Petrobras: um olhar para além da crise
A política de Pedro Parente de preços dos derivados é início de um projeto que levará à perda de uma empresa que cumpre função social única no desenvolvimento do país.
Por Carolina da Silveira Bueno, Suzana Sattamini e Matheus Gonçalves Pereta*
Publicado 30/05/2018 16:23
Na última quinta-feira, 24 de maio de 2018, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, comentou a alta de 56,4% no lucro do primeiro trimestre de 2018 da companhia, ao mesmo passo em que o país enfrentava a crise no preço dos combustíveis que desencadeou a greve dos caminhoneiros e, como consequência, o desequilíbrio dos setores da economia.
No mesmo dia do anúncio da alta no lucro, Pedro Parente comentou: “o governo tem a visão clara de que a Petrobras não pode ser usada de forma social”
Diante disso, a questão na ordem do dia é: pra que(m) serve a Petrobras? Para responder precisamos entender o motivo da greve que parou os caminhoneiros nos últimos dias: o preço do combustível.
Mas, o que tem a ver com isso o que o Pedro Parente disse?
Primeiro, vamos entender um pouco a Petrobras e o papel social dela no preço do combustível.
Desde 2016, quando Michel Temer nomeou Pedro Parente para o cargo de presidente da Petrobras, as coisas começaram a mudar. Dentre elas, está a mudança nos preços. A nova regra foi a seguinte: se o preço do petróleo no mercado internacional (que é cotado em dólar) variar, aqui no país o preço (gasolina e diesel) também vai variar conforme a alta ou baixa do dólar. Ou seja, o mercado internacional passa a controlar o preço dos combustíveis no nosso país. Então, como houve alta do dólar, o preço também teve alta.
Antes dessa nova política de preços, a Petrobras é quem controlava o preço dos combustíveis no nosso mercado, o chamado preço social.
Para se ter ideia, na última década o preço do petróleo no mercado internacional variou numa média entre 30 e 100 dólares o barril. Nesse mesmo período, o combustível variou no máximo 10% no Brasil. Isso foi possível porque o país tinha como regra o controle do preço. Por quê? A resposta é simples, o petróleo é nosso. Esse sempre foi o slogan e a função social da estatal. E o preço social nunca afetou os lucros da empresa. Ao contrário, durante décadas a empresa só cresceu.
O problema é que quando a Petrobras retira o preço social e insere o chamado preço de mercado, e o preço do dólar sobe, o combustível também vai subir e todas as outras mercadorias tendem a aumentar os preços. Para que o leite chegue até as prateleiras do supermercado, primeiro ele precisa sair da fazenda, depois ir até a fábrica e ainda ser transportado até o supermercado. O mesmo efeito ocorre para a maioria das mercadorias (circulação de mercadorias). Se o produtor paga mais com transporte para levar o leite até o supermercado, mais caro esse produto fica no final.
Ocorre que o salário não é reajustado conforme a oscilação do preço dos produtos no mercado. Na prática, na alta dos preços, o salário real (que não é reajustado conforme a inflação) perde poder de compra. O efeito é o aprofundamento da crise. O governo não consegue controlar a inflação e aumenta a vulnerabilidade da economia do país, que já anda bem fragilizada.
A questão é, por que o atual governo retirou o preço social dos combustíveis, como antes, para ser cotado conforme o preço no mercado internacional?
Primeiro, é preciso saber que a Petrobras, antes mesmo de sua criação, já nasce com caráter social. Lembremos da campanha o petróleo é nosso: “(…) 1939, quando, em Lobato, nos arredores da cidade de Salvador, um afloramento de petróleo chamou a atenção do país. Dois anos depois, a alguns quilômetros dali, o que ainda era uma aposta jorrou de um poço em Candeias às margens da Bahia de Todos os Santos. Esses acontecimentos fizeram nascer um forte apelo popular que deram origem à campanha “o petróleo é nosso” que, anos mais tarde, em 1953, no governo de Getúlio Vargas, resultou na criação da Petrobras (…)“.
Fato é que além de vincular os derivados ao preço internacional, que é o caminho para a privatização, essa política faz com que percamos muito mais que o preço social dos combustíveis. Perdemos também uma empresa que cumpre função social sem parâmetros para o desenvolvimento da nossa sociedade.
Vale lembrar que em 2008 o refino da Petrobras sofreu um grande golpe, já também preparatório para uma futura privatização. O Instituto ETHOS e o “Movimento Nossa São Paulo” promoveram um debate entre a Petrobras e o então Secretário de Meio Ambiente da Cidade de São Paulo, Eduardo Jorge, durante a Conferência Internacional ETHOS 2008, realizada pelo instituto no Anhembi, em São Paulo, na mesa intitulada “Desafio intersetorial para a gestão sustentável das emissões”, no dia 30/05.
Estavam presentes a Petrobras e a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A Petrobras explicou não ser possível colocar o diesel 50 ppms (cm menos teor de enxofre, portanto menos poluente) à venda porque a fabricação de veículos com motores adaptados ao novo diesel, os chamados Euro IV, estava atrasada. Já a Anfavea dizia que as montadoras só poderiam começar a adaptar a tecnologia quando houvesse combustível para testes.
No mesmo debate, Henry Joseph, presidente da Comissão de Energia e Meio Ambiente da Anfavea, optou por listar os “problemas e dificuldades” da indústria automobilística em fabricar motores adaptados para o diesel 50 ppms. Segundo ele, poderia haver “consequências catastróficas” para os motores, caso o combustível novo fosse utilizado nos veículos antigos. Admitiu não haver tempo para “desenvolver, homologar e definir motores novos até janeiro” e acrescentou que as montadoras deveriam levar de três a cinco anos para adequar os motores à nova composição do diesel.
Na ocasião, a Petrobras foi culpabilizada por prejuízos à saúde dos habitantes da cidade de São Paulo, alegando-se conclusões de estudos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), segundo os quais o enxofre das emissões do diesel, cancerígeno, seria responsável pela morte de 3 mil pessoas por ano na capital paulista.
No dito debate, só houve ataques, sem considerar que as exigências justificaram-se no bojo da regulação internacional do diesel, que, na Europa, há muito já operava com estes padrões
(o que suscitaria um movimento popular favorável a novas importações de diesel de empresas como a Shell e outras, já adaptadas aos padrões ora impostos).
Por outro lado, em face da necessidade de cumprimento da nova regulação, ao final do ano de 2007, a Petrobras anunciou que colocaria no mercado, até janeiro de 2009, o diesel mais limpo, conforme determinava a lei. Na verdade, o disponibilizou a partir de junho de 2008. Além disso, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) somente divulgou as especificações do novo diesel no final de 2007. Enfim, diante do debate injusto e agressivo, e a saída da empresa do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da BOVESPA, a Petrobras deixou o papel de patrocinador master da conferência até 2010, quando foi, enfim, restabelecido o diálogo entre as instituições.
O resultado disto para a Petrobras foi a reformulação e até altíssimos investimentos em novas refinarias em seu parque de refino, para atender à resolução 315/2002 do Conama. Assim, hoje, o refino encontra-se atrativo às empresas internacionais, facilitando o caminho para a privatização.
A verdade é que, desde seu início, a Petrobras desenvolveu capacidades que permitem à empresa atuar em diversas áreas do setor de petróleo e gás natural. A organização do Cenpes, em 1973, levou a empresa a antecipar soluções tecnológicas em produtos e processos; assim, foi possível construir uma ampla estrutura científica no país, viabilizando o desenvolvimento de tecnologias endógenas, articulando, para esse fim, uma vasta gama de conhecimentos. Além da criação de infraestrutura científica e tecnológica de excelência voltada à área das ciências e engenharia do petróleo em parceria com universidades brasileiras, a Petrobras sempre buscou participar ativamente de projetos industriais juntamente com sua rede de fornecedores, absorvendo capacidades e aprendizado.
Dessa forma, o sucesso tecnológico da estatal brasileira, reconhecido internacionalmente, abriu uma nova janela de oportunidades a toda a indústria do petróleo offshore, ultrapassando os limites das águas profundas nas décadas de 1980 e 1990 e, mais recentemente, ao superar grandes desafios técnicos, econômicos e políticos, tornando a exploração do pré-sal uma realidade. Além disso, a empresa criou novas frentes tecnológicas em biocombustíveis que representam a nova fronteira da bioeconomia. Somam-se a isso os projetos culturais e educacionais financiados por ela e assim por diante.
No período atual, grosso modo, é importante destacar: i) a Petrobras se tornou uma das maiores empresas de petróleo no mundo, sendo a maior produtora da América Latina, alcançando, em 2017, a marca dos 2,15 milhões de barris por dia; ii) a empresa descobriu uma das maiores reservas de petróleo e gás natural das últimas décadas. A extração de petróleo do pré-sal superou a produção da matéria-prima no pós-sal, quando atingiu a marca de 1,352 milhão de barris por dia. A viabilização das tecnologias para a exploração do pré-sal inserem a estatal como vanguarda no desenvolvimento tecnológico de exploração de petróleo em águas ultra profundas, sendo a única no mundo a viabilizar essa atividade; iii) A empresa é responsável por cerca de 10% do PIB brasileiro.
Assim sendo, é fundamental compreender a centralidade da Petrobras no funcionamento da economia brasileira. Ela influencia a maioria dos setores econômicos; tanto é que a crise à qual a estatal passou recentemente repercutiu profundamente no desempenho da economia do país. Em relação à soberania energética, os resultados das operações da empresa no pré-sal marcam um novo período na história energética brasileira, em que o Brasil pode se tornar o principal exportador de petróleo não-OPEP na próxima década.
Outro destaque, senão o maior significado de todo o esforço realizado pela Petrobras, além do tecnológico, considerando o fato de pertencer a um país em desenvolvimento, no momento represado por retrocessos no campo político e social, é o de que ela cumpre enorme função social em muitos setores da economia. Daí o preço social dos combustíveis, que tem impacto no preço final dos serviços e mercadorias e vice-versa, uma vez que boa parte dos fluxos de mercadorias funciona via transporte terrestre.
Levando em consideração os feitos e a contribuição da Petrobras para a economia brasileira, o governo precisa atentar para o papel que a Petrobras cumpre socialmente há décadas. Não reconhecer a forma social da Petrobras é contrariar a própria história e natureza da empresa, cuja criação foi demandada por um efervescente movimento popular em defesa da riqueza e soberania nacional, equacionado na campanha “O petróleo é nosso!”
Não aceitar sua função social é abnegar sua importância não só para o desenvolvimento econômico do país, mas também como elemento constituinte de um projeto nacional.
Se o governo continuar a negar as funções da Petrobras e abrir o caminho para a privatização (como tem feito, com a venda de ativos), quais seriam então os impactos? Se a retirada do preço social dos combustíveis já levou o país ao caos, e para uma maior fragilidade de um governo já em ruínas, imagine então os impactos da privatização.
A fragilidade atual é tamanha que o governo já colocou o Exército nas ruas. Isso com certeza não resolverá os problemas, ao contrário, poderá agravar a situação social no país.
Também vivemos um risco democrático, uma vez que já está em curso o projeto que permite eleições indiretas no Brasil.
Mais greves vêm por aí. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e seus sindicatos filiados já convocaram a categoria petroleira para uma greve nacional de 3 dias. Os trabalhadores do Sistema Petrobras iniciarão o movimento a partir desta quarta-feira, 30 de maio, para baixar os preços do gás de cozinha e dos combustíveis, contra a privatização da empresa e pela saída imediata do presidente Pedro Parente e do governo Temer.
Carolina da Silveira Bueno é pesquisadora pelo Núcleo de Economia Agrícola e do Meio Ambiente da Unicamp e doutoranda pelo Instituto de Economia da Unicamp.
Suzana Sattamini é engenheira civil, Msc em petróleo pela UFRJ, pesquisadora aposentada do CENPES/ Petrobras e doutoranda do Instituto de Economia da Unicamp.
Matheus Gonçalves Pereta é cientista político pela Unicamp e mestrando pelo Instituto de Geociências da Unicamp.