Vanderlei Siraque: As besteiras e mentiras sobre o caso Lula
Themis, a Deusa Justiça, tem os olhos vendados e uma balança em sua mão para haver impessoalidade, equilíbrio e proporcionalidade no julgamento e na aplicação de eventual punição. É assim que deveria ser a Justiça: os processos não poderiam ter capas, mas apenas o conteúdo dos fatos e a legislação a eles aplicáveis e a condenação ou absolvição do acusado, mediante provas reais e concretas colhidas licitamente.
Por Vanderlei Siraque*
Publicado 04/04/2018 21:23 | Editado 04/03/2020 17:15
Vide o caso Lula. O STF, órgão máximo da Justiça brasileira e responsável essencial pela guarda da Constituição, art. 102, deveria cumprir e fazer cumprir o princípio da presunção da inocência, conforme o dispositivo autoaplicável do art. 5°, LVII da Constituição, o qual é uma cláusula pétrea, segundo o art. 60, par. 4°. Portanto, sua aplicação não é uma questão de opção, de opinião subjetiva, de vontade ou de política ou ideologia, como desejam os inimigos do Lula e da Constituição.
O art. 5°, LVII, por se tratar de um direito individual, sequer pode ser modificado por Emenda Constitucional e muito menos pelo Judiciário. É uma simples questão de subsunção: dado fato x, aplica-se a regra y. Isto posto:
1) Percebe-se que o Moro falou besteira no “Roda Viva” sobre isso e alguns parlamentares caíram na onda da PEC, fato impossível, pois todos os juristas, inclusive o juiz de Curitiba, sabem que Emenda sobre cláusula pétrea é inconstitucional;
2) A ministra Carmen Lúcia de equivocou ao colocar o “HC do Lula” em julgamento, pois está fulanizando o STF e o direito constitucional ao trânsito em julgado para o acusado ser, formalmente, considerado culpado. A questão não é o Lula ou qualquer outra pessoa – e, sim, o acatamento, ou não, pelo STF e demais órgãos do Judiciário, da norma constitucional pétrea. O ideal seria o STF ter colocado em julgamento a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) do artigo do CPP que trata do tema, a qual foi impetrada pelo Conselho Federal da OAB, para evitar a polêmica da personalização do “caso Lula”;
3) Observam-se alguns promotores, juízes e supostos juristas falando muito de posições políticas-ideológicas sobre a questão e muito pouco sobre a questão jurídica em si mesma, numa tentativa demonizar o Lula e de relativizar a força normativa da Constituição. O fato é que esses “políticos-ideológicos” e falsos juristas não compreendem as diferenças conceituais entre Ferdinand Lassale (Constituição apenas como uma Carta Política) e Konrad Hesse ( A Constituição como Força Normativa) e também não estudaram ou não compreenderam J. J. Gomes Canotilho. (discípulo de Hesse);
4) O julgamento da ADC, que é uma ação abstrata, concentrada e impessoal com efeito erga omnis, não fulanizaria o tema da prisão ou não, após a condenação em segunda instância;
5) Dizem que uma decisão favorável ao HC impetrado por Lula, apesar de ser um direito fundamental do paciente, poderia gerar um efeito cascata, uma reação em cadeia e, portanto, seriam colocados nas ruas traficantes, pedófilos e assassinos de criminosos de todas as espécies. Essas afirmações, lamentavelmente feitas por juízes e alguns promotores, são ridículas e mentirosas, dignas da pior espécie de políticos demagógicos que se utilizam de “fake news” para demonizar pessoas, influenciar a mídia e a opinião pública e pressionar o STF. Nem Pôncio Pilatos agiu desta maneira. Eles sabem, ou deveriam saber, que as masmorras do Sistema Penitenciário do Brasil, estão lotadas de presos que sequer foram sentenciados em primeira instância, pois a grande maioria dos acusados são presos provisórios em decorrência do amplo poder de cautela dos juízes que determinam as preventivas diante dos casos concretos de riscos para a segurança, a ordem pública, obstrução da justiça. Portanto não é verdade as declarações de muitos juízes e promotores sobre essa questão, ou seja, muitos estão mentindo para a população e tais declarações, por serem autoridades públicas, longe do direito fundamental da livre expressão, ferem o princípio da moralidade pública, art. 37 da Constituição e, ainda, cometem abuso de autoridade ao dizerem para a sociedade as informações verdadeiras sobre as consequências do julgamento em questão. Deveriam expressar opinião jurídica objetiva, e não opinião política subjetiva.
6) A quem desejar fazer política, o lugar não é o Judiciário e o MP. Deveriam escolher um partido e se candidatar para deputado, pois o Parlamento é o campo para mudar a lei – mas sempre lembrando a eles que a Constituição é o limite do Legislativo, do Executivo e do Judiciário.
* Vanderlei Siraque, professor de Direito Constitucional e Introdução ao Estudo do Direito, é presidente do PCdoB Santo André