Ferguson pode provocar afastamento de Barack Obama
Os acontecimentos que suscitaram a crise em Ferguson são apenas “a ponta do iceberg”. São um sinal de existência de um tamanho nó de problemas sistêmicos que se acumularam na sociedade norte-americana, segundo opinam peritos. A situação nos arredores de Saint Louis se estabilizou após a intervenção da Guarda Nacional. Por quanto tempo irá durar a pausa?
Por Igor Siletsky, na Voz da Rússia
Publicado 29/11/2014 22:23
Os tumultos em Ferguson, estado de Missouri, se iniciaram em 25 de novembro. O descontentamento de habitantes locais teria sido provocado pela decisão do tribunal de júri de absolver o policial Darren Wilson que, em agosto de 2014, matara a tiro o adolescente Michael Brown, um afro-americano. Desta vez, as desordens se estenderam a outras regiões dos EUA, a saber, a 37 estados e muitos centros urbanos – Nova Iorque, Chicago, Filadélfia, Atlanta. Para o fim da semana em curso a situação se estabilizou, embora os habitantes de Ferguson se declarem dispostos a iniciar uma nova onda de protestos.
A crise ia amadurecer desde há muito. Por isso, um evento de pequena escala (a nível de país tão grande) passou a catalisar os processos perigosos latentes. É que o problema de desigualdade racial se coloca de forma extremamente aguda. Pode-se dizer que os EUA, “paladinos de paz e democracia”, não lograram solucionar problemas internos, anunciou o porta-voz do MRE da Rússia, Alexander Lukashevich:
“As pessoas que tentaram expressar sua posição civil viraram alvo de uma forte repressão policial. Uma implosão de descontentamento popular e uma reação desproporcional dos órgãos de segurança pública voltam a confirmar a tese de não se tratar de um incidente único ou raro, mas de defeitos graves inerentes à democracia norte-americana que falhou em superar uma profunda cisão racial, a discriminação e a desigualdade”.
O presidente dos EUA reconheceu que o problema dizer respeito não apenas a Ferguson, mas a todo o país. No entender de Barack Obama, “os acontecimentos demonstram que a desconfiança em relação aos órgãos policiais tem representando uma séria ameaça para a sociedade civil dos EUA”.
Todavia, não se trata apenas desse fator. Acresça a famigerada reforma do sistema de saúde pública e múltiplos problemas econômicos. As ações de protesto constituem um claro e evidente sinal para a administração: é necessário mudar alguma coisa, salienta o professor catedrático, Alexander Kubyshkin:
“Esse foi um desafio tanto para os democratas, como para Barack Obama. Na história dos EUA, ele é o primeiro presidente de origem negra. Os “cidadãos de cor”, as pessoas de origem asiática e latino-americana vêm constituindo um recurso eleitoral potente para o Partido Democrático e para Obama. Qualquer contradição no meio dos democratas, proporciona vantagens para os republicanos”.
Ao que parece, o atual motim contra o sistema político deficiente será esmagado. Os manifestantes têm se defrontar com a Guarda Nacional que usa gás lacrimogêneo e balas de borracha. Mas isso não poderá resolver o principal problema real, cujo perigo tem sido subestimado, sustenta o politólogo Alexei Martynov:
“ O sistema político dos EUA é tal que, nessas ocasiões, não se preveem outras receitas senão o recurso a ações de represália e repressão. Tudo isso poderá redundar em uma séria crise sistêmica interna, incluindo eventual resignação do presidente Obama”.
No momento, não obstante detenções em massa, o uso de canhões de água e balas de borracha, as ações de protesto não cessaram. E, a julgar por tudo, o governo terá muita dificuldade em acalmar os ânimos dos descontentes. Washington tem problemas não só com o seu próprio povo. Tem-nos nas relações com a Europa, a Rússia e com o resto do mundo.
*Articulista da emissora pública de rádio Voz da Rússia