Bolsonaro fere autonomia da universidade ao propor escolha de reitores
No último domingo (21), a equipe do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) anunciou que em um eventual governo irá indicar os reitores e vice-reitores das universidades públicas. Para Eblin Farage, secretária-geral do ANDES-SN, essa ação é um ataque a autonomia universitária e aos processos democráticos, podendo cercear a liberdade de expressão e dos conteúdos ministrados em sala de aula.
Por Verônica Lugarini
Publicado 25/10/2018 15:41
O candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) propõe a interferência direta na escolha dos reitores das universidades federais. Segundo sua equipe, a escolha não seria mais por lista tríplice, como acontece agora, mas pela seleção do presidente com base nas seguintes características: experiência em “gestão” e “administração” e sem vínculos com partidos de esquerda.
Hoje, após o pleito, os três nomes com maior número de votos são encaminhados para o Ministério da Educação ou, no caso das instituições estaduais, para o Secretário de Educação do estado que escolhem qual dos elencados serão empossados no cargo, conforme determina a Constituição Federal que determina a autonomia universitária. Em geral, o governo federal respeita a decisão da universidade, escolhendo como reitor o primeiro colocado desta lista, que em alguns locais é eleito pela comunidade acadêmica.
De acordo com o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), a própria lista tríplice já fere a autonomia da universidade por não encerrar o processo de seleção no interior das instituições.
Segundo Eblin Farage, secretária-geral do ANDES-SN e professora da UFF-RJ, a tentativa de Bolsonaro aprofunda um processo de seleção já considerado restritivo para o tornar altamente autoritário.
Em seu entendimento, a entidade pública passará a ser tutelada através de uma perspectiva antidemocrática e direcionada politicamente, o que pode alterar a finalidade da universidade, um espaço destinado à produção de conhecimento.
“Se você impõe que a universidade será gerida por alguém não eleito pela comunidade acadêmica, mas escolhido a partir de princípios políticos vinculados a quem está no governo, você tira o sentido da produção livre do conhecimento. Por isso, essa ação seria um ataque a autonomia, aos processos democráticos, mas também um ataque a essência do que deve ser a universidade pública”, disse Eblin ao Portal Vermelho.
Para ela, as consequências dessa mudança podem afetar não só o funcionamento da instituição, mas também os conteúdos ministrados em sala de aula.
“Isso é uma imposição de cima para baixo que vai atingir o cotidiano da sala de aula porque legitima uma perspectiva do autoritarismo e do cerceamento porque se você controla a gestão, você controla os conteúdos”.
Farage destacou também que, além da limitação de conteúdo, poderá haver o controle das pesquisas das áreas de humanas, restringindo os campos de estudo.
As universidades públicas são responsáveis por 90% das pesquisas realizadas no Brasil e, conforme o relatório Research in Brazil, as universidades particulares não produzem conhecimento relevante no país, deixando este papel à cargo das instituições públicas.
“O conhecimento não pode ser tutelado pela perspectiva política porque um gestor imposto irá interferir em todos os outros processos democráticos da universidade porque alguém que assume dessa forma, com certeza acredita que a intervenção é a melhor forma de gerir”, explicou.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ex-ministro da Educação (2015) Roberto Janine Ribeiro afirmou que as instituições precisam de líderes capazes de reunir bons gestores na sua equipe e não de “gestores de planilhas” e ressaltou que casos recentes de imposição de reitores foram “desastrosos”.
“No meio acadêmico, que é lugar do pensamento, não adianta ter chefe. Um reitor não deve ser escolhido pela ideologia, mas pela sua qualidade e capacidade de ter apoio dentro da universidade”, falou ao jornal. “Um reitor deve pensar o futuro do ensino, da pesquisa e da extensão.”