Renato Rovai: Ana Estela Haddad, a prefeita da infância 

A primeira-dama de São Paulo, Ana Estela Haddad, tem realizado de forma silenciosa um trabalho estratégico não só para o governo do seu marido, Fernando Haddad, como também para o que considera ser o futuro da cidade. Ela não tem nem cargo remunerado ou secretaria, mas tem atuado num segmento que reúne 860 mil pessoas – as crianças de 0 a 6 anos. É ela quem coordena as ações de todas as secretarias para este segmento da população.

Por Renato Rovai, na Revista Fórum 

Ana Estela Haddad, a prefeita da infância - Foto: Fernando Pereira/Secom

E faz isso de forma conjugada com sua atuação de professora do Departamento de Odontologia da Universidade de São Paulo.

Numa conversa de mais de uma hora, Ana revelou à Fórum detalhes do programa que vem coordenando e reconheceu as dificuldades do primeiro ano de governo do seu marido, que se devem, para ela, ao fato de que “a gente não se comunicou à altura do que trabalhou”.

Fórum – A senhora tem uma história acadêmica, é professora pela USP e de repente se torna esposa de ministro e agora primeira-dama da cidade de São Paulo. Como tem sido essa experiência?
Ana Estela Haddad – Tem um certo estranhamento inicial, o papel de primeira-dama está mais ligado ao senso comum e um pouco imbuído de um caráter de acessório. É uma coisa que não condiz e nem combina com a posição atual que a mulher ocupa na sociedade. Claro que ainda falta muito para que todas as mulheres atinjam esse espaço, essa conquista. A gente tem ainda muitas situações difíceis a serem superadas, tanto que há uma secretaria municipal de políticas para as mulheres, tanto no plano nacional como no municipal. E os indicadores de violência ainda são complicados. Mas acho que há um papel a desempenhar neste cargo.

Fórum – Então é muito diferente a atual experiência da que a senhora viveu em Brasília?
Ana Estela – É diferente. Dos nove anos que passei em Brasília, dois estive no Ministério da Educação e sete no da Saúde. Nas duas situações, trabalhei como gestora, então você tem um cargo, responde por uma área técnica, conduz um processo político, administrativo e técnico e responde por aquilo. Claro que responde aos seus superiores, ao ministro, mas conduz aquele processo. O espaço que ocupo hoje tem uma natureza bem diferente. Hoje não ocupo um cargo no governo.

Fórum – E nem é remunerada pelo cargo que ocupa, certo?
Ana Estela – Não. Faço um trabalho voluntário. O prefeito assinou um decreto no primeiro semestre de 2013 para que pudesse compatibilizar essa atividade voluntária com a minha atuação profissional acadêmica, que tem todo um regramento. E esse regramento eu respeito e atuo dentro dele. A nossa opção foi para que eu permanecesse vinculada às minhas atividades acadêmicas e exercesse paralelamente um trabalho voluntário na prefeitura.

Esse trabalho tem duas naturezas. Uma é a de representação. Em muitos eventos a minha presença é importante e tenho que estar pronta para ajudar a representar de certa forma a cidade e o poder público municipal nesses espaços, e fazer isso da melhor forma possível. Por outro, o trabalho voluntário, e resolvi escolher para isso a temática da infância.

Entendo que esse espaço que ocupo não é mais executor da política. Quando você ocupa um cargo, executa a política, é responsável por sua execução. Esse espaço em que estou não é executor, tanto que não tenho uma estrutura executora comigo. Faço um trabalho voluntário e tenho uma pequena equipe.

Fórum – Não há um histórico machista nisso?
Ana Estela – Não sei. Poderíamos falar do contrário. Como seria se a presidenta Dilma tivesse um companheiro? Concordo que não faça sentido eu fazer parte do governo estruturalmente, com cargo, esse tipo de coisa. Por outro lado, é interessante contribuir, mas acho que também não há uma obrigatoriedade. Acho que cada um tem que se colocar com autenticidade dentro daquilo que acredita.

Fórum – Queria que você falasse um pouquinho do São Paulo Carinhosa, que o programa em que a senhora atua.
Ana Estela – Ah, legal. Estou voltando agora de uma agenda na Brasilândia, um dos territórios que a gente elegeu na São Paulo Carinhosa como prioritário para atuar. Nessa atividade, fiz uma conversa com as equipes de educação infantil de seis Emeis, os centros de educação infantil e as escolas municipais de educação infantil. Apresentei um pouco a proposta do São Paulo Carinhosa e a secretária adjunta de Educação estava junto. Depois fomos inaugurar uma creche – chamamos de creche, mas na verdade, no município, são CEIs. Tem uma concepção aí. As creches, antes da gestão da Marta Suplicy, eram para dar assistência no município. Eram lugares onde se cuidava das crianças, mas não havia um olhar educacional, pedagógico. A partir dessa transição das antigas creches, também há uma mudança de denominação, fui corrigida quanto a isso e já incorporei.

Mas, voltando para a política do São Paulo Carinhosa, a ideia é a gente pensar como é que tornamos a cidade mais solidária, mais humana, mais preparada para a questão da infância, em especial, da primeira infância, de 0 a 6 anos. Porque é um período muito próprio, muito único, intransferível da vida, em que as condições externas – sejam da família, da pessoa que cuida, das violências presenciadas – são muito críticas e têm potencial muito grande ao longo da vida dessa criança.

Tenho trabalhado muito identificando temas, porque a gestão pública, do ponto de vista de sua organização administrativa, é compartimentalizada. Ao ser compartimentalizada para dentro, ela começa a pensar os programas nessa estrutura. Mas quando você chega na ponta, onde está a população, as necessidades são complexas, combinadas e não têm essa compartimentalização. Tem uma ponte a ser feita. O prefeito pensa muito integrado, então, quando ele faz as reuniões, tem os comitês de gestão temáticos e, nos temáticos, sempre há várias secretarias trabalhando juntas, porque se pensa o trabalho de uma forma mais integrada e se melhora, em economia de escala, a utilização de recursos. Afinal, se cada um fizer tudo separado, precisa-se de mais recursos também.

O programa que está sendo feito na Cracolândia, De Braços Abertos, é conduzido pela Secretaria de Saúde, pela Assistência Social, pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano, de Direitos Humanos e outras que vão sendo chamadas. A Secretaria do Trabalho também está muito envolvida, com a questão da bolsa e da capacitação. Então, é um modelo de gestão que busca essa articulação. Faço isso, nesse mesmo modelo, com a temática da infância. Aí temos questões que perpassam a saúde, questões da educação que conversam com a saúde e com a assistência e assim por diante.

Fórum – São Paulo tem quantas crianças de 0 a 6 anos?
Ana Estela – São 860 mil, segundo o último censo a que a gente teve acesso. Que é o de 2011, se não me engano.

Fórum – Dessas, quantas você acha que passam por alguma situação de risco ou necessidade?
Ana Estela – Nós pegamos um mapeamento dessas 860 mil crianças pelo território da cidade, em uma pesquisa feita pela professora Aldaíza Sposati, que é o mapa da exclusão no município. E quando você pega o mapa da cidade, vê que os bairros centrais são mais envelhecidos e têm maior poder aquisitivo. Há uma concentração de crianças nessa faixa etária – e eu tenho esse recorte por distrito – no extremo leste e no extremo sul. E no norte tem a Brasilândia, por isso que escolhemos esse bairro com um dos que estamos atuando.

Escolhemos também o centro, pois é onde a cidade nasceu, tem um simbolismo importante e há uma concentração de população em situação de rua, imigrantes e um grande quantitativo de cortiços e crianças vivendo nesses locais, que são ambientes muitas vezes piores do que uma favela, do ponto de vista da exposição à violência, da desproteção e da falta completa de privacidade e de espaço para ela brincar. O cortiço é um lugar bem inóspito para a criança. E por isso são espaços que estamos trabalhando com a Subprefeitura da Sé e com a Secretaria de Habitação.

Cada tema que resolvemos trabalhar e abordar tem uma combinação de áreas que se conversam. Temos um comitê gestor do São Paulo Carinhosa, que coordeno, teve um decreto municipal que instituiu o programa. Ele tem 14 secretarias, no comitê completo. Mas cada temática acaba tendo um recorte e a gente procura trabalhar, em cada uma delas, com as áreas que têm pertencimento e que vão interagir.

A ideia da São Paulo Carinhosa é procurar garantir, para todas as crianças do município, os direitos básicos previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os demais distritos em que vamos trabalhar são Sé, Cidade Tiradentes, Guaianases, São Mateus e Iguatemi, na zona leste; Grajaú, principalmente, no extremo sul. Não vamos trabalhar com as 860 mil crianças porque não é necessário e é irreal, pois não são todas que precisam do poder público. E o poder público tem a obrigação de atender e cuidar de quem está desprotegido e vulnerável.

Vou citar o exemplo de uma ação que a gente já concretizou. Nós temos as crianças que estão em situação de abrigo, de 0 a 18 anos. São mais ou menos 3 mil que estão em abrigos municipais. Quando a gente chegou na prefeitura, no começo de 2013, tínhamos 80% dessas crianças fora da escola. E elas não têm uma mãe para ir pedir uma vaga em escola, por isso o Estado tem que se responsabilizar. Nós trabalhamos, conversamos com a Secretaria Municipal de Educação, que prontamente se debruçou sobre o problema, e com a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. E conseguimos resolver o problema.

Fórum – E em relação à fila das creches, há uma grande reclamação neste sentido?
Ana Estela – Em relação a creches atendemos 50% das que estão na faixa etária de 0 a 3 anos, que é o equivalente a 200 mil crianças. É uma taxa maior do que a da França, que atende 30%. Mas mesmo assim ainda temos uma fila imensa, de aproximadamente 100 mil crianças.

A fila tem duas questões: uma é que existe um sistema, o EOL (Escola Online), que atende por ordem cronológica de chegada. Muitas ações já foram tomadas pela Secretaria de Educação até para fazer uma melhor gestão da fila, porque há problemas neste sistema. O outro desafio é a judicialização da falta de vagas. Como é um direito adquirido legalmente, há mães que entram com uma liminar na Justiça e o promotor obriga, com essa liminar, que o gestor municipal de educação matricule aquela criança.

Fizemos um seminário para discutir isso no segundo semestre do ano passado com vários parceiros. O presidente da Undime, que representa os secretários municipais de Educação, assumiu fazer o seminário junto com São Paulo, que é o caso mais gritante pelos números. Nesse seminário, havia secretários de Educação do país inteiro, estava presente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o Ministério Público de São Paulo, trouxemos os gestores federais para expor as políticas sociais que estamos desenvolvendo.

O desenvolvimento não se limita ao direito à creche. Quando você fala de Bolsa Família, de Brasil Carinhoso, da política nacional de educação infantil, das emendas constitucionais, constata-se que todas as ações injetaram recursos para isso a partir de 2007, 2008. O direito adquirido está na Constituição, mas direito adquirido sem recurso destinado não faz milagre. É necessário um tempo para o Executivo se ajustar, e é isso que o Judiciário intransigentemente não aceita. Quando você matricula a criança por liminar, rompe-se com a fila cronológica e com a garantia da equidade. Afinal, não necessariamente quem teve acesso à vaga pela liminar é o mais necessitado.

E, nesse sentido, São Paulo tomou uma posição corajosa. A Secretaria Municipal de Educação fez uma portaria no ano passado que prevê uma espécie de priorização social. Nós já conseguimos praticamente zerar as crianças abrigadas. Quase todas estão matriculadas e fizemos o mesmo com as crianças do Bolsa Família.

Existe uma fila e é criada uma cota social dentro dessa fila. É óbvio, do ponto de vista do desenvolvimento integral infantil, que a criança que vive num meio social e familiar de maior vulnerabilidade está muito mais exposta às dificuldades e adversidades para ter um bom desenvolvimento integral do que uma criança que tem uma situação melhor. Há muitas situações em que a mãe é sozinha, é adolescente, tem baixa escolaridade, e, para essas crianças, a falta da creche é muito mais crítica.

Ano passado, passei uma semana em um centro de desenvolvimento infantil em Harvard. Na ocasião, tive oportunidade de visitar o departamento de saúde pública de Massachussetts. Lá, a taxa de atendimento da creche também é bem menor do que a nossa, em torno de 25%, sendo que 30%, internacionalmente, é considerado uma taxa ótima. O atendimento prioriza as famílias mais pobres, imigrantes. Há também uma outra questão: eles pegam os melhores professores e os capacitam muito para a educação infantil. Ou seja, os melhores profissionais trabalham para a educação infantil, porque eles dão valor a essa etapa do desenvolvimento e sabem o quanto ela é estratégica e crítica.

Fórum – Na prática, você está assumindo um segmento da cidade. Do ponto de políticas públicas. O de crianças de 0 a 6 anos, imagino que não seja um desafio simples…

Ana Estela – Acho que é importante não só cuidar desse segmento como política pública, mas trazer para a sociedade essa questão e refletir sobre como a nossa cidade encara e valora socialmente a questão e importância da infância. Nós fizemos, no ano passado, o Ser Mãe em São Paulo. As secretarias montaram, no Anhangabaú, várias tendas com serviços de saúde, educação, assistência, teve uma área de lazer, e nós fizemos um debate. A Secretaria de Direito Humanos identificou mães nas mais diferentes situações. Depois, acabei escrevendo um artigo na Folha de S. Paulo, “Ser Mãe na Diversidade e na Adversidade”, contando um pouco como a gente exige da mãe um papel, carimba a maternidade com uma certa santidade, mas a sociedade muitas vezes não oferece a ela as condições para que exerça essa maternidade. A gravidez aconteceu, mas ela teve a oportunidade de fazer um planejamento familiar? Ela foi uma criança abusada, como quase nunca se fala, mas acontece? Ela teve esse filho sozinha? Como está o pai nesse processo?

Estamos começando a fazer um trabalho de visitas domiciliares, porque recebemos um recurso do Ministério da Saúde e estamos priorizando a infância. Na zona sul, a gente tem um indicador que aponta o aumento da incidência de sífilis congênita, uma DST que, se não tratada pela gestante no início da gravidez, pode trazer consequências terríveis para a criança, como surdez. Os profissionais da saúde atendiam a mãe no pré-natal, mas às vezes os parceiros não vinham, por isso, apesar do tratamento, ela se reinfectava. Com isso, eles começaram a fazer o pré-natal do pai já no começo da gravidez. Os profissionais fazem o teste no pai e o tratam, mas estão aproveitando a experiência para estimular o vínculo paternal com o bebê desde a gestação. O contato do pai com o bebê aumenta o vínculo, diminui a violência contra a criança, desperta nesse pai aquilo que socialmente já se espera da mãe, mas que não está dentre os requisitos de masculinidade. Para dar visibilidade a uma experiência como esse, só multiplicando. E tem outras, em cada local, vemos uma coisa muito bonita acontecendo.

Fórum – Tem sido feito um catalogamento dessas experiências?
Ana Estela – Sim, temos feito e temos, também, uma plataforma que será lançada agora em abril. Nesse portal, há vários espaços, um deles, inclusive, para as crianças – o espaço de vocalização. Precisamos ouvir as crianças.

É tão rico, há tanta sabedoria ali colocada, tanta coisa que esquecemos, mas é essencial. Estamos pensando como vamos facilitar e mediar esse processo, mas pretendemos que esse espaço seja uma plataforma mesmo de divulgação de experiências bem-sucedidas no município, no resto do país, no mundo.

Fórum – E a relação com a mídia. Tem sido mais difícil do que em Brasília?
Ana Estela – Não acho que seja mais difícil, mas tem uma natureza diferente. Lá, em Brasília, as crises são muitas e enormes também. A diferença é que, aqui, em uma experiência de prefeitura, você está dentro do processo. Não tem nenhum afastamento do espaço da crise. Na cidade, você está totalmente dentro dela, imerso. De certa maneira, as figuras da prefeitura e do prefeito se misturam e ele acaba levando culpa por tudo. A mulher e a família do prefeito levam um pouco dessa culpa também, nesse sentido.

Por isso eu vejo um desafio muito grande de comunicar. Quando estamos em espaços internos e fazemos reuniões, por exemplo, de balanço da gestão e do que aconteceu no primeiro ano de prefeitura, vemos que aconteceu muita coisa. Mas temos dois desafios grandes: um é o tamanho de São Paulo, que dificulta que uma ação apareça. O outro é a dificuldade de comunicação, de conseguir se comunicar com a população em relação ao que tem sido feito. Acho que tem muita gente que arregaça a manga e vai fazer a sua parte, que exerce sua cidadania de forma exemplar, embora não se dê visibilidade para isso. Mas tem, também, uma postura vocalizada nas redes, na grande mídia, que culpabiliza de antemão o poder público. Ou seja, o poder público passa a ter o ônus de provar que é inocente, antes de mais nada.

Vou dar um exemplo relacionado à minha atividade profissional. Sou professora, dou aula em universidades, para graduação e pós-graduação. Na pós, a gente trabalha para formar futuros docentes, ou, então, dá aula para docentes que estão fazendo seu mestrado e doutorado. Quando começo essa disciplina que se chama Docência Universitária, pergunto pro pessoal quem conhece ou já leu as diretrizes nacionais dos cursos de odontologia [Ana é formada em odontologia e é professora associada do Departamento de Ortodontia e Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP)], e um ou dois, quando muito, levantam a mão. Então, você passou por um curso de graduação, se formou, foi fazer uma pós e, enquanto está lá, ou já é professor, ou vai ser, e não leu as diretrizes curriculares do seu curso, nem sabe que isso existe. Ainda assim, critica rapidamente a falta da qualidade, o crescimento do número de vagas. Você entra no senso comum, faz a crítica mas não se apropria do que está criticando.

Fórum – O debate político, na sua opinião, está se dando pelo senso comum?
Ana Estela – A gente precisa fazer um esforço para mudar isso. Por exemplo, a Secretaria Municipal de Educação tem um programa muito bom. Hoje cheguei a um evento e fui recebida pela imprensa jovem. Eles têm até um uniforme. São crianças de menos de 6 anos de idade – devem ter uns 4, 5 anos. E quando cheguei eles estavam com uma prancheta e com um celular para gravar a entrevista. Me perguntaram se podiam me entrevistar, com uma postura adulta e respeitosa. A prancheta tinha imagens minhas. Tanto é que eles olharam para mim, olharam para as imagens e me identificaram. Eles fizeram boas perguntas e ainda gravaram. Eles ficam encarregados de depois escrever matérias. Acho que com este tipo de ação estamos formando cidadãos um pouco diferentes.

Fórum – Na campanha, o prefeito Fernando Haddad disse que os empregos precisavam ser criados nos próprios bairros onde as pessoas vivem. O que tem sido feito para que isso aconteça? Porque isso também melhoraria a vida do pai e da mãe que têm crianças.
Ana Estela – O Plano Diretor está na Câmara Municipal para ser votado. Ele pensa a cidade não para uma gestão, mas em um planejamento de dez anos, o que há tempos não acontecia. Nosso crescimento foi caótico e é impossível tirar esses anos de atraso em um só ano, não há medida mágica capaz de fazer isso. Mas a prefeitura tem trabalhado nesse sentido, por exemplo, com o estímulo de redução de impostos para empresas que resolvem se instalar em regiões mais distantes, onde há a necessidade de se criar empregos.

Temos construído um processo bastante participativo. Em relação ao plano de metas da prefeitura, por exemplo, foram realizadas mais de 100 audiências públicas em todos os distritos, em todas as subprefeituras da cidade. O plano acabou por receber mais de 10 mil contribuições que foram lidas uma por uma e foi incorporado o maior número delas possível. O trabalho que teve a secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leda Paulani, junto à sua equipe para construir esse processo participativo foi insano. E ela diz sempre que o plano melhorou por conta disso.

A prefeitura agora, pela primeira vez, elegeu mais de mil conselheiros da cidade, que são pessoas de todas as linhas de pensamento que vão ajudar nesse tipo de processo. Em uma cidade como São Paulo, qualquer gestão tem que ser representativa da sociedade. Esses movimentos de ir para a rua têm um pouco desse espírito, dessa necessidade de participação, de pertencimento. Acho que é isso que precisamos construir.

Fórum – A que fatores a senhora atribui as dificuldades enfrentadas nesse primeiro ano de governo? E ao que a senhora atribui essa avaliação tão dura da gestão que tem sido feita pela população nas pesquisas?
Ana Estela – Em todo primeiro governo, o primeiro ano de gestão é feito sobre o que foi aprovado pela gestão anterior. Orçamento, por exemplo. Então, muita coisa foi difícil do ponto administrativo, mesmo assim, muito trabalho foi feito.

Além disso, tivemos um movimento no país de grandes proporções no último ano, cujo estopim foi em São Paulo. Mas estamos trabalhado muito. A questão é que eu acho que a gente não se comunicou à altura do que trabalhou.

Fórum – Qual a sua expectativa no que diz respeito ao seu trabalho? Qual é seu maior objetivo? Por exemplo, o que a senhora pretende entregar em 2016 em relação a essa questão da fila das creches?
Ana Estela – Essa é uma questão que tem muito menos objetivos e vontades pessoais minhas, até porque faço um trabalho voluntário e coadjuvante. Eu gostaria muito de ver a cidade, no fim dessa gestão, independentemente do que ela conseguir conquistar, avançar em vários sentidos: ter mais corredores de ônibus, mais moradia, um Plano Diretor, organização, a saúde funcionando bem, as mudanças que estão sendo feitas na educação sendo devidamente valoradas e incorporadas pelos pais, pelos professores. Tudo isso é muito importante, mas, se eu fosse resumir, queria que cada paulistano pudesse se sentir amando a cidade, com um sentimento de pertencimento a algo maior. E que o sentimento do bem coletivo passasse a ter mais importância do que tem hoje.

Me lembro de ouvir a professora Marilena Chauí contando de uma situação vivida por ela, uma vez, descendo do carro e entrando no caixa eletrônico. Ela contava de uma briga por estacionamento. Acho que ainda impera em nossa mentalidade o direito individual sobre o coletivo. Queria que vivêssemos em uma cidade onde uma criança que está na rua, largada, fosse problema de todo mundo que passa, e não só do pai que ela não tem. O valor à infância também é um resgate aos valores humanos, de solidariedade, de participação, de pertencimento.

Queria que a cidade tivesse mais disso. Se isso ocorrer, independentemente do que tiver conquistado do ponto de vista prático, acho que estarei muito feliz. 

*Renato Rovai é editor da Revista Fórum