Aos senhores senadores: notas sobre a MP 905

Sob a falsa ideia de melhorar as relações de trabalho, ampliar emprego e competitividade, a medida cria 2 segmentos de trabalhadores formais com direitos distintos e deprime os rendimentos do trabalho sem solucionar a informalidade. No contexto da pandemia, seus efeitos serão ainda mais graves.

Situação para trabalhadores se deteriorou - Imagem: Alex Capuano/CUT

A Medida Provisória 905, pautada para sessão virtual do Senado da República no dia 17 de abril de 2020, adota a mesma lógica que fundamentou a “reforma” trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, cujos efeitos deletérios os dados da PNAD–C e a realidade das ruas das grandes cidades evidenciam. Ao recorrer ao aprofundamento de uma “reforma” cuja ineficácia é amplamente conhecida, ao invés de aprimorá-la no sentido da proteção social ao trabalho e da renda, reduz direitos e mais fragmenta o mercado de trabalho, atingindo as instituições do mundo do trabalho e deprimindo os ganhos dos trabalhadores. Essas instituições, essenciais para colocar limites à ação por vezes predatória do mercado, têm suas funções profundamente atingidas pela MP, a saber: Justiça do Trabalho, sistemas de fiscalização e sindicatos.

Sob a falsa ideia de melhorar as relações de trabalho, ampliar o emprego e a competitividade, essa MP cria dois segmentos de trabalhadores formais, com direitos distintos, deprime os rendimentos do trabalho sem solucionar o grave problema da informalidade, tornando-se mais drástica no contexto de crise da pandemia do Covid-19. O caminho adequado seria o da adoção de medidas de proteção ao trabalho e de garantia da renda, à luz do que está sendo corretamente implementado em países centrais e periféricos.

Como se sabe, em 2019, o consumo das famílias respondeu a cerca de 65% do PIB, expandindo-se em velocidade maior aos demais itens da demanda. Quando os rendimentos são deprimidos, atinge-se o consumo das famílias e têm-se efeito em cadeia de depressão econômica. Em decorrência, as crises aumentam, sem que trabalho, renda, fluxos de renda e a saúde dos cidadãos e da economia sejam garantidos. Aliás, dever do Estado. Daí que reduzir ganhos é se postar contra o funcionamento da própria economia que os apoiadores da MP dizem defender. Trata-se de fundamento econômico que se tem relevado errôneo nos últimos três anos, acirrando desigualdades e produzindo pífio crescimento econômico, como atestam os indicadores.

Hoje é quase unânime entre os economistas ser imprescindível a intervenção do Estado para salvar a economia, apontando para o colapso que se avizinha acaso não adotadas as medidas corretas. E dizem: o Estado deve gastar. Emitir moeda. Porém, precisa ser acompanhada por rigorosa proteção das reservas e controle de capital, pois não se pode prestar para financiar a saída de capitais. Por outro lado, o poder púbico deve promover alterações legislativas que apontem para a manutenção da massa salarial, fornecendo bases sólidas para a recuperação econômica, o que a MP 905 não faz.

Ainda, essa MP está sendo discutida em um momento em que deveríamos colocar nossos esforços na defesa da vida dos brasileiros e de sua combalida economia. Portanto, além de inoportuna, será ineficaz para atender as necessidades sociais e econômicas do país.

Ao alterar radicalmente o sistema público de proteção ao trabalho, como é o caso da proposta ao artigo 8º, parágrafo 4º da CLT, aposta nos contratos individuais como locais prevalentes da produção das regras trabalhistas, sobrepondo-se aos acordos coletivos e à jurisprudência trabalhista. E, ao fazê-lo, evidencia seu potencial altamente precarizador, aprofundando as assimetrias que estruturam o mercado de trabalho brasileiro. Ademais, traz novidades que extrapolam os próprios contornos da MP, como é o caso do artigo 855-F que, confiamos, será retirado de seu texto.

“Art. 855-F. Para prevenir ou encerrar o dissídio individual, o empregado e o empregador poderão celebrar transação extrajudicial por meio de escritura pública, que será considerada substância do ato, na presença dos advogados individuais de cada parte, dispensada homologação judicial.”

Senhores senadores comprometidos com a defesa da saúde dos cidadãos e da Economia do País, confiamos que Vossas Excelências deixarão que essa MP perca validade ou, então, a rejeitarão. Dito isso, elencam-se alguns pontos da MP em comento para destaque e rejeição:

1. O artigo 27 que introduz ao artigo 8º da CLT o parágrafo 4º com a seguinte redação: Art. 27. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 8º …………………………..

§ 4º As normas previstas em convenções e acordos coletivos de trabalho prevalecem sobre a legislação ordinária e sobre súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho, salvo naquilo que contrariarem a Constituição Federal.”(NR).

2. A Justiça do Trabalho é duramente atingida, sugerindo-se supressão do artigo 855-F. Quanto à fiscalização, o critério da dupla visita dirigido ao Auditor-Fiscal do Trabalho passa de exceção à regra, estimulando a lesão a direitos.  Por outro lado, a MP dificulta a autuação de irregularidades na área de segurança e saúde no trabalho, com obstáculos à fiscalização, deixando os trabalhadores sem proteção, justo em um país que ocupa o 4º lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho e em um momento em que a pandemia mais requer do sistema de fiscalização atuação eficaz. Sugere-se destaque visando à exclusão do artigo 628 da CLT, inserido no texto pela votação da Câmara dos Deputados.

3. A alteração do acidente em percurso, limitado à ocorrência de dolo ou culpa do empregador e desde que em veículo fornecido pela empresa, atinge o sistema de proteção à saúde, impondo sérios riscos a quem se desloca para o trabalho por outros meios públicos ou privados. Ainda, limita o pagamento do auxílio-acidente às sequelas que impliquem em redução da capacidade de trabalho.

4. Os bancários são duramente prejudicados. Os artigos 224, 225 e 226-A da CLT são alterados para assegurar a jornada de seis horas exclusivamente aos caixas, com extensão da jornada permitida para os que recebem, no mínimo, gratificação de 40%, caindo por terra a exceção apenas àqueles que exercem o verdadeiro cargo de confiança; ainda, autoriza que os caixas trabalhem 8 horas (art. 225). Acrescenta, ainda, possibilidade de trabalho aos sábados para diversos segmentos da atividade bancária.

5. O artigo 58 –B autoriza que, via acordo individual ou coletivo, as atividades com jornada reduzida podem fazer horas extras, com acréscimo de apenas 20%, sendo extras as superiores à oitava.

Esses são alguns dos pontos da MP que merecem especial atenção dos senhores Senadores, eis que, além das gritantes inconstitucionalidades, representam inaceitáveis retrocessos a tempos outros em que, inexistente legislação de proteção, os trabalhadores eram submetidos a condições degradantes.

Fonte: Brasil Debate

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