Agricultura familiar alimenta o Brasil
"Apesar da agricultura familiar representar 70% da alimentação colocada na mesa dos brasileiros todos os dias, o governo interino de Michel Temer, ao extinguir o Ministério do Desenvolvimento Agrário, sustenta uma política de deslegitimação do setor".
Publicado 30/06/2016 11:08 | Editado 04/03/2020 17:13
A constatação é do economista e mestre em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais, Juliano Fossá. Ele fez uma análise das consequências da extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Trata-se do primeiro ato executado pelo governo interino de Michel Temer, o que pode apontar o rumo que as políticas públicas conquistadas com muita luta podem tomar se esse governo se manter no comando do país.
“A extinção do Ministério e sua transformação em Secretaria é um retrocesso em termos de agricultura familiar”, afirma Juliano. Ele ressalta que, devido aos programas que existiam dentro do MDA, como os de aquisição de alimentos, o setor foi determinante para a retirada do país do mapa da fome.
O economista avalia que não apenas os agricultores familiares perdem com a extinção do Ministério, mas toda a sociedade, que era beneficiada com os produtos e alimentos resultantes das políticas de valorização do setor. “Basta você olhar para a nossa região, (Oeste de Santa Catarina) caracterizada por pequenos municípios que têm na base de sua economia a agricultura familiar”, expôs.
A luta dos agricultores e movimentos sociais que resultaram nas conquistas do setor foi desconsiderada com a extinção do MDA em 12 de maio desse ano pelo decreto 726. “A agricultura familiar foi para dentro do Ministério de Desenvolvimento Social, porque os grandes produtores do país enxergam o setor como política social e não como uma categoria produtiva”, analisa Juliano.
Devido à pressão do setor, em 30 de maio o governo interino publicou outro decreto, o 0780, retirando a agricultura familiar do Ministério de Desenvolvimento Social e levando-a para a Casa Civil. Na prática, para o economista, isso não muda em nada a situação. “Quando se joga a agricultura familiar para o MDS ou para a Casa Civil se desvaloriza as conquistas histórias dessa categoria. Essa transferência é uma deslegitimação que o governo interino assume diante da agricultura familiar”, finaliza Juliano.
Agricultura familiar produz mais com menos
Os recursos da agricultura familiar já não eram de um valor alto. Nesse ano foram destinados R$ 30 bilhões, o maior valor já investido no setor. Em contrapartida, o agronegócio recebeu R$ 800 bilhões.
Apesar de receber menos recursos, é a agricultura familiar quem mais alimenta os brasileiros: 70% da nossa alimentação vêm do setor. Das 5 milhões 175 mil propriedades rurais existentes no país, 4,3 milhões são familiares, de acordo com o senso de 2006, o último senso agrícola realizado.
De acordo com Juliano, essas propriedades familiares representam 84% das propriedades, mas possuem apenas 24% da área destinada à agricultura no país. A agricultura patronal ocupa 76% da área.
Em Santa Catarina, 87% das propriedades rurais são familiares, representando 43% do total da área. Já na região Oeste 89% das propriedades são familiares e ocupam 57% da área, sendo que o tamanho médio das propriedades é de 16 hectares. A diferença na ocupação da área no Estado, especialmente no Oeste, deve-se à venda de lotes durante a colonização no início do século XX, diz Juliano.
Características da agricultura familiar
Podemos diferenciar a agricultura familiar por três características básicas: Pequena propriedade; Mão de obra familiar; Diversificação da produção.
Além disso, o grande diferencial da agricultura familiar é a produção de alimentos saudáveis, visando a segurança alimentar. Já nos grandes latifúndios a cada 40 minutos um trabalhador rural morre devido ao grande uso de agrotóxicos, informa Juliano.
O processo de criação do MDA
No processo histórico de construção do país dois modelos de agricultura foram criados: um de grande latifúndio, representado pelos patrões, e outro de pequenos agricultores – o da agricultura familiar. Segundo o economista Juliano Fossá, nas décadas de 50 a 60 as políticas públicas foram direcionadas ao grande latifúndio, deixando os pequenos à margem.
Em 1963 foi criado o Estatuto da Terra, que tinha por base a reforma agrária. Em 1965 foi instituído o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), mas apenas o grande latifúndio tinha condições de acessar o crédito. “Os pequenos agricultores foram marginalizados do acesso, e aí começaram as lutas da agricultura familiar”, explica Juliano.
A partir da década de 60, portanto, os agricultores familiares passam a se organizar enquanto categoria, organizando suas pautas e lutando por elas. Entretanto, com o golpe militar de 64 não houve diálogos com o governo. Apenas em 1996 surge um marco para o setor, com a criação do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Foi a primeira política pública criada para o setor.
Em 1999 o Ministério Extraordinário de Política Fundiária passa a se chamar Ministério da Política Fundiária e Agricultura Familiar, já dando destaque para os pequenos produtores, lembra o economista. Já em 2002 a pasta é transformada em Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), pelo decreto presidencial 338.
No ano seguinte, 2003, a presidência da República define as competências do MDA. São três: reforma agrária, desenvolvimento sustentável da agricultura familiar e reconhecimento e regulamentação das terras quilombolas.
A partir daí surgem vários programas, como o de desenvolvimento sustentável dos territórios rurais; a política nacional de agroecologia e produção orgânica; programas de aquisição de alimentos e a habitação rural.