A missão do Ipea na Venezuela
O jornal Folha de S. Paulo da quinta-feira, 10 de abril, publicou matéria intitulada “Filial do Ipea na Venezuela ignora crise e elogia governo”, assinada por Fabiano Maisonnave. Com ares de pretensa denúncia, o texto diz, entre outras coisas: “Única representação internacional do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a filial do órgão na Venezuela prioriza análises favoráveis ao chavismo e projetos de integração com o Brasil”.
Por Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais*
Publicado 15/04/2014 11:34
É público desde 2010 que o Ipea mantém um escritório – e não “filial” – dedicado a estudos e assessoria para tarefas de integração regional em Caracas. Não é essa a novidade da matéria. Trata-se de mais um capítulo de uma guerra ideológica que a imprensa busca fazer, principalmente em anos eleitorais. O roteiro é conhecido. Um jornal publica notícia, alguns sites repercutem e os parlamentares da oposição incorporam a pauta midiática. No mesmo dia em que a notícia foi publicada, ganhou espaço no blog de Reinaldo Azevedo e subsidiou a atuação política da oposição. No caso concreto, o deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), presidente da Comissão de Política Exterior e de Defesa Nacional e candidato à reeleição em outubro, subiu a tribuna e afirmou que a Missão do Ipea na Venezuela depõe contra a credibilidade do país. Ganhou espaço no site do partido.
O que está em pauta
A Missão do Ipea na Venezuela está em linha com a ampliação de atribuições adotadas pelo órgão nos últimos anos e com a política externa do Estado brasileiro. Na última década, o Brasil ampliou sua presença internacional. Mais de quarenta embaixadas foram abertas, o país estabeleceu contatos com novos parceiros comerciais, colocou-se como ator importante na seara política e econômica e tem peso decisivo na integração continental. Empresas como Petrobras, Banco do Brasil, Embraer, BNDES, Odebrecht, Camargo Correa e outras estão presentes em vários países da América Latina. Além disso, deixamos de ser receptores de iniciativas de cooperação internacional e nos tornamos ativos no quesito.
Nesse contexto, o Ipea criou, em 2009, a Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais (Dinte). Parte desse projeto era internacionalizar o raio de ação do Instituto, inicialmente com a instalação de escritórios na Venezuela, Argentina, Paraguai, Uruguai, China e Angola.
A primeira representação coube ao país que se tornou nosso segundo parceiro regional. É bom lembrar que a balança comercial entre Brasil e Venezuela aumentou de US$ 880 milhões/ano em 2003 para mais de US$ 6 bilhões/ano em 2013 e a Venezuela é responsável por um dos três principais superávits comerciais do Brasil desde 2007.
Representação qualificada
Para chefiar a representação foi escolhido um Técnico de Planejamento e Pesquisa, concursado do Ipea. Ele foi indicado em processo de seleção interno, aberto a todos os técnicos da instituição. Trata-se de Pedro Silva Barros, formado em Economia e em Direito pela USP, com doutorado no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina (Prolam/USP). Pedro também é professor licenciado do Departamento de Economia da PUC-SP.
Vale ressaltar que, além do Ipea, mantêm representação em Caracas a Embrapa, a Caixa Econômica Federal, a Polícia Federal, a ABIN, as três forças armadas e várias empresas privadas. Isso mostra claramente que a Venezuela é um país estratégico para o Brasil. São 1492 km de fronteiras com o pais que tem as maiores reservas de petróleo do mundo. Apesar da crise conjuntural que atravessa, a Venezuela se constitui em um enorme mercado potencial para produtos e serviços brasileiros. O maior interessado em sua estabilidade, depois dos próprios venezuelanos, é o Brasil.
Assim, a Missão do Ipea tem como único propósito apoiar as políticas do Estado brasileiro, entre as quais a de promover a integração regional.
Produção e pesquisa
Entre o segundo semestre de 2010 e os dias de hoje, o escritório do Ipea em Caracas já produziu dez relatórios específicos no âmbito da cooperação bilateral, com temas ligados à urbanização, indústria petroquímica, desenvolvimento na região da fronteira, integração produtiva e de infraestrutura entre os dois países, entre outros. A lista de atividades realizadas inclui ainda oito cursos sobre planejamento, políticas públicas e integração regional, editados dois livros (um no prelo), seis artigos e relatórios de pesquisa. Houve, além disso, participação em dezenas seminários, conferências, palestras e debates, congressos acadêmicos, reuniões de organizações internacionais e várias publicações em jornais, revistas e sites. A Missão do Ipea na Venezuela participou da delegação brasileira nas reuniões ministeriais preparatórias para a criação da Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe (Celac), em Caracas (2011), e integra a delegação brasileira junto ao Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) desde a reunião anual de 2010.
As pesquisas da Missão do Ipea na Venezuela priorizam claramente os temas econômicos, em sentido amplo, que aborda logística e infraestrutura, desenvolvimento urbano e da região de fronteira, integração produtiva e comércio. Um exemplo é o estudo sobre o Canal Cassiquiare, integração natural entre as bacias do Orinoco e Amazônica, que não seria feito se o escritório do Ipea não tivesse sido instalado em Caracas.
Temos um déficit no conhecimento sobre os nossos vizinhos. As responsabilidades que o Brasil assume como um global player, particularmente em sua atuação hemisférica, implica que as decisões de Estado estejam subsidiadas por estudos produzidos por suas múltiplas instituições, que devem ter inserção e presença internacional.
Portanto, a consolidação do escritório do Ipea na Venezuela é de interesse do Brasil. Oxalá que o sucesso da missão leve o Ipea a retomar o projeto de abertura de representações similares em outros países, em particular do Mercosul.
São Paulo, 14 de abril de 2014
Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)
*Fazem parte do GR-RI e assinam esta nota:
Adhemar Mineiro (Dieese), Adriano Campolina (AAid Brasil), Alexandre Barbosa (USP), André Calixtre (Ipea), Artur Henrique Silva (CUT), Atila Roque (Amnesty Intl.), Audo Faleiro (Assessoria PEB-Planalto), Augusto Juncal (MST), Bianca Suyama (Articulação Sul), Carlos Ruiz (UEPB), Carlos Tibúrcio (CCF), Cristina Pecequilo (Unifesp), Darlene Aparecida Testa (CUT), Deisy Ventura (USP), Dr. Rosinha (deputado federal), Fábio Balestro (SRI – RS), Fátima Mello (Fase), Fernando Santomauro (CRI-Guarulhos), Giorgio Romano (UFABC), Graciela Rodriguez (Equit), Iara Pietricovsky (Inesc), Igor Fuser (UFABC), Iole Ilíada (FPA), Jefferson Lima (JPT), João Felício (CUT), Joaquim Pinheiro (MST), Jocélio Drummond (ISP), Josué Medeiros (OPSA), Kjeld Jakobsen (Idecri), Leocir Rossa (FMG), Letícia Pinheiro (IRI-PUC RJ), Luiz Antonio de Carvalho (MMA), Luiz Dulci (I. Lula), Luiz Eduardo Melin (BNDES), Marcelo Zero (Liderança do PT no Senado), Marcos Cintra (IPEA), Maria Regina Soares de Lima (UERJ/OPSA), Maria Silvia Portella de Castro (CUT), Matilde Ribeiro (SEPPIR-PMSP), Michelle Ratton (FGV), Milton Rondó (Itamaraty), Moema Miranda (Ibase), Mónica Hirst (Universidad de Quilmes), Nalu Faria (SOF), Nathalie Beghin (INESC), Paulo Vannuchi (Instituto Lula), Pedro Bocca (MST), Rafael Freire (CSA), Renata Reis (MSF-Brasil), Ricardo Azevedo (Assessoria PEB-Planalto), Roberto Amaral (PSB), Ronaldo Carmona (USP), Rossana Rocha Reis (USP), Rubens Diniz (Iecint), Salem Nasser (FGV), Sebastião Velasco (Unicamp), Sérgio Godoy (FSA), Sergio Haddad (Ação Educativa), Silvio Caccia Bava (Instituto Polis), Terra Budini (SRI-PT), Tudi Lucilene Binsfeld (Contracs), Tullo Vigevani (Cedec), Valter Pomar (PT), Valter Sánchez (TVT), Ana Toni (GIP), Mauricio Santoro (AI-Brasil), Ricardo Alemão Abreu (SRI / PCdoB), Camila Asano (Conectas), Juliano Aragusuku (Unicamp), Gilberto Maringoni (UFABC), Vera Masagão (Ação Educativa), Vicente Trevas (SRI – Prefeitura SP).