do que o previsto”, disse o NIER, acrescentando que “a economia global está se desenvolvendo pior do que o esperado, atingindo as empresas de exportação suecas, que também são prejudicadas por problemas com a cadeias de suprimentos internacionais.”