México: encruzilhada entre militarização e eleições presidenciais
A dois meses das eleições presidenciais, previstas para o dia 1° de julho, o México volta a debater o seu modelo de segurança pública, que é baseado na militarização. Depois de 12 anos com o Exército nas ruas, o saldo de violência se compara às ditaduras militares da América do Sul, entre os anos de 1960 e 1980. Segundo dados do governo mexicano, foram assassinadas cerca de 280 mil pessoas em pouco mais de uma década, além de 32 mil desaparecidos.
Fania Rodrigues*
Publicado 10/05/2018 16:28
O atual presidente do país, Enrique Peña Nieto, que ganhou as eleições em 2012 pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), é um defensor da militarização. O seu partido, junto ao antecessor na presidência, o Partido da Ação Nacional (PAN), de Felipe Calderón (2006-2012), fez altos investimentos na área. Os dois partidos direitistas apoiam ou têm candidato para estas eleições: Ricardo Anaya, do PAN, e José Antonio Meade, que se apresenta como sem partido, mas tem o apoio do PRI.
O orçamento do Estado mexicano em segurança pública praticamente dobrou em uma década. Passou de 5 bilhões de dólares, em 2006, para 9,8 bilhões de dólares em 2017, segundo o relatório Orçamento Público Federal para a Função da Segurança Pública, produzido pela Câmara de Deputados do país.
Porém, o número pode ser ainda mais alto, pois, de acordo com o Instituto para Economia e Paz, que se dedica a documentar o orçamento público mexicano, o montante aplicado em segurança pública foi de 29 bilhões de dólares, em 2017.
No entanto, tais investimentos não foram capazes de frear a violência. Para o pesquisador e professor da Universidade Autônoma Metropolitana (UAM) Guillermo Garduño, isso demonstra o fracasso da política de militarização e de guerra às drogas. “Com a militarização do país, os grandes cartéis de drogas também se armaram. Hoje, possuem armas tão poderosas que seriam capazes de derrubar helicópteros. Além disso, os cartéis mantêm uma ligação estreita com alguns setores militares”, afirma o pesquisador, que por anos estuda as causas e consequências da violência no México.
A complexidade da violência no país é tal que alguns cartéis têm características de corte militar, segundo Garduño. “O nível de corrupção é muito alto dentro das forças militares. Inclusive, Los Zetas, um cartel que nasceu nos anos 1980, é fruto de uma aliança entre os militares e os narcotraficantes. Esse é o caso também do cartel de Jalisco Nova Geração, que hoje tem um arsenal de armas poderoso”, explica.
Apesar de o país ter cartéis há mais de 30 anos, foi na última década que eles deram um salto em tamanho e armamento e se transformaram em algumas das organizações criminosas mais poderosas do mundo. A militarização não pôde conter nem mesmo o tráfico de armas. Os grandes cartéis, como o de Sinaloa (um dos mais violentos), de Jalisco Nova Geração, da Família Michoacana e até mesmo Los Zetas (que se encontra bastante debilitado atualmente), usam em sua maioria armamentos de origem estadunidense, de acordo o jornalista investigativo Zósimo Camacho, da revista mexicana Contralínea.
A militarização tampouco combateu o narcotráfico. Prova disso é que o país converteu-se em um dos maiores produtores mundiais da papoula, matéria-prima usada na fabricação de heroína. “A papoula produzida no México é responsável por 40% da heroína que se consome nos Estados Unidos. Além disso, continua sendo rota obrigatória para a cocaína que vem da América do Sul, sobretudo da Colômbia. O destino principal continua sendo os Estados Unidos, mas uma boa parte já é enviada para a Europa”, destaca o jornalista. “O México tornou-se a horta de papoula dos Estados Unidos”, diz Zósimo Camacho, em texto recente, no qual revela que existem 74 mil hectares de plantação de papoula em território mexicano.
Relação com o Brasil
Ainda que essa política tenha fracassado no México, outros países como a Colômbia e, mais recentemente, o Brasil insistem nesse modelo da militarização. O professor Guillermo Garduño afirma que o governo brasileiro caminha a passos largos para a “mexicanização” da segurança pública. “Assim como aconteceu no México, também no Brasil está havendo uma criminalização da pobreza. Pois o narcotráfico surge nas entranhas mais profundas do poder político e econômico, mas estão combatendo apenas os pobres que vendem a droga por necessidade econômica”, diz.
O delegado da polícia civil do Rio de Janeiro Orlando Zaccone aponta para essa mesma problemática. “Minha pesquisa de doutorado foi voltada para o encarceramento motivado pelo tráfico de drogas. Observei que a maioria dos traficantes são pessoas extremamente pobres, que não têm arma, porque aqueles que têm armas não são presos, são mortos, e que a quantidade de droga com que um traficante é preso é ínfima”, explica o delegado.
Formado em Direito, com mestrado em Ciências Penais e doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Zaccone ressalta que quem lucra com o tráfico não são os vendedores varejistas de drogas. “O mercado das drogas ilícitas representa a quarta maior economia do mundo. Essa economia não está nas favelas, mas sim no sistema financeiro”. No México, o crime organizado injeta mais de 100 bilhões de dólares no sistema financeiro, em lavagem de dinheiro, todos os anos, segundo Guillermo Garduño.
Como no México, a ideia de guerra às drogas no Rio de Janeiro levou o Exército às ruas. Em fevereiro, o governo de Michel Temer decidiu militarizar a segurança pública do estado. Passados dois meses, o Ministério da Segurança Pública ainda não demonstrou a efetividade da ocupação militar. Nesse período, a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes foram executados a tiros no centro do Rio. O crime que chocou o país ainda não foi resolvido nem os suspeitos encontrados, mas uma das linhas de investigação aponta o envolvimento de policiais militares.
Já no México, no estado de Guerrero, em 2014, o desaparecimento de 43 estudantes da escola rural do magistério de Ayotzinapa também causou indignação na sociedade. Os principais suspeitos são políticos e militares da região. Mais recentemente, surgiu outro caso de desaparecimento forçado que provocou comoção. Três estudantes de cinema da Universidade de Meios Audiovisuais de Guadalajara foram mortos e tiveram seus corpos dissolvidos em ácido sulfúrico, segundo a promotoria do estado de Jalisco, no México. Desta vez, as investigações apontam para membros do cartel Jalisco Nova Geração.
Contexto da militarização mexicana
Quando Felipe Calderón assumiu a presidência do México, em 2006, pesava sobre ele a desconfiança de ter vencido em um processo eleitoral suspeito de fraude. Diversas organizações políticas, movimentos sociais e a sociedade civil denunciaram irregularidades durante a votação e a apuração dos votos. Nas ruas da capital mexicana, o cenário era de protestos massivos contra o resultado eleitoral.
Naquele momento começava uma guerra entre os cartéis do narcotráfico. Foi nesse contexto que o presidente recém-eleito decidiu: a solução era militarizar o país. “Nessa época, as pessoas ainda que indignadas deixaram de protestar, pois as marchas ficaram entre o fogo cruzado do Exército e dos grupos narcotraficantes”, relembra o jornalista Zózimo Camacho.
Após 12 anos de guerra, o debate da militarização volta a aparecer com força no cenário político, em plena campanha eleitoral. No entanto, nenhum dos quatro principais candidatos possui uma agenda clara sobre o tema, destaca Camacho. “A maioria dos candidatos usa o medo como ferramenta de campanha, pois quer seguir lucrando com o medo. Já o candidato da esquerda Andrés Manuel López Obrador, do Movimento de Regeneração Nacional (Morena) e líder nas pesquisas de intenção de voto, afirma que vai resolver a situação de ‘outra maneira’, mas não diz como”.
As próprias Forças Armadas fazem parte do cenário político e disputam o poder, segundo Camacho. “As Forças Armadas converteram-se em um ator político importante. Pois, depois de tantos anos tendo o controle do território, as autoridades fazem pressão junto aos políticos para poder aplicar cada vez mais a força, com menos regras. Conseguiram aprovar no Congresso uma nova lei de segurança, em dezembro de 2017, e, agora, podem invadir casas e prender pessoas sem mandado judicial”, relata o jornalista.
Nas eleições presidenciais de 2018, além dos partidos políticos, outros atores têm peso decisivo, entre eles estão os cartéis de drogas, os meios de comunicação, os bancos internacionais e diferentes organizações dos Estados Unidos. “Não há dúvidas de que o narcotráfico também intervém nas campanhas eleitorais, financiando e promovendo candidatos, assim como gerando violência. O curioso é que a maioria dos candidatos não se posicionou sobre esse assunto”, afirmou o jornalista do La Jornada, Luis Hernández Navarro.
Ao povo mexicano, que é quem oficialmente terá a última palavra na escolha do novo presidente, caberá a difícil tarefa de driblar todas essas interferências que desvirtuam o processo e definir o novo líder que possa trazer um ambiente menos violento ao país latino-americano.