Vanessa Grazziotin: Prioridade é lutar para garantir eleições livres
Em Porto Alegre para participar do Seminário Educação sem Preconceito, promovido pela Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa, sob a liderança da deputada estadual e pré-candidata à Presidência Manuela D’Ávila, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) participou de um painel para debater políticas públicas capazes de adequar o ensino a uma sociedade plural.
Publicado 23/03/2018 12:15
Procuradora especial da Mulher do Senado Federal, Vanessa recebeu o Sul21 para uma conversa antes do evento, nesta quinta-feira (22). Além de questões referentes à educação dentro do cenário político atual, ela falou sobre a participação da mulher na sociedade e sobre a necessidade de lutar pela garantia das próximas eleições.
Vanessa afirma que, mesmo de forma lenta, a luta pela igualdade está sendo disseminada, assim como ideias de respeito e solidariedade. Crítica dos processos de privatização propostos pelo governo Temer, a senadora ainda citou os problemas vinculados à desestatização de empresas, o que descreve como resultado de um processo que serviu para “substituir ideias de país”.
Confira a entrevista completa:
Sul21: Hoje, a senhora palestra em um painel sobre escola sem preconceitos. Como podemos implementar políticas públicas que visam a igualdade na educação em um período que se discute projetos como o Escola sem Partido?
Vanessa Grazziotin: Pois é. Então veja, a gente teve um grande retrocesso na elaboração do PNE (Plano Nacional da Educação). Ele foi debatido nacionalmente, nos estados, nos municípios. Mas, no final, a grande discussão foi em torno daquela coisa louca de Escola sem Partido e de tirar da educação a perspectiva de gênero. Uma grande confusão. E veja, o que nós defendemos é educação sem discriminação. Eu acho que a primeira mensagem que a escola tem que deixar é relacionada ao respeito ao outro. A mensagem da solidariedade, do cultivo aos direitos humanos.
Então, a educação sob perspectiva de gênero tem esse objetivo: você não permitir que a educação forme pessoas que discriminem umas as outras. E discriminem por qualquer razão; raça, cor, opção sexual. E mesmo pela simples escolha de gênero. Se você é mulher você já é educada de uma forma diferente.
Como a senhora, enquanto mulher, percebe o contexto da educação atual?
Eu militei no movimento de mulheres por muito tempo. E [a educação] é uma grande batalha que nós temos. A luta pela igualdade, contra a discriminação tem várias facetas. Uma delas é a mais inter-relacional, em que a pessoa não forma sua característica, a sua personalidade, sozinha ou com a sua família. Ela forma com o convívio na sociedade. E a escola tem um papel importante. Então, se a escola, desde cedo, não começa a cultivar que é tarefa do menino lavar a louça, arrumar a cama… Se a gente não discutir isso na escola, dentro de casa será muito mais difícil, considerando que todos somos frutos do ambiente em que vivemos.
Mas daí você acaba criando esse ambiente em que a pessoa não entende sexualidades. E a imposição que recai sobre a mulher lhe leva a uma sobrecarga de trabalho grande e a um tratamento diferenciado e menos valorizado na sociedade. A mulher tem que saber que para ela ter um salário igual aos homens não basta estudar. Isso é insuficiente. Ela tem que lutar para viver nessa sociedade igualitária. E, no fundo, isso é fruto do nosso sistema capitalista. Então, é óbvio, as relações entre as pessoas ocorrem entre o capital e o trabalho. O capital sempre explora o trabalho. Só que a mulher é explorada duplamente. E é penalizada pelo fato de ser mulher. Penalizada pela maternidade. Até quando a gente vai aguentar isso?
Isso não é contraditório?
Você veja: justamente por ser capitalista, [o sistema] deveria valorizar – como fazem países mais desenvolvidos. Mas, justamente por serem desenvolvidos, eles podem praticar essa política, porque exploram países dependentes como o nosso. Aí, eles tiram a mais-valia, o excesso, para poder aplicar lá.
Gestantes, mulheres no puerpério, deveriam ter toda a proteção do Estado. E o capital deveria pagar por isso. Né? Ele estaria pagando pelo seu próprio futuro reprodutivo. Mas não, nós somos penalizadas.
E como é debater isso dentro do contexto político atual, que tem demonstrado aumento da criminalização dos direitos humanos e de movimentos sociais?
É muito difícil. E a gente está vendo o que está acontecendo com a Marielle [Franco, vereadora assassinada na última semana no Rio de Janeiro]. No fundo, é porque há muita gente que não fala o que falou aquela desembargadora, não escreve o que escreveu o deputado Alberto Fraga, mas que lá no seu íntimo pensa a mesma coisa, compartilha dessas opiniões. Opiniões que são mais radicais por conta dela ser negra, homossexual, de um partido de esquerda e lutar pelos direitos humanos.
Veja só como é perverso o mundo em que a gente vive. A crise é fruto do sistema. O sistema capitalista vive crises cíclicas. Mas eles [Grazziotin se refere às elites] conseguiram colocar a crise no colo das esquerdas, no colo dos progressistas. Até que a população entenda é demorado. Mas nós já começamos esse processo do retorno. Vejo por mim mesma – como eu andava na rua antes e como eu ando na rua hoje.
Como era antes e como é hoje?
Eu não andava. Antes era xingamento para tudo que era lado, lá na minha terra principalmente. E hoje não, mesmo as pessoas que eu conheço e sei que têm posicionamentos contrários respeitam. Veja o que está acontecendo com o ex-presidente Lula. As pessoas que não são a favor dele, das ideias dele, não precisavam ir atrás para fazer o que fazem. Com arma, né? Ostentando violência. Esse é o culto da violência e isso é muito perigoso. Mas acredito que, mesmo sendo um momento difícil, vamos passar por ele de forma mais rápida do que imaginamos.
Mas a senhora não acha que ideias violentas e agressivas têm sido disseminadas com impacto muito maior do que antes?
Claro. Sem dúvida. E o momento é propício. O momento do impeachment de Dilma foi algo muito engraçado. Ela não era só culpada pelo desemprego, por conta da dificuldade de desenvolvimento dos programas sociais… Ela era a culpada pela corrupção. E todos os que estavam do lado dela. Só que, entrou esse novo gestor do poder e as pessoas notaram que não era bem assim. Eles colocaram uma raposa para cuidar do galinheiro. A maior de todas as raposas. É sim um momento muito difícil. Mas não é só no Brasil que se vive isso.
Mas, agora, nós estamos diante de algumas revelações que exigem que façamos uma leitura correta. Como eles conseguiram centralizar essa culpa? Primeiro, porque naturalmente, quando se passa por uma crise, as pessoas já olham para o governo; a culpa é do governo. E, segundo, eles se aproveitaram de todos os meios de comunicação disponíveis. Não só dos meios tradicionais – esses a gente sabe como funcionam, o que defendem e quem defendem. Mas eles começaram a usar as redes.
Hoje está claro. Para quem pensa que [as jornadas de junho de] 2013 foram espontâneas, hoje está claro que não foi. […] A tecnologia proporcionou essas formas de comunicação para que se chegue ao poder. Mas isso não vai durar muito.
Outras pautas em discussão se referem à privatização de serviços públicos, como nas áreas de energia e saneamento. Como isso reflete no futuro do país e no governo atual?
Então, o golpe que vivemos não funcionou só para substituir pessoas ou partidos. O golpe é muito mais profundo; ele substitui projetos de país. Então todo aquele projeto do governo anterior está sendo colocado na lata do lixo e outro projeto está substituindo. A gente não ouvia falar de privatizações de setores estratégicos tão importantes. No máximo, se falava em privatizar aeroportos, concessões. Mas não recursos como o petróleo. O petróleo está sendo privatizado silenciosamente. A Petrobras está sendo destruída silenciosamente.
Sobre a Eletrobras, energia não é algo que se privatize. No Brasil, a base de geração de energia é hídrica. Nos Estados Unidos, são empresas estatais que cuidam da geração e distribuição de energia. E as hidrelétricas são monitoradas pelas forças armadas. Para você ver como é uma questão de segurança nacional. E eles são um modelo de democracia entre aspas.
Várias cidades estão fazendo o caminho inverso. Lá atrás eles privatizaram e agora estão re-estatizando. A gente sabe que uma empresa privada tem como objetivo o lucro, não é social. Por que o Estado tem que ter uma estatal e controlar certos segmentos da economia? Pra que ele tenha fonte de recurso para aplicar em prol do social e possa zelar por isso. Em Porto Alegre, por exemplo, você tem bairros em que as pessoas ganham bem, onde elas têm condições de pagar pelo custo da água, pelo custo do tratamento. Mas, e quando não tem dinheiro pra pagar? Elas vão ficar sem água? Vão. Pela ótica deles elas vão. […] Esse é o objetivo, concluírem o conjunto de medidas e reformas, pela força do desrespeito à Constituição, que os levaram ao poder.
Qual a sua prioridade, como senadora, em 2018?
Lamentavelmente, gostaria de dizer que a prioridade é aprovar um projeto antigo que tenho que propõe uma reforma no Imposto de Renda. Eu adoraria dizer isso. Mas a nossa prioridade no Congresso é lutar não por, é lutar contra. O momento é de muita dificuldade e a minha prioridade é lutar contra as reformas, mudar a reforma trabalhista. Lutar para garantir as eleições livres em outubro.