Publicado 25/05/2018 13:26
“Eu me senti culpado por não estar morrendo quando fui procurar os médicos na semana passada porque estava com fortes dores abdominais. Percebi uma certa resistência em atender um caso que não era de urgência”, desabafou Max Gimenes, morador da região do Butantã, lamentando não poder contar mais com o atendimento de qualidade do Hospital Universitário (HU) da Universidade de São Paulo.
“Estamos em uma situação extremamente precária e eles te olham e fazem comentários como se você não tivesse de estar ali.”
A situação de Max é semelhante a do jornalista Marcelo Santos, também morador do Butantã, que contava com o HU para o atendimento de excelência dele, da mulher e dos três filhos.
Segundo Marcelo, foram anos de tratamento de saúde no HU, mas hoje ele precisa pagar consulta em outro lugar se quiser ter atendimento. “Eu consigo pagar uma consulta popular, mas tem moradores ao lado do HU que não podem pagar e estão desamparados”, contou ele.
O drama dos moradores da região com o desmonte do Hospital Universitário começou em 2014, quando o Geraldo Alckmin (PSDB-SP) ainda era governador do estado de São Paulo – ele se licenciou do cargo para concorrer à Presidência da República – e Antonio Zago era reitor da USP.
O HU, que tinha pronto socorro adulto e infantil e atendia quase 500 mil pessoas na região do Butantã, hoje está sucateado. O hospital chegou a receber 17 mil pessoas por mês e hoje atende apenas três mil pacientes. Fazia 30 partos por mês, hoje faz três. E apenas dois dos oito centros cirúrgicos estão funcionando.
Além disso, houve uma redução significativa de leitos disponíveis para internação, 40% a menos de leitos de terapia intensiva adulto. No local, só casos muito graves e com emergência.
A estudante de medicina da USP, Maria Luiza Corurlon, que tem um lado fraternal com a pediatria, diz que está muito preocupada com o destino do HU e com as crianças da região. Além da zona oeste de São Paulo não ter mais hospital público para atender as crianças, o Hospital Universitário, que “tem por finalidade promover o ensino, a pesquisa e a extensão de serviços à comunidade”, não está cumprindo seu papel de ser hospital-escola.
“40% da carga horária do curso de medicina devem ser feitas no HU, mas não é isso o que está acontecendo. Tem gente fazendo estágio em hospital privado e nós, como estudante de universidade pública, deveríamos atender na rede pública”, contou Malu, como é chamada pelos amigos.
Herança de Alckmin
Em 2014, Antonio Zago alegou que a USP estava em crise financeira, o que impossibilitaria arcar com as despesas de folha de pagamento do HU. Ele tentou desvincular o hospital da USP e passar para a secretaria de Saúde do Estado, mas foi derrotado pela comunidade, estudantes e trabalhadores da USP e do HU, que se mobilizaram em passeatas e greve. O então governador Geraldo Alckmin recuou e decidiu barrar a desvinculação.
Com a saída de Alckmin, Marcio França (PSB-SP) assumiu o governo e nomeou o Antonio Zago para secretário de Saúde do Estado.
"Zago é a favor da demissão voluntária e desmontou diversos serviços na universidade, esvaziou setores e reduziu a sua importância, fazendo a USP perder pontos em diversos rankings internacionais e perder espaço para a Unicamp, também estadual, que recebe os mesmos recursos. Zago deixou a USP pior do que recebeu", denuncia o clínico geral do HU, Gerson Salvador, que também é diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (Sindsaúde), Gervásio Foganholi, disse à reportagem da Rede Brasil Atual que a gestão de Zago é marcada pela ampliação do controle privado das unidades de saúde em detrimento da desvalorização dos servidores públicos, o que afeta diretamente a qualidade do atendimento à população.
Com os salários achatados em pelo menos 44% devido à inflação acumulada dos últimos cinco anos, os servidores esperam há anos por um acordo com o governo estadual para unificar as jornadas de trabalho e discutir a incorporação dos chamados planos de incentivo.
"Quando o estado deixa de investir no servidor, a população também perde. Ao entregar os serviços para a iniciativa privada, como as organizações sociais, que administram metade de todas as unidades de atendimento, os usuários dos serviços ficam à mercê dos interesses privados, que são os lucros, e não as demandas regionais”, critica Gervásio.
“A população sofre também com a precarização do atendimento devido à maior rotatividade dos trabalhadores", completa.
O presidente do SindSaúde acredita que São Paulo terá seu sistema de saúde totalmente privatizada caso enfrente mais duas gestões como a de Alckmin, seguida agora por França.
"O serviço público, conforme estabelecido pelo SUS, corre o risco de extinção no estado que quer privatizar a melhor estrutura de saúde de todo o país. Além de unidades de saúde e hospitais, a gestão Alckmin entregou à iniciativa privada laboratórios como o da Furp, em Américo Brasiliense, e fechou unidades de entrega de medicamentos do Dose Certa. Então, quem não puder pagar, será duramente prejudicado."
Contratação de pessoal para o HU está parada
Em 2017, o movimento “Coletivo Butantã na luta” entregou um abaixo-assinado com 44 mil assinaturas ao Ministério Público Estadual e à Assembleia Legislativa de SP (Alesp) pedindo o funcionamento pleno do HU.
A reivindicação era para que R$ 48 milhões fossem destinados para contratação de pessoal no HU e o relator da emenda parlamentar, Marco Vinholi (PSDB-SP), errou ao publicar a lei orçamentária de 2018 colocando a atribuição da verba para custeio.
“Quando se coloca o destino do recurso para custeio, o dinheiro pode ser usado para qualquer finalidade dentro do HU e não somente com o pessoal, conforme a demanda da população”, alertou o deputado estadual Carlos Neder (PT), autor da emenda parlamentar.
O deputado, que acompanha toda a luta em defesa do HU, acredita que o erro pode ter tido interesse político com a intenção de fazer com que o dinheiro demore a chegar ao destino certo. “A maneira como foi conduzido o orçamento fortaleceu setores da USP que não estão preocupados em contratação”, contou.
Segundo Neder, não precisaria de nenhuma lei para essa transferência de recursos, bastaria vontade política. “O atual e o ex-governador trabalham com a mesma lógica, a prioridade é entregar a gestão nas mãos de terceiros. Enquanto isso, os maiores prejudicados são os moradores da região”, denuncia o deputado.