Colombianos vão às urnas neste domingo. Conheça os candidatos
As primeiras eleições presidenciais após o acordo de paz na Colômbia ocorre neste domingo (27). No pleito que vai eleger o sucessor de Juan Manuel Santos, o campo progressista, pela primeira vez em décadas, possui chances reais de ir ao segundo turno com o candidato Gustavo Petro.
Publicado 26/05/2018 10:04
Isso porque Gustavo Petro desponta como um dos favoritos nas pesquisas eleitorais. Petro é ex-prefeito de Bogotá e ex-integrante do M-19, guerrilha urbana que atuou na Colômbia entre os anos de 1970 a 1990.
O Brasil de Fato conversou com professor colombiano Pietro Alarcón, docente do departamento de Direito Público da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sobre o contexto político do país vizinho.
"Petro é um autêntico fenômeno político que se constitui como uma alternativa real de poder. Ele é o candidato que mais pessoas leva às praças públicas", afirmou o professor.
Alarcón traça o perfil dos dois principais candidatos à presidência; analisa o cenário econômico do país; a possibilidade de fraude no processo eleitoral; a forma como a democracia colombiana é fragilizada pela violência e a sobrevivência dos acordos de paz no país.
Confira a entrevista.
Brasil de Fato: Primeiramente, qual a situação econômica em que a Colômbia realiza esta eleição presidencial?
Pietro Alarcón: A situação econômica é bastante grave. Quero focar em duas questões mais importantes: a primeira é sobre a luta travada por grande parte do povo colombiano, especialmente aqueles que estão nas áreas rurais, contra a grande extração de minerais e hidrocarbonetos na Colômbia. Este extrativismo não apenas tem uma consequência grave no aumento da crise ecológica, como também apenas beneficia as grandes transnacionais, aumentando consideravelmente os níveis de lucro dos capitais estrangeiros. Além disso, ele é feito em detrimento da soberania alimentar colombiana, em detrimento de um modelo produtivo que priorize o camponês e sua maneira de enxergar sua vocação com a terra.
A Colômbia, desde o governo de Álvaro Uribe, se inseriu no marco daquilo que chamamos de “geopolítica energética”. A participação do investimento estrangeiro no extrativismo mineral na Colômbia passou, entre os anos 2000 e 2009, de 21% à 82% e hoje o investimento desses capitais estrangeiros nesse campo chega praticamente a 85%. Isso representa mais ou menos 75% do território nacional. Tanto Uribe quando o atual presidente Juan Manuel Santos transformaram o setor extrativista no principal setor da economia, deixando o país à mercê da extração de petróleo e carvão.
Esse extrativismo devora populações, ecossistemas, e cria uma situação de muita desesperança para os colombianos: fica muito pouco aqui, o dano ambiental é enorme e a relação do camponês com a terra obviamente é outra.
A segunda questão que quero frisar tem a ver com a necessidade que temos no país de redefinir o modelo produtivo. Precisamos escolher um que priorize a função social da propriedade, que democratize o acesso à terra e incentive a produção nacional, para termos um desenvolvimento de mais qualidade. Atualmente, temos 3 milhões de hectares ociosos destinados apenas ao gado extensivo. Temos também uma falta de incentivo à indústria nacional. Alguns candidatos querem questionar esse modelo e construir uma Colômbia mais humana, justa e menos desigual, porém outros, como Iván Duque [do Centro Democrático, partido de Uribe], apenas querem aprofundar essa modelo nos marcos daquilo que o capitalismo e a ortodoxia neoliberal propõe.
Dos cinco candidatos, Iván Duque e Gustavo Petro são os favoritos para levar a disputa para o segundo turno. Gostaria que você traçasse um breve perfil de ambos.
Em relação ao Duque, gostaria de reforçar duas questões que me parecem muito graves. A primeira delas é que Duque vem mantendo um relacionamento muito direto com os EUA, em particular com [Donald] Trump, que se visa consolidar a Colômbia como um agente de ações muito agressivas contra seus vizinhos e contra povos que lutam pela sua liberação ou por que tem uma visão diferente daquilo que poderíamos chamar da estrutura hegemônica de poder no mundo, ou seja, percebo que Duque está muito mais comprometido com os interesses alheios a soberania colombiana do que àqueles que podem beneficiar o país ou que nos ajudariam a manter uma postura independente no campo internacional.
Isso, por exemplo, tem a ver com a manifestação de Duque de que uma das suas ações será criar uma embaixada colombiana em Jerusalém, reconhecendo a cidade como capital de Israel. Isso obviamente é uma questão extremamente difícil, tendo em vista a necessidade que temos de respeitar acordos internacionais e a soberania e a luta palestina. Internamente, Duque reforça a ideia de que é preciso destruir os Acordos de Paz, o que seria um grande retrocesso para o país e para a segurança regional. Para a Colômbia, isso significaria retornar à guerra, o que nos condenaria a anos de persistência dessa absurda desigualdade. Nos condena a que não se consolide uma democracia fundamentada na participação e na abertura de canais de participação para segmentos que historicamente não tem tido a possibilidade de interferir nos destinos nacionais.
Por outro lado, temos a candidatura de Gustavo Petro. Eu tenho dito que Petro consegue canalizar aspirações de vários segmentos da população colombiana que têm sido abandonados, deixados de lado por parte da política tradicional encabeçada nos últimos governos por Uribe e Santos. Ele pode canalizar a luta de setores como o agrário, também a dos afrodescendentes e dos indígenas pelo respeito à sua territorialização, à luta contra o extrativismo ao qual me referia na primeira pergunta e a luta de muitos setores da intelectualidade, das camadas médias da população que enxergam nos Acordos de Paz um instrumento, uma carta de navegação, importante para o presente e para o futuro da Colômbia.
Petro tem sido muito pedagógico na defesa de seu programa de governo e tem se convertido em um autêntico fenômeno político, então por isso digo que as pesquisas apontam a Petro como o segundo colocado, mas o que eu tenho observado e o que me é que Petro é um autêntico fenômeno político que se constitui como uma alternativa real de poder. Ele é o candidato que mais pessoas leva às praças públicas. O encerramento de campanha de Petro nas três maiores cidades — Bogotá, Medellín e Barranquilla — tem sido realmente algo apoteótico. Estamos diante de alguém que soube canalizar aspirações muito justas de diferentes setores do povo colombiano.
Um dos elementos centrais nesta campanha é o futuro dos Acordos de Paz com as guerrilhas. A depender do resultado, quais são os cenários que se apontam tanto para o cumprimento do acordo com as Farc quanto para a continuidade dos diálogos com o ELN [Exército de Liberação Nacional]?
Bom, Petro tem sido bastante claro na defesa dos Acordos. Outros candidatos, por exemplo, Humberto de La Calle, candidato do Partido Liberal, participou nas rodadas de Havana como chefe das negociações pelo estado colombiano, foi nomeado pelo presidente Santos para isso, é um candidato que também aposta na necessidade de prosseguir com o cumprimento ou começar a fazer prosseguir de maneira otimista, começar pelo menos a dar vida ao Acordo de Paz. Outros candidatos não têm a mesma postura. Ou porque não acreditam nesses acordos, ou porque acreditam que eles não tem uma possibilidade real de se concretizar ou porque simplesmente, como no caso de Duque, são contrários a tudo aquilo que ali se encontra porque seu interesse de classe aponta que sejam contrários a isso.
Há uma relação muito estreita entre o processo eleitoral e a continuidade do cumprimento dos acordos e dos diálogo com o ELN. Evidentemente se ganha um candidato como Duque, a possibilidade que nós temos de implementar os Acordos e de que o diálogo com o ELN continue é zero, é nula.
Fazer a paz na Colômbia implica verificar cada um dos pontos do Acordo e é preciso muita vontade política para torná-los efetivos, para concretizá-los — e concretizá-los implica em confrontar interesses que historicamente se encontram incrustados nos labirintos do poder. É uma questão que é preciso resolver e, para isso, a única maneira é com o povo na rua, com a luta dos colombianos, com mobilização popular permanente e transformadora, que permita que estes pontos do Acordo realmente se tornem reais. E Petro está apostando em toda essa canalização de lutas que ele representa do ponto de vista eleitoral para que, então, possa haver uma mobilização que nos permita gerar uma nova condição para os colombianos.
A história política da Colômbia sempre foi marcada pela violência, inclusive com assassinatos de candidatos progressistas em campanhas presidenciais. Como esse histórico vai impactar na eleição deste domingo?
Eu posso te dizer que desde que eu era criança e depois, quando comecei a participar de processos eleitorais, o sobrenome dos candidatos tradicionais na Colômbia é praticamente o mesmo. O atual presidente, Juan Manuel Santos, é neto de Eduardo Santos Montejo, que foi presidente em 1938. O candidato Germán Vargas Lleras, do Partido Cambio Radical, é sobrinho de Alberto Lleras Camargo e neto de Carlos Lleras Restrepo, que foram também presidentes da Colômbia.
É uma democracia muito frágil e estrita, que nega a participação de setores que não fazem parte desta oligarquia tradicional. Iván Duque, por exemplo, já não representa a oligarquia tradicional. Ele representa uma camada de oligarcas emergentes resultado, especialmente, da expansão da violência paramilitar e do narcotráfico. Não que aquela primeira tendência oligárquica que mencionei não tenha usado a força e a violência. Mas [o ex-presidente Álvaro] Uribe e Duque são de um setor muito ligado a essas máfias do narcotráfico e muito conectados a uma violência paramilitar fortemente filiada a esse narcotráfico. E isso já foi inclusive denunciado internacionalmente e foi alvo de investigação do Ministério Público colombiano.
É bem verdade que essa democracia tão frágil tem ocasionado que a violência seja um elemento recorrente por parte dessa classe dominante colombiana para sufocar qualquer pretensão de renovar a vida política. Então, candidatos de esquerda, progressistas e democratas têm sido assassinados — Carlos Pizarro Leongómez, na época da aliança democrática M-19, e os inesquecíveis Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo, da União Patriótica, que também constituíam esperanças de renovação desta política.
E não foram somente esses candidatos presidenciais assassinados, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu um autêntico genocídio político contra a organização União Patriótica, que era uma organização que conseguiu ter um número significativo de prefeitos, senadores e deputados. Infelizmente foram assassinados, por conta dessa violência paramilitar e civil que não permite, na Colômbia, a consolidação da democracia.
Neste momento, nossa grande preocupação, além dessa violência, é a possibilidade de fraude eleitoral. O próprio Conselho de Estado Colombiano falou que, na eleição de 2014, hackers ingressaram no sistema eleitoral e alteraram os resultados de 50 mil mesas de votação. Então, as eleições de 2014 obviamente foram uma grande fraude e um desrespeito à soberania popular. E isso continua sendo uma ameaça também nestas eleições de domingo.
Há muitas possibilidades de fraude, começando pelo fato de que não fica nenhum registro de quem votou e quem não votou. Uma pessoa pode votar duas vezes tranquilamente. E estas questões já vêm sendo denunciadas nacional e internacionalmente. O algoritmo do sistema de votação foi alterado recentemente e a comissão da União Europeia diz que não tem mais tempo para verificar os softwares, que aliás nem é tarefa dela, que faz avaliação política e não técnica. Essas questões realmente comprometem a credibilidade do processo e eu não estranharia que houvesse alguma denúncia com relação a fraude neste domingo.
Você mencionou Gustavo Petro como uma alternativa real. Quais são os limites e avanços que um eventual governo de Petro poderia representar para a Colômbia?
Petro constitui um fenômeno político extremamente importante. Não somente para a Colômbia, mas para a América Latina. Eu acho que ele resume, primeiro, a necessidade de uma política externa pró-ativa, dirigida a um relacionamento respeitoso com os vizinhos, que respeite a autodeterminação e não interfere na política interna dos países vizinhos. Também pode representar uma quebra com o modelo extrativista e apontar para novos caminhos para a Colômbia.
Acho que Petro tem toda a possibilidade de, como o slogan de campanha diz, tornar a Colômbia muito mais humana e inclusiva — que parte do reconhecimento das necessidades e das aspirações de segmentos como LGBTI, afrodescendentes, comunidades indígenas, a ideia da igualdade de gênero e a ideia de respeito pela condição de igualdade da mulher é fundamental.
Essa possibilidade de Petro avançar na questão externa, na economia e de uma sociedade muito mais democrática e tolerante me parece extremamente importante.