Entrevista: Camilo Santana quer governar com todos
Em entrevista concedida ao jornal Diário do Nordeste e publicada nesta segunda-feira (17/11), o governador eleito Camilo Santana afirmou ter cobrado a participação de Lula na sua campanha e revelou querer governar com os correligionários. Ele defende a reforma política para corrigir vícios existentes na política e no âmbito interno dos partidos. Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Publicado 17/11/2014 10:35 | Editado 04/03/2020 16:26
Na campanha, o senhor disse que ia manter o que está bom e mudar o que não está bem. Hoje, o senhor já pode dizer o que é que está bom e o que é que não está bom?
A gente tem uma noção, dentro das políticas públicas, que tivemos avanços significativos na área de Educação. No Ceará, não tinha uma escola profissionalizante e já temos 107. O PAIC (Programa de Alfabetização na Idade Certa) foi um grande programa implantado no Estado. Inclusive, o PAIC foi transformado numa política nacional implantada pela presidenta Dilma. Na área de Saúde, ainda temos grandes problemas, que é a grande demanda da população. O Ceará avançou do ponto de vista de equipamentos: o Hospital do Cariri, o Hospital da Regional Norte, as policlínicas, as UPAs. Nós temos a conquista da Siderúrgica, que foi importante, o Cinturão das Águas. Os avanços que tivemos nas estradas. Mas nós temos áreas em que, por mais que houvesse o esforço do Estado de investir, como na área da Segurança pública, um problema que é hoje, talvez, o grande desafio do próximo Governo. A Cultura é um desafio também. A gente tem que dar uma sacudida na Cultura. Eu me comprometi, inclusive, investir um e meio por cento do Orçamento do Estado nessa área. Então, algumas áreas precisam melhorar e é isso que nós vamos procurar fazer.
Como o senhor vai se relacionar com as universidades estaduais ?
Me reuni com o comando de greve, reafirmei meu compromisso de fazer o concurso público no primeiro semestre de 2015 para as três universidades, mas não me comprometi com o número de vagas. Quero primeiro analisar os números do Estado. Eu sei da deficiência que há nessa área das universidades e pretendo, inclusive, em janeiro já receber as três categorias, tanto servidores, alunos e professores, para que a gente possa fazer um planejamento e uma discussão para os próximos quatro anos das universidades, sabendo sempre das limitações que o Estado tem em recursos. Sempre fui muito aberto e muito sincero em dizer que eu serei um governador de muito diálogo, mas muito sincero, colocando sempre as limitações que o Estado tem.
No segundo turno, o senhor se reuniu com várias categorias profissionais. Em todos os encontros, se comprometeu em ouvi-los. Como se dará esse processo?
Primeiro, a minha equipe terá a orientação de que sempre deverá estar com as portas abertas das secretarias para dialogar com os movimentos sociais, com os sindicatos e com as categorias. Nós vamos manter as mesas de negociações e eu sempre estarei disposto a me reunir com os segmentos, seja da saúde, seja da segurança e outros.
O senhor prometeu escolas de Cultura. Que tipo de escola é essa?
O modelo que a gente tem hoje de escola em tempo integral é no sentido de garantir uma profissão vocacionada por Região. Na escola profissionalizante, além de o aluno fazer um curso de ensino médio, faz a profissão de acordo com sua vocação. Na Cultura, você vai fazer o ensino médio e teatro, cinema, música. Vai trabalhar dentro dessa área.
Já temos um pouco mais de 100 escolas profissionalizantes e o senhor prometeu outras. Nós temos condições de ter essas escolas com qualidade?
Esse é o nosso desafio e a nossa meta. A ideia é que a gente possa transformar a escola de ensino médio em escola de tempo integral e profissionalizante. Com isso, nós vamos criar a oportunidade de capacita nossos jovens para o futuro e também uma forma de proteger esses jovens. Nós sabemos que o grande problema da violência não só no Ceará, mas no Brasil, se dá muito pela questão das drogas, principalmente o problema do crack.
O senhor promete construir outros dois grandes hospitais no Interior. Nós estamos precisando de mais equipamentos ou de uma boa gestão na saúde?
Nós temos que ter os equipamentos e melhorar mais a qualidade do atendimento. A única política que o Estado tinha era comprar ambulância, mandar para os municípios e, quando tinha um problema, mandava para Fortaleza. Então, o Hospital do Cariri, o Hospital da Região Norte e o Hospital de Quixeramobim formam uma rede de atenção terciária de alta complexidade que vai permitir ao cidadão do Interior que não precise mais se deslocar 200, 300 ou 400 quilômetros para ser atendido. Há uma reclamação na qualidade do atendimento, apesar de todos os equipamentos construídos serem modernos, confortáveis e dentro do padrão de qualquer equipamento particular. Minha ideia foi criar uma política de avaliação por nota da qualidade do atendimento.
Os hospitais regionais já elevaram os gastos de custeio em mais R$ 200 milhões em 2013. O Estado tem espaço para mais gastos?
Esse é o grande problema que nós vamos enfrentar a partir de 2015. Eu já tratei essa questão com a presidente Dilma. Eu pretendo fazer uma reunião com o Ministro da Saúde para exatamente levar os números mais consolidados do Estado. O Estado precisa não só aumentar o repasse de saúde do Governo Federal como aumentar a capacidade de custeio dele. Eu vou brigar muito com o Governo Federal para que a gente possa aumentar o repasse da saúde.
Quando é que nós cearenses podemos sonhar fazer um boletim de ocorrência às 23h ou às 4h da manhã em uma delegacia?
Primeiro, a gente precisa melhorar o boletim eletrônico. Você pode fazer até pela Internet, em casa. É uma forma de facilitar. Outra coisa que precisa ser feita é a própria viatura do Ronda fazer a ocorrência. Se eu tenho um problema em Horizonte ou em Pacajus, aquela equipe precisa se deslocar até Fortaleza. A delegacia 24 horas tem esse papel de funcionar para evitar que as equipes saiam do seu local de trabalho, onde estão fazendo as operações. A ideia é criar 22 delegacias 24 horas.
Na segunda-feira, o Tribunal de Contas do Estado vai entregar o diagnóstico do Ceará. Nesse relatório, há uma análise específica sobre o Ronda do Quarteirão. O senhor já afirmou que o programa se desvirtuou. Quais as razões para isso e como pode corrigir?
Acho que foi uma série de fatores e isso aconteceu a partir daquela paralisação dos policiais. Foi uma série de coisas, um pouco do formato, um pouco da execução do programa, um pouco da própria reação da categoria contra a divisão da Polícia. Talvez um pouco de diálogo com o próprio secretário na época. Eu pretendo fazer uma discussão, nesse tema da segurança, não só ouvindo os oficiais, mas ouvindo também a categoria para identificar e construir um novo momento na segurança do Ceará.
Qual é a política do senhor para o pessoal da administração pública?
Eu sou um servidor público federal. Sei da importância que é o servidor cumprir as metas e os objetivos de atender a população cearense. Nós vamos garantir que nenhum servidor público tenha perdas salariais. É um compromisso que assumi na campanha que, sempre que possível, o aumento real acima da inflação. E vamos sempre manter a mesa de diálogo com todos os segmentos. Existem hoje grandes gargalos em várias áreas do Governo. Falo por experiência própria. Fui secretário de Desenvolvimento Agrário e tinha engenheiro agrônomo que ganhava sei mil e outro que ganhava dois. Há distorções que precisam ser corrigidas e tudo isso tem um impacto.
O Estado tem um déficit crescente no seu Sistema Previdenciário. Em 2013, esse déficit chegou a R$ 1 bilhão. O que o senhor pretende fazer para resolver o problema?
Esse é um debate que precisa ser feito com muita sinceridade e transparência. Começa a tirar a capacidade que o Estado tem de investir na Saúde, na Educação, na Segurança. Então, durante a transição, esse é um dos temas que nós vamos tratar com a Secretaria do Planejamento e Secretaria da Fazenda para tomarmos as decisões. Esse é um processo em que se precisa tomar uma decisão antes que se torne irreversível e afete a capacidade de investimento nos serviços públicos do Estado e acabe por prejudicar o próprio servidor, quando ele mais precisar.
Das promessas que o senhor fez durante a campanha, quais são as prioridades já para o primeiro ano?
Eu estou enxergando que 2015 não será um ano fácil. Primeiro, pela expectativa nacional na economia e pelas dificuldades na questão da saúde. Então, o que eu pretendo fazer até o fim do ano é ter a realidade financeira do Estado na mão e, a partir disso, planejar quais são as ações que eu vou fazer no primeiro ano, no segundo e subsequentes. O Bilhete Único eu pretendo fazer no primeiro ano.
O senhor prometeu 100 mil casas do programa Minha Casa, Minha Vida. O Governo Federal acena com o corte de gastos da administração pública. Isso não o atemoriza a não cumprir a sua promessa?
Nós vamos brigar muito para cumprir. Hoje mesmo (sexta-feira) eu estive com o presidente da Caixa. Na segunda-feira, vou estar com o ministro das Cidades. Vou tratar do VLT. Vamos ter que ter aumento de recursos para concluir. Vou tratar da Ponte Estaiada, que é uma obra que precisa ter resolvidas algumas questões. Vou tratar do Minha Casa, Minha Vida para saber até qual é a expectativa de o Governo Federal lançar o Minha Casa, Minha Vida 3. Em 2 anos, nós conseguimos contratar 47 mil. Então, eu não vejo dificuldade em contratar mais 50 mil em quatro anos. Não acredito que a presidenta Dilma vá cortar projetos das áreas sociais.
Com esse aceno da economia nacional em 2015 e essas dificuldades que nós temos, o senhor tem algum choque de gestão em vista?
Vamos ter que cumprir algumas metas, inicialmente, de redução de gastos no Governo, de redução de pessoal e de outras situações. O primeiro ano vai ser um ano para se enxugar as despesas. Eu estou prevendo já mesmo sem saber os números. Vai ser um ano em que nós vamos ter que fazer muita economia para garantir não só que a gente possa cumprir nossas metas para os próximos quatro anos, mas também garantir o funcionamento principalmente dos equipamentos existentes
Onde o senhor começa a economizar?
Economizar em tudo. Exatamente no custeio, que hoje está muito alto. Estipular metas para cada secretaria sempre priorizando aqueles serviços que são essenciais à população, como Saúde, Educação e Segurança. Só vou poder traçar as metas a partir do momento em que eu tenha os números e a perspectiva de arrecadação do Estado para o próximo ano.
Me reuni com o comando de greve, reafirmei meu compromisso de fazer o concurso público no primeiro semestre de 2015 para as três universidades, só não me comprometi com o número de vagas
O primeiro ano vai ser um ano para se enxugar as despesas. Eu estou prevendo já mesmo sem saber os números. Vai ser um ano em que nós vamos ter que fazer muita economia para cumprir nossas metas
O que o senhor conversou com o ex-presidente Lula? Para o senhor, governador do PT, Lula não veio ao Ceará pedir votos. O senhor reclamou? Ele lhe pediu desculpas?
Entendi e compreendi que, durante o processo eleitoral, a presidenta Dilma tinha dois candidatos aqui, apesar de que o meu adversário nunca ter pedido voto para a presidenta Dilma. Nem no debate e nem na televisão. Mas não seria eu que iria exigir ou constranger não só a presidenta Dilma como o ex-presidente Lula. Eu entendi que, pela importância da eleição nacional, o Ceará tinha que ficar de fora da participação tanto de um quanto do outro. Cobrei muito a participação do Lula, mas quando passa a eleição e a gente ganha, a gente tem que pensar no futuro. Não dá mais para pensar no passado. Na conversa com o Lula, primeiro, foi ele quem me convidou. É um momento histórico para o PT, o primeiro governador do Ceará. (Na reunião, também foi abordada) a preocupação com a estrutura na gestão da Dilma, o resultado das urnas que foi apertado. Isso foi um recado que a população deu. (Ele prometeu) ajudar muito o nosso Governo no Ceará. De certa forma, mais uma vez justificou a ausência dele. Hoje a presidenta Dilma precisa muito do Senado e o PMDB é aliado, é parceiro do Governo Federal. Então, nós entendemos todas essas questões que ocorreram.
Com relação aos correligionários de Fortaleza, (alguns) não queriam que o senhor chegasse ao Poder.
Eu quero olhar para frente. Hoje (sexta-feira), tive uma reunião com a Executiva, pedi o apoio de todos, independente de divergências eleitorais ou políticas. O que está em jogo é o nome do partido, o projeto para o Ceará. Eu tenho uma grande responsabilidade e para mim é uma honra dirigir o Estado nos próximos quatro anos. Portanto, eu gosto de olhar para o futuro. Quero muito o apoio. Quando eu terminei a eleição, eu tirei dois milhões, 417 mil e 680 votos, mas eu vou ser o governador de todos os cearenses. Primeiro, eu quero unir os cearenses, unir as famílias cearenses. Dentro do partido, eu quero unir o meu partido, que todos me apoiem para que a gente possa fazer um grande Governo, uma grande gestão. Focada em resultados, focada na melhoria de vida das pessoas mais pobres do Estado.
Como estão as discussões com os correligionários do senhor sobre como será a posição do PT dentro do Governo do Estado?
Nós fomos eleitos pelo conjunto de 18 partidos e eu pretendo conversar com todos eles. Aliás, foi a primeira coisa que eu fiz depois da eleição. Foi chamar todos os partidos e fiz uma reunião com todos eles. A ideia é criar um conselho político e eu mesmo vou presidir esse conselho. Vamos nos reunir três vezes por ano para que possamos não só discutir espaço no Governo, mas que possamos discutir políticas, ações, avaliações. A nossa aliança foi programática. Eu não assumi com nenhum partido, nenhum cargo dentro do Governo. Vou ter muito critério na escolha. Claro que ninguém governa sozinho. Da mesma forma que eu tive os partidos na eleição, eu quero ter os partidos para governar o Estado. Com certeza o meu partido terá espaço, até porque o espaço mais importante já é do partido, comigo sendo o governador.
Quando o senhor se filiou ao PT, o PT era outro. Antes, as pessoas se filiavam ao PT por questões ideológicas. O PT se desvirtuou desse caminho. O senhor se sente confortável no PT como estava há algum tempo?
Acho que o PT é o maior partido não só em tamanho, mas é o maior partido do ponto de vista ideológico, do ponto de vista democrático. Filiado tem o mesmo poder dentro do partido que o presidente da República. Nós votamos para escolher nossos dirigentes municipais, estaduais, nacionais. Há um debate muito forte dentro do partido. É um partido orgânico. Considero o PT o maior partido da América Latina. Agora, tenho dito que acho que o partido precisa se reinventar para voltar um pouco a sua origem, a qual ele foi inicialmente criado. Quando o partido começa a crescer demais, ele começa a perder um pouco disso. Qualquer um que cometa qualquer desvio de conduta, precisa ser punido, penalizado. Hoje, qualquer pessoa entra no PT. Esse é um debate que está sendo feito internamente dentro do partido. Não sou só eu que defendo isso. O próprio presidente Lula defende também isso. O Governo ficou refém de alguns partidos, como o PMDB. Então, acho que a presidenta Dilma precisa fazer grandes reformas e precisamos fazer um reforma política nesse País.
O senhor acha que esse desgaste da imagem do PT dificultou a sua eleição?
Se fala muito de corrupção e eu considero que nenhum governo combateu tanto a corrupção como o governo que o PT tem feito neste País. O problema é que isso se tornou público. Isso abriu as portas de forma mais transparente, mas acho que a decisão da presidenta Dilma de ser muito firme nessa questão de combater a corrupção, de punir quem se desvirtuar, independente de ser do PT, independente de ser de qualquer partido é um novo momento que nós estamos vivendo no País. Então, eu acho que essa é uma lição que nós estamos dando no País. Essa é uma lição também que o próprio partido tem que assimilar. Corrupção na política existe e não é só de hoje. Nos países mais ricos você vê. O que é preciso ser feito é o combate, criar ferramentas que possam não só combater a corrupção, mas punir as pessoas. Claro que a grande mídia fez uma exposição muito forte e isso é ruim para a política. Dá uma imagem ruim para o PT, mas dá uma imagem negativa para a política como um todo. Hoje se cria partido para negociar, para meter a faca no pescoço de quem está no Poder, para barganhar, para ganhar tempo de televisão. Isso não existe. Os partidos têm que ter ideologia, têm que defender um projeto para a nação.
E o senhor concorda com esse posicionamento do governador Cid Gomes de defender fusões partidárias ?
O governador tem defendido uma tese de que é preciso enfrentar esse poder excessivo que hoje o PMDB tem dentro do Governo. Para isso, para que se possa fortalecer alguns partidos menores, é preciso juntar os partidos. Esse que tem a mesma proximidade de visão ideológica. Acho que isso é importante, mas o fundamental para o Brasil é a reforma política, é garantir o financiamento público de campanha. Enfim, é a gente poder criar um novo momento para esse País, porque estão difíceis as eleições da forma que estão acontecendo.
Fonte: Diário do Nordeste