Luciano Siqueira: Partido leninista; concessão ou ousadia?
Diversas abordagens têm comparecido a esta Tribuna de Debates acerca de um tema permanente entre os comunistas: o caráter do nosso Partido. Isto sob o impacto da realidade concreta – vale dizer, das circunstâncias atuais da luta de classes no mundo e no Brasil; e do conteúdo e da forma como o Partido Comunista do Brasil peleja nessas circunstâncias,
Por Luciano Siqueira*
Publicado 10/10/2013 11:46 | Editado 13/12/2019 03:30
Embora em alguns textos publicados seus autores procurem acentuar o que consideram "princípios" pétreos de inspiração leninista, supostamente ameaçados na evolução do Partido no último decênio; e assim, nos argumentos apresentados, façam alusões a atributos tais como unidade, coesão, disciplina, consciência teórica e ideológica, etc. (que necessitariam ser defendidos e preservados), na essência é a linha política que se põe em causa. Melhor dizendo, pela via supostamente estrita à linha de construção partidária, questiona-se a essência da opção estratégica e tática que o PCdoB adotou desde a 9° Conferência Nacional.
Naquela reunião – um dos marcos do desenvolvimento teórico e político recente do PCdoB – deu-se uma decisão de extraordinária envergadura. Até então, o pensamento tático do Partido em relação à participação em governos – no governo central do país, especialmente – mantinha-se essencialmente preso à formulação de George Dmitrov em seu célebre informe ao 7° Congresso da Internacional Comunista, em agosto de 1935. Segundo Dmitrov – corretamente, naquela conjuntura -, os comunistas só deveriam integrar governos sob Estados burgueses, em regime de coalizão e na condição de aliados não-hegemônicos, em situação caracterizadamente revolucionária. Ou seja, na expressão de Lênin, "quando os de baixo não mais suportam ser governados como antes, nem os que governam conseguem prosseguir governando como o fazem". O Partido Comunista, então, entraria no governo de coalizão no intuito do apressar a derrocada do Estado burguês.
Ora, o Brasil dos nossos dias está muito longe de se configurar como "situação revolucionária". Antes, se insere na conjuntura mundial de "defensiva estratégica", decorrente da derrocada da ex-URSS e dos estados democráticos do Leste da Europa, em que a correlação de forças passou favorecer francamente o imperialismo e seus aliados. A iniciativa ainda é da reação, a despeito do crescimento gradativo da resistência dos povos.
O PCdoB entende que estamos diante de uma conjuntura mundial e brasileira que nos impõe prolongado processo de acumulação de forças tendo em vista reunir condições para, adiante, realizar a contra-ofensiva revolucionária.
Nesse cenário, cabe ao partido comunista revolucionário fiel as postulados fundantes leninistas encarar a luta de classes em todas as suas dimensões e formas – entre as quais, no ambiente de governos onde estão presentes forças políticas progressistas. Caso atual do Brasil e vários países da América Latina.
Daí a assertiva constante da resolução política da 9° Conferência Nacional acerca das três linhas fundamentais de acúmulo da construção partidária – isto é, três instâncias concretas da luta de classes: a luta social de massas, a luta de ideias e a luta institucional. Assertiva referendada nos Congressos partidários que se sucederam e, certamente, consolidada neste 13° Congresso.
De fato, como assinala a Tese 1, com justeza, “o Partido passou, nos últimos doze anos, por forte processo inovador de caminhos e modos para constituir-se como um partido comunista de classe, popular e de massas, de quadros e militantes regidos pelo centralismo democrático.” Enfrentou o desafio de “firmar a concepção de permanência de princípios e identidade comunista, renovação de concepções e práticas com base em um caminho próprio para o socialismo, e abertura para ampliar as fileiras partidárias e falar a toda a sociedade. Enfim, um partido de caráter leninista contemporâneo”.
Nessa linha, a construção partidária foi concebida e implementada “em funcionalidade com a política, derivada dela, e também com uma linha de estruturação ideológica, organizativa e material bem definida”.
Os resultados são inquestionavelmente expressivos, tanto na ampliação da influência e da autoridade política do Partido, como no domínio das peculiaridades da formação econômica, social, política, cultural e histórica da sociedade brasileira, na expansão de suas fileiras militantes, da sua presença em múltiplas frentes de luta e dos seus vínculos políticos e orgânicos com os trabalhadores e as massas populares.
Isto sem descuidar das vissitudes inerentes às singularidades atuais da luta política e da inserção do Partido nela, que se refletem, em certa medida, “na forma de liberalismo que afrouxa compromissos, pragmatismo que leva a perder de vista os objetivos permanentes em prol do imediato; no corporativismo, que limita os horizontes de formulação de um pensamento político” e também, em igual medida, “no dogmatismo, que leva a uma postura defensiva frente às mudanças.”
Postas essas considerações, a opção estratégica e tática do PCdoB, assim como sua linha de construção partidária, na atualidade, longe de significar concessão, é verdadeiramente, ato de ousadia. O PCdoB não se intimida e trava a luta de classes nas diversas esferas em que se apresenta, sem recusar nenhuma delas a título de se preservar (sic) contra influências ideológicas perniciosas; antes arrostando-as com destemor, descortino e autoconfiança. Trava a luta no nível em que ela se coloca, explorando toda a radicalidade que ela encerra. Afirma, assim, na contemporaneidade, o seu caráter leninista.
* Luciano Siqueira é Militante do PCdoB em Pernambuco e membro do Comitê Central.