As batalhas contra o silêncio cúmplice no Chile
As palavras de ordem de perdão e esquecimento tentaram se impor a vários países da América Latina, com o desejo expresso de virar a página dos crimes cometidos pelas ditaduras sob os auspícios da Operação Condor.
Publicado 23/11/2014 08:07
O Chile não foi exceção, mas na realidade a maioria de seus governos tentou trazer à luz a verdade e castigar os culpados do assassinato de mais de três mil pessoas, junto com os autores dos quase 1.300 presos-desparecidos.
Para falar destes e outros temas, o ministro chileno de Justiça, José Antonio Gómez, respondeu à Prensa Latina em um momento no qual se reativam processos contra políticos com passado obscuro.
No entanto, também não é uma tarefa fácil. Talvez no exterior se pense que a condenação à ditadura de Augusto Pinochet e ao golpe de 11 de setembro de 1973 é uma unanimidade no Chile.
Nada está mais distante da realidade. Notórios políticos de direita e partidos como a União Democrata Independente (UDI) e Renovação Nacional (RN) não escondem suas simpatias pelos correligionários acusados de fortes vínculos com os pinochetistas.
O ministro José Antonio Gómez foi enfático ao reconhecer que o Chile enfrenta com determinação o manto de silêncio que tenta ocultar os crimes da ditadura.
A respeito das perguntas feitas pela Prensa Latina em um café da manhã de trabalho com a mídia estrangeira, Gómez destacou que, não obstante, em um período de transição democrática de 24 anos, no Chile estão sendo investigados e condenados crimes de lesa- humanidade.
O titular se referia assim ao longo e escabroso processo da sociedade chilena depois do fim da sangrenta ditadura de Pinochet com o NÃO no plebiscito de 1988 e o retorno à democracia em 1990.
"Acho que apesar das travas e dificuldades, nossa nação tem avançado bastante e se intensificam investigações para divulgar a verdade e aplicar todo o peso da lei contra os transgressores dos direitos humanos", afirmou Gómez.
Ao aprofundar o panorama atual neste sentido, o titular sublinhou que os encarregados de promover esses processos não aplicam a lei de anistia "e existe ao mesmo tempo a vontade de aprofundar no caso dos torturadores com o mesmo nível de exigência".
Em torno da postura dos atuais altos comandos militares, o chefe da pasta de Justiça do governo de Michelle Bachelet enfatizou que se apoiam na projeção do 'Nunca Mais'.
Penso que o comandante em chefe do Exército quando se referia recentemente à inexistência de um clima como o anterior, pensava no fato de que nada do que aconteceu [antes] tem lugar na sociedade chilena atual, explicou.
O ministro assegurou que com respeito à prisão de Punta Peuco, divulgada pela mídia local como uma penitenciária de luxo onde se encontra entre outros o ex-general Manuel Contreras, foi adaptada às condições normais de uma prisão.
Na maioria dos países do mundo, os militares e a polícia cumprem suas penas em centros especiais que, como Punta Peuco, reúnem requisitos de segurança e guardam a mesma disciplina que o resto das prisões, acrescentou.
Contreras foi condenado a longas penas por vários delitos de crimes, desaparecimentos e torturas quando exercia o cargo de chefe da tenebrosa Direção Nacional de Inteligência (Dina) durante a ditadura pinochetista.
Por outro lado, Gómez comentou sobre as investigações dos arquivos secretos em Colonia Dignidad, um tipo de bunker fundado por imigrantes alemães que se prestou para torturas contra os presos políticos do regime de Pinochet.
Organizações defensoras dos direitos humanos asseguram que no Chile mais de 38 mil pessoas foram torturadas. São muitas as testemunhas excepcionais e há pouco tempo saíram à luz novas acusações contra políticos em exercício.
O expediente mais escandaloso é o de Christián Labbé, vinculado a crimes durante a ditadura de Augusto Pinochet.
Parlamentares de direita da UDI não esconderam seu apoio a Labbé, ex-prefeito da de Providencia, ex-coronel do exército, boina negra e colaborador permanente da Dina.
A juíza chilena Marianela Cifuentes ordenou a prisão, que foi depois revertida, para Labbé junto a outros nove ex-agentes, acusados de 13 casos de sequestro, tortura, morte e desaparecimento.
Os fatos ocorreram a partir de 11 de setembro de 1973 com o golpe liderado por Pinochet e nos primeiros meses de 1974 no regimento Texas Verdes, na comuna de San Antonio, segundo detalhou a justiça.
Felizmente existem no Chile poderes independentes que fazem valer a justiça, sublinhou o titular em torno deste capítulo e de outros como o de Colonia Dignidad, onde existem evidências de abuso de menores, tráfico de armas e violações.
No entanto, figuras como Alicia Lira, presidenta do Grupo de Familiares de Executados Políticos, considerou que processar os chamados "intocáveis", que se "escudam" em cargos públicos, é uma batalha longa e complexa.
Prensa Latina