Publicado 22/05/2018 11:57
Falta comida nas creches. Mas, antes disso, faltam vagas em creches. Falta emprego para levar comida também para casa e, com fome, os alunos chegam às escolas pouco preparados para absorver qualquer conhecimento.
“O que a gente tem visto é isso: cada vez mais crianças, adolescentes e adultos indo para a escola com problemas de alimentação. E as escolas não dão conta de cuidar dessa situação sozinhas”, relata Denise Carreira, coordenadora da área de educação da Ação Educativa.
A fome é só o primeiro sinal do efeito da crise econômica e do corte nos gastos públicos na vida da população – e na qualidade do aprendizado. No total, a área da educação sofreu uma redução de 18% no orçamento dos próximos 20 anos, com a aprovação da Emenda Constitucional 95, em março de 2017.
E os cortes começaram rápido. No ano passado, as instituições federais receberam 15% a menos para bancar a manutenção de seus prédios e tiveram uma redução de 40% para realizar novas obras. Na prática, as universidades públicas têm feito o que podem: demitido funcionários e interrompido reformas.
Na Universidade de Brasília, por exemplo, segundo relatório da Dhesca Brasil (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), foram demitidos faxineiros, vigilantes, jardineiros, porteiros e outros profissionais da base. “Há diminuição de laboratórios, de gastos com melhoria da infraestrutura, atrasos de pagamento. Todo um quadro grande de precarização nas universidades”, conta Carreira.
Mas o problema começa ainda mais atrás, no Ensino Básico, com os cortes no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). “Pela primeira vez, desde o surgimento, há uma redução do gasto per capita com aluno”, confirma Carreira.
Não bastasse a crise e a redução de verba para educação, o governo federal ainda aprovou uma reforma radical no Ensino Médio. Na teoria, o texto só traz benefícios: aumento da carga horária, com adoção de ensino integral, e flexibilização do aprendizado – em 40% do período letivo, os estudantes poderão se inscrever nas disciplinas que quiserem. Obrigatório mesmo só Português, Matemática e Inglês.
Na teoria, faz todo sentido. Alunos interessados em cursar Medicina podem aprofundar seus conhecimentos nessa área, em vez de passar horas em textos de geopolítica. Quem preferir prestar jornalismo, pode deixar química e física de lado. Só tem um problema: só funciona se houver investimento – e, em tempos de austeridade econômica, isso não vai acontecer.
Com menos dinheiro, as escolas públicas nem sempre conseguirão ofertar todas as disciplinas. A tendência é que os alunos do ensino público fiquem só com as disciplinas obrigatórias. “Dizem que o jovem terá direito à escolha. Mas qual jovem? Que direito vou ter de aprender se na minha escola as possibilidades são limitadas?”, questiona Suelaine Carneiro, socióloga e coordenadora do Programa de Educação do Geledés Instituto da Mulher Negra.
Enquanto isso, nada deve mudar nos vestibulares – conhecimentos gerais na primeira fase e específico na segunda. Sem a oferta adequada de disciplina nas escolas públicas a disputa por vaga só tende a ficar ainda mais desigual com os alunos do sistema privado.
Quem leva a pior
No fim das contas, quem se dá mal mesmo é a população que mais precisa dos serviços públicos. Ou seja, pobres e negros. Com o deterioramento da educação, entrar em universidades deve ser ainda mais difícil.
“Esse cenário [de qualidade ruim do ensino público] leva estudantes a competirem por vagas em universidades públicas em condições extremamente desiguais. A evasão e a baixa qualidade dos ensinos fundamental e médio afetam os que pertencem aos estratos mais baixos de renda, sobretudo negros, criando condições para a expressiva desigualdade no acesso ao ensino superior”, explica o estudo “A distância que nos une – um retrato das desigualdades brasileiras”, da Oxfam.
Com os sistemas de cotas, o número de negros matriculados em universidades quase dobrou na última década – passou de 5,5% da população para 12,8%. Bem pouco se comparada à parcela branca: 26,5% desses jovens cursam nível superior.
Se entrar na universidade continua difícil, a permanência é outro desafio. Primeiro por conta da redução das bolsas de ensino. Programas como ProUni, Pronatec e Fies também sofreram cortes e ofertam menos vagas do que nos anos anteriores. Segundo porque será difícil acompanhar o ritmo dos outros alunos – se falta conhecimento em diversas áreas nos ensinos anteriores, como dar conta das disciplinas de nível superior?
“É um tiro no coração das políticas sociais. Os cortes impossibilitam que novas gerações tenham possibilidades de mudanças. A reforma aumenta a desigualdade. E com essa deficiência, o aluno chega ao ensino superior com menos bagagem do que o aluno de outros colégios”, confirma Carneiro.
Só o tempo dirá o tamanho e o impacto final do retrocesso. Mas uma coisa é certa: teremos ainda menos oportunidades de ver pobres e negros conquistarem diplomas e cargos bem remunerados.