Sandra Helena de Souza: De volta para o futuro

Por *Sandra Helena de Souza

Manifestações denunciam farsa do golpe e chamam Fora Temer

Em primeiro lugar, fora Temer. Nesses já 53 dias de golpe de Estado em curso, é gigante a luta para barrá-lo com manifestações incansáveis, ora veementes, ora discretas, ora organizadas, ora espontâneas, dentro e fora do País, por artistas, intelectuais, políticos, juristas, profissionais liberais, jornalistas, militantes etc., nas ruas e nas redes sociais que, por vezes, observando apenas a narrativa da chamada mídia tradicional – aquela que colabora ativamente na consumação do ‘impeachment’ e na falsa aparência de legalidade –, tem-se a impressão de vivermos em realidades paralelas, que não esperam o infinito para se cruzarem.

Nem o mais empedernido dos golpistas (bem-pensantes e de má-consciência) já consegue denegar a realidade. Os bizarros acontecimentos da comissão especial no Senado, sob a presidência do STF, chegam a ser cansativos: um roteiro obrigatório a ser seguido com certo tédio, uma vez que todos já sabem qual deve ser o resultado. Ali, qualquer dúvida renitente mesmo depois dos áudios vazados por Machado com Jucá e Calheiros se dissipa facilmente e até Elio Gaspari, sim, ele novamente, escreveu no domingo passado que ‘Há Golpe’, uma coluna, a meu ver, menos de denúncia indignada e mais de cobrança sutil e alerta para a falta da legalidade evidente. Ele entende bem da matéria, afinal.

Certos de não vivermos mais em Estado de Direito – o Estado de Exceção se amplifica celeremente, a Constituição Cidadã é atacada com vileza inédita por todos os meios e sem pruridos – também se intenta compreender onde esse momento histórico encontra seu ponto de partida inflexivo e, não raro, chegamos todos à esfinge ‘junho de 2013’, que se regala em devorar-nos. Ali foi dito que o Brasil finalmente entrava no mapa global das massivas revoltas populares, as ‘primaveras’, que sacudiram o mundo desde a grande crise de 2008 e que não dá sinais de trégua, demonstrando-se uma das mais longevas do capitalismo histórico.

O caráter ‘desigual e combinado’ como cada país a atravessa fez com que aqui se calcificasse, no slogan ‘Sem Partido’, o mantra da desqualificação da política, urdido diuturnamente pelos setores conservadores, detentores dos oligopólios de comunicação, ao qual os governos pós-88, incluindo o tucano, não apenas não enfrentaram como não souberam oferecer narrativa, discurso, uma ‘imaginação’ emancipadora alternativa. Daí que das ruas sem partido (meu partido é meu país), onde se agrediam manifestantes com bandeiras, à Escola sem Partido ou Livre (supremo sarcasmo) quase não há atalhos.

A fragilidade descoberta de nossa institucionalidade jurídica guardiã – Lava Jato é emblemática – revela-se como avesso do nosso pouco apreço pela própria ideia-prática (práxica) de Democracia, incapazes que fomos de formar um mínimo consenso em torno dos valores de igualdade-equidade e liberdade. Raramente foi tão difícil encontrar modelos estrangeiros. A polarização desigual reacende mundo afora enquanto ainda é nossa verdade mais substancial, recrudescida nas novas gerações.

Não tá tranquilo nem favorável. E a esfinge de 2013 nos observa.

Apressemo-nos.


*Sandra Helena de Souza é professora de Filosofia da Unifor; membro do Instituto Latino Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia (ILAEDPD)

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