Arruda Bastos: O Ceará e uma nova política de Estado para a saúde
"Com um novo modelo de gestão e mais acesso popular, o Ceará construiu uma nova política de Estado para a saúde". A afirmação é do médico Arruda Bastos, que deixou a Secretaria de Saúde do Governo do Estado do Ceará, após quase sete anos de dedicação à pasta. Inicialmente como secretário executivo, a partir de janeiro de 2007, quando o hoje deputado federal João Ananias, companheiro de PCdoB, assumiu a Secretaria de Saúde do Ceará. Depois como secretário, de abril de 2010 até setembro último.
Publicado 10/10/2013 14:30 | Editado 04/03/2020 16:27
Em setembro, Arruda foi sucedido pelo ex-governador Ciro Gomes, na reforma do secretariado em que o governador Cid Gomes substituiu os gestores que têm planos de disputar as eleições de 2014. "A gestão na SESA foi um período de muitos desafios, inúmeras batalhas, mas felizmente também um período sem crises institucionais e com muitas conquistas, ações novas e importantes para a saúde no Ceará e no Brasil", destaca Arruda Bastos, que se acostumou a receber secretários de saúde de outros estados, interessados em compreender e reproduzir as boas experiências da SESA. Em entrevista, ele passa em revista as ações desse período de trabalho junto ao governador Cid Gomes, que deu prioridade à saúde e viabilizou o processo de expansão da rede de saúde em Fortaleza e no Interior do Ceará (desde as policlínicas até os grandes hospitais regionais), a construção de um novo modelo de gestão (com os consórcios públicos), a melhoria de todos os indicadores, a implantação de uma cultura de transparência e diálogo e o embasamento legal de uma nova política de Estado para a saúde. Confira:
Quais foram as primeiras ações, ao assumir o desafio de gerir a Secretaria de Saúde, inicialmente como secretário executivo, na gestão do secretário João Ananias?
Eu e João Ananias trabalhamos juntos e tivemos a preocupação inicial de fazer uma avaliação bem completa, tanto da Secretaria de Saúde na sua gestão central, como na rede assistencial, que é o que aparece mais pra população. Atrás dessa rede assistencial, tem toda uma estrutura administrativa. A primeira coisa que demos conta foi de criar setores estratégicos, como gestão de pessoas, recursos humanos, capacitação de servidores, gestão de assistência farmacêutica, gestão de projetos estratégicos, o setor de urgência e emergência, uma superintendência para apoio à rede de unidades, o gerenciamento das novas e modernas ferramentas criadas pelo governo Cid, como o Mapp (monitoramento de ações e projetos, implantado pelo Governo do Estado para todas as secretarias) e o Programa de Cooperação Federativa (PCF), que eram novos. Precisávamos ter setores na Secretaria para isso. Setores como a nova Central de Transplantes, para que, com toda a generosidade do povo do Ceará, pudéssemos aumentar a captação de órgãos, realizar mais transplantes e diminuir as filas que muitas vezes faziam com que o indivíduo morresse na espera por um órgão. Criamos uma nova Central de Leitos, que hoje viabiliza o funcionamento de hospitais no Interior. Também um Núcleo para planejar as compras, para que elas fossem mais eficientes, tivessem custo menor. Tivemos de reestruturar a política de saúde e preparar o Estado para receber os novos investimentos. E, acompanhando isso, tivemos as reformas estruturais da própria SESA. Recuperamos praticamente toda a sede da Secretaria de Saúde, que hoje é reconhecida pela condição que demos ao servidor, com infraestrutura, novos blocos, restaurante. Preparamos essa estrutura para suportar o aumento enorme da rede, que estava por vir. Construímos o alicerce para essa expansão.
Quanto à gestão de pessoal, qual foi a diretriz?
A forma como foi definida a ocupação de cargos foi uma mudança muito importante. Não adianta ter essa estrutura e não colocar as pessoas certas nos lugares certos. Começamos a fazer seleção para cargos vitais, como as coordenadorias regionais de saúde, que historicamente eram ligadas a pessoas de feudos políticos. Fizemos seleção e capacitação para gestores e colaboradores. Substituímos diretores antigos, por outros que fizeram a seleção para essa função. Promovemos cursos de capacitação e seleção de diretores dos futuros equipamentos, como os CEOs (Centros de Especialidades Odontológicas) e as Policlínicas. São pessoa que passaram na seleção, e quando se inaugura uma Policlínica, por exemplo, são chamadas para atuar. A Escoa de Saúde Pública foi reestruturada e passou a comandar essa seleção de gestores e de servidores. Durante um período, acumulei as funções de secretário executivo da SESA e de superintendente da Escola de Saúde Pública. Foi uma experiência muito valiosa e que confirmou, para mim, o valor da ESP para a saúde pública no Ceará. Também criamos a Coordenação de Gestão de Trabalho, Educação e Saúde (CGTES), passando a valorizar o servidor público, convocando todos os concursados da Secretaria, fazendo sempre seleção pública para os consórcios, implantando o Plano de Cargos, Carreiras e Salários para os médicos, os odontólogos, os profissionais de nível médio, que ainda necessitam de adequações, e deixando pronto para implantação o PCCS dos demais profissionais de nível superior, além de um novo concurso para profissionais de saúde no Estado.
Um dos maiores desafios em relação à saúde pública é o modelo de gestão, a necessidade de atender as demandas da população, com recursos limitados por parte do Estado e sem esbarrar em impedimentos legais, formais, típicos da própria natureza jurídica do Estado e do serviço público. De que forma o senhor lidou com essa questão?
Conseguimos vencer esse desafio através de uma ação que vai ser decisiva e ficar na história da saúde pública do Ceará, que foi a adoção de um novo modelo de gestão para o Estado, com os consórcios públicos de saúde, uma proposta do João Ananias. À época, os profissionais de saúde tinham muito receio em relação a possibilidades de privatização, de adoção de fundações estatais de direito privado… E nós propusemos a criação de consórcios públicos de saúde, regionais, para gerir os novos equipamentos. Eu mesmo viajei praticamente o Brasil todo, à cata de informações, e trouxemos aqui os maiores especialistas nessa área. E propusemos ao governador a adoção desse modelo, que hoje é o que viabiliza o funcionamento de todos os CEOs, das policlínicas e de algumas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), e também a regionalização e ampliação do SAMU (Serviço de Atendimento Médico de Urgência). Esse modelo foi todo embasado legalmente, muito bem fundamentado juridicamente, criado por lei na Assembleia e com a adesão dos prefeitos, mediante criação de leis municipais. Criamos assim uma política de Estado, para além de uma política de governo. Essa modelo se tornou referência para o Brasil. Já o apresentamos no Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), na Organização Panamericana de Saúde (OPAS), em congressos e seminários no Brasil e em diversas ocasiões no exterior. Junto com esse aprimoramento da gestão de recursos humanos e com os consórcios públicos de saúde, aprimoramos e ampliamos o Conselho Gestor da SESA, formado por todas as Coordenadorias da Secretaria e por assessores. O conselho se reúne semanalmente pra tratar do que existe de mais importante, em termos de saúde pública no Estado. O controle social também ganhou mais independência e capacitação, com a mudança, através de lei, que permitiu que qualquer conselheiro, e não apenas o secretário de Saúde do Estado, possa ser presidente do Conselho Estadual de Saúde (CESAU).
Um dos grandes diferenciais da gestão da saúde pública no Ceará, nos últimos sete anos, com essa contribuição do PCdoB, é a maior presença da rede de atendimento no Interior do Estado. Como se deu esse processo?
Tivemos desde o primeiro momento a definição de que teríamos de levar saúde de mais qualidade, de mais complexidade, pro Interior, para garantir esse acesso às pessoas e para evitar a superlotação em hospitais da capital, como o IJF (Instituto Dr. José Frota) e o HGF (Hospital Geral de Fortaleza). Aí foi que se definiu a construção dos hospitais regionais, que eram um compromisso de campanha do governador. Juntos, ampliamos essa proposta para todas as regiões do Estado, com os hospitais da Zona Norte em Sobral, do Cariri em Juazeiro, do Sertão Central em Quixeramobim, da Região Metropolitana em Maracanaú e do Maciço de Baturité, em cidade ainda não definida. Os hospitais da Zona Norte e do Cariri já foram inaugurados. O de Quixeramobim está com 60% da obra (e a cidade foi escolhida, para receber o hospital, pela própria comunidade, de forma inédita no Brasil, com votação dos prefeitos, das Câmaras Municipais, dos Conselhos Municipais de Saúde). O Hospital do Maciço de Baturité também deve seguir esse modelo de escolha do município. O hospital do Maciço servirá de hospital-escola para a Unilab (Universidade da Lusofonia e da Integração Afrobrasileira). Essa regionalização também veio com o SAMU, ampliado inicialmente para o Litoral Leste, depois para a Região Metropolitana e parte do Litoral Oeste, Maciço de Baturité e agora Sertão Central. Temos toda a estrutura pronta, para que ele seja universalizado, com outros polos no Cariri e na Região Norte. Em cada região de saúde implantamos uma policlínica e um CEO, conseguindo recursos do exterior, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), indo a Washington, com o governador, para a defesa do projeto, que está com toda a estrutura criada. De 18 CEOs, inauguramos 15 e deixamos três prontos para inauguração. De 22 Policlínicas, inauguramos 10 e deixamos 10 prontas para inauguração, em um projeto que também está servindo de modelo, trazendo ao Ceará vários secretários estaduais de saúde interessados em implantar nos seus estados. Juntamente com isso temos as UPAs, inauguradas em Maranguape, Caucaia, cinco UPAs em Fortaleza e uma sexta que em breve será inaugurada, além de mais 10 prontas no Interior.
E quanto aos equipamentos que já existiam, mas que costumavam sofrer com deficiências de estrutura, custeio, pessoal?
Além desse trabalho de estruturas novas, não descuidamos das que já existiam. O Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública), o Hemoce (Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará), o HGF, o IJF, o Hospital de Messejana, o Hospital Infantil Albert Sabin, toda essa estrutura da SESA foi modernizada, ampliada também, e equipada. Prova disse é que o Lacen instalou um sequenciador de DNA, de forma pioneira no Brasil. E havia uma fila enorme para testes de DNA, hoje, no Ceará, acessível à população. O Hemoce obteve um certificado IS0 9001, em 2012, e é um dos centros de hemoterapia mais conceituados do Brasil, foi ampliado e equipado, inclusive com a inauguração, pelo presidente Lula, de um banco de células de cordão umbilical, hoje integrado à rede internacional. Passamos a realizar transplantes de medula e incorporamos o Hospital da Polícia Militar, que estava parado e hoje funciona muito bem, sendo futuramente um hospital de alta complexidade. Outro grande avanço foi a conquista do Centro Tecnológico da Saúde, com a unidade da Fiocruz (Fundação Instituto Oswaldo Cruz). Esse polo tecnológico vai atrair diversas empresas pro nosso Estado, além da própria Fiocruz, que é âncora. Vamos ter laboratórios, fábrica de vacinas. Hoje tem mais empresas interessadas do que área disponível. Uma conquistada possibilitada através do apoio do governador e da parceria da Secretaria de Saúde com a Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece). Na formação de pessoal, ampliamos a Residência Médica, intensificando a formação de médicos especialistas, implantando processo unificado de residência, com participação da UFC (Universidade Federal do Ceará), do IJF, com a Secretaria de Saúde de Sobral e a Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte. E criamos a Residência Multiprofissional, uma experiência inédita no Brasil.
E quais medidas foram tomadas em relação à atenção básica?
De forma inédita no Brasil, o Ceará estadualizou seus agentes comunitários de saúde. Através de lei, passaram a pertencer a um quadro especial. E hoje recebem seus salários no mesmo dia de qualquer servidor estadual. Cerca de 11 mil agentes, de papel muito importante na redução da mortalidade infantil, mortalidade materna, na atenção básica de saúde, passaram a ter esse reconhecimento como categoria especial e passaram a contar com uma licença-maternidade de seis meses. Também deixamos concluídos todos os estudos para que a categoria passe a contar com adicional de insalubridade. Esses cuidados com a atenção básica complementam as mudanças que implantamos na média complexidade (com as policlínicas, os CEOs, as UPAs e o SAMU) e na alta complexidade (com os hospitais). Conseguimos ainda recursos do Fecop (Fundo Estadual de Combate à Pobreza), que tradicionalmente não aprovava projetos pra saúde. Conseguimos aprovar projeto pra construir 150 Unidades Básicas de Saúde e para adquirir 160 veículos para transporte das equipes do PSF (Programa Saúde da Família). Essa estrutura contribuiu muito para o PSF, ajudou muito a ampliar e qualificar a atenção básica no Ceará. Este ano esse investimento continua, chegando a mais de 25 milhões em equipamentos para unidades básicas de saúde e novos veículos para o PSF.
Tradicionalmente, a Secretaria de Saúde costuma ser uma das pastas mais desafiadoras de qualquer governo. Há muita pressão, muitas reclamações e grande repercussão na imprensa quanto a epidemias, dificuldades no atendimento, filas, indicadores de registro de doenças, número de óbitos… Como essa gestão da Secretaria encarou esse desafio?
Além de todas essas ações, tomadas para garantir a ampliação e a qualidade do atendimento em todos os níveis, implantamos uma cultura de transparência. Tanto que modificamos toda a estrutura de comunicação da SESA, transformando a assessoria de comunicação numa assessoria de informação de saúde, colocando na Internet os boletins de todas as principais doenças, como a dengue, de forma transparente, com o número de casos confirmados, casos suspeitos e óbitos (detalhando os que foram causados por complicações, não pela doença em si, como no caso da dengue). O Ceará é o único estado que de forma transparente publica esses boletins na Internet. Criamos uma Sala de Situação, quando surgiu o H1N1, e depois em relação à dengue, à AIDS, tuberculose, sífilis, sempre colocando transparentemente a situação no Estado. Houve quem tenha tido certo receio diante de tanta transparência, mas implantamos. E isso mostrou que essa relação transparente com a sociedade, com a imprensa, deu esse bom conceito pra SESA, de seriedade, de honestidade, de não fugir ao debate. Ampliamos nossa rede de ouvidorias para todas as unidades de saúde do Estado, para todas as coordenadorias regionais de saúde. Hoje é uma das redes mais conceituadas, em termos de ouvidoria do SUS (Sistema Único de Saúde). Foi um período de muitos desafios, inúmeras batalhas, mas felizmente também um período sem crises institucionais e com muitas conquistas, ações novas e importantes para a saúde no Ceará e no Brasil. Também criamos perfis da Secretaria no Facebook, no Twitter, passando a manter uma boa relação com as pessoas nas redes sociais.
Essa decisão veio como reflexo de uma característica pessoal sua, de valorizar a comunicação direta com o público, via mídias sociais?
Vimos que era uma oportunidade de diálogo direto. Sempre gostei de ser transparente, de falar às pessoas. Acho que é importante que o gestor de uma pasta como essa não tenha medo de se expor, de dar entrevista, mesmo ao vivo. Nunca deixamos de atender a imprensa, mesmo sobre temas polêmicos. Mantenho as minha contas pessoais, também um blog, e estimulei que a Secretaria fizesse suas páginas e seus perfis institucionais. Sempre opinamos sobre as questões, nunca fugimos ao debate transparente. A Secretaria também passou a dialogar mais com as outras pastas do governo, com os conselhos, a Assembleia, as Câmaras Municipais, os prefeitos, a Justiça… Passamos a ter um diálogo mais próximo com secretários, conselhos, promotoria da Saúde Pública, inclusive estimulando parcerias, como tivemos com as secretarias de Justiça, de Educação, de Agricultura, de Trabalho e Desenvolvimento Social, com a Associação de Prefeitos do Estado do Ceará (Aprece), com o Conselho de Secretários Municipais de saúde (COSEMS), o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS)… Essa relação com os prefeitos e secretários municipais de saúde foi muito salutar. Tivemos uma postura democrática, de não distinguir nenhum prefeito por questões de partido, ou mesmo de aproximação com o governo. Sempre tivemos atuação igualitária, para todos os gestores. Nossa relação com o Ministério da Saúde também foi sempre de muita harmonia, com as políticas do Governo Federal sendo implantadas no ceará com muita competência, com o Ceará como destaque na implantação da Rede Cegonha, da Rede de Urgência e Emergência, da Rede Psicossocial… O Ceará estava capacitado para isso. Com todo esse diálogo e com toda essa criação de uma estrutura sólida, de amparo legal, com leis, alterações de leis, decretos e portarias, temos segurança que o que foi construído nesses seis anos e oito meses vai ter continuidade.
Quanto aos indicadores, sempre destacados na avaliação das ações da saúde, que leitura o senhor faz?
Temos indicadores muito, muito expressivos. O Ceará é o Estado que mais reduziu mortalidade infantil nesse período, em todo o Brasil. Ele já tinha tradição, mas nesse período a redução foi ainda maior. Foi reduzido de aproximadamente 20 por mil, para 11 por mil. E deixamos como meta baixar de 10, ter menos de um dígito. Os indicadores de cobertura vacinal avançaram muito. Na captação de órgãos o Ceará é o segundo estado do País, tendo ampliado transplantes de pulmão, pâncreas, medula óssea e sendo referências em coração, fígado e rim, graças à estruturação da Central de Transplantes e a todo um grupo de abnegados profissionais, treinados e capacitados, nos centros transplantadores, que militam dia a dia nessa área. Temos um maior atendimento odontológico com os CEOs, consultas e exames especializados com as policlínicas, e urgência e emergência com as UPAS.
Ainda temos superlotação em alguns setores dos hospitais e serviços ambulatoriais. Como enfrentar esse problema?
Fazer saúde é um processo. Muito foi feito nesses últimos sete anos, e em muitos casos evoluímos bastante. Mas só com a continuidade dos investimentos será possível resolver o problema. Deixamos na SESA projetos, recursos e estudos, incluindo um novo projeto BID, para a construção de novos CEOs, Policlínicas e UPAS para regiões ainda não contempladas. Deixamos também orçamento, com definição de mais recursos para a rede credenciada ao SUS em Fortaleza e consequentemente para a ampliação de leitos resolutivos, e tudo pronto para que sejam ampliados mais ainda os recursos para o financiamento dos hospitais de pequeno porte (HPPs), hospitais-polo públicos e filantrópicos no Interior. Deixamos pronto na SESA a avaliação de projetos para a construção de um novo hospital regional, na região jaguaribana, de um hospital específico para pacientes diabéticos e para a aquisição de um hospital privado, o Boghos, em Fortaleza. Enfim, a solução é continuar no ritmo frenético de investimento em novos serviços e leitos públicos. Só assim vamos reduzir ainda mais as filas e, de forma definitiva, evitar a superlotação.
Que desafios o senhor aponta para a saúde pública no Ceará, de agora em diante?
Um grande desafio é conseguir um financiamento federal, para que toda essa estrutura funcione bem. O Ceará foi destaque nisso, quando coletou mais de 100 mil assinaturas para o projeto de iniciativa popular "Saúde+10". Como vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), por duas vezes, articulamos com todos os estados e com mais de 100 entidades, como OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), AMB (Associação de Médicos Brasileiros) e coletamos mais de 2 milhões de assinaturas para dar entrada nesse projeto de iniciativa popular. Agora, esse projeto está, infelizmente, sendo modificado pelo governo, passando de 10% das Recentes Correntes Brutas, que era o que o projeto pedia, para uma proposta de 15% das Recentes Correntes Líquidas. O aumento nos recursos para a saúde cairia de R$ 40 bilhões, pela nossa proposta, para R$ 3 bilhões, aproximadamente. Mas isso ainda está em aberto, e esperamos que com a mobilização da sociedade essa lei ainda possa ser alterada, para melhor. Com tudo que já foi implantado e com tudo que estará em funcionamento quando toda essa estrutura estiver pronta, teremos sem dúvida, como afirma o governador, uma das melhores redes de saúde pública do Brasil. Para avançar mais, é importante que os investimentos continuem, que o recurso federal também possa ser ampliado e que tenhamos um novo concurso público para todas as áreas e uma valorização ainda maior dos servidores e profissionais de saúde.
De que modo o senhor acredita que a concepção política, ideológica do PCdoB, a visão de mundo e de luta pela transformação da sociedade, contribuiu para essa experiência, ao longo desses quase sete anos de gestão na Secretaria de Saúde?
A contribuição do PCdoB vem muito da nossa visão social, de entender a saúde como um direito de todos, independentemente da condição financeira, do nível de instrução e da sua representação política. Isso veio dessa nossa visão, de que o SUS precisa ter qualidade, financiamento adequado, gestão eficiente, transparência e controle social. Acho que foi uma junção que veio da nossa forma de ver as coisas, de implantar uma política consistente, que para que seja alterada no futuro precisa que futuros gestores tenham que mudar leis, decretos e portarias, passem por todo um trabalho de convencimento da sociedade, dos representantes dos vários setores sociais, nas instâncias legislativas, o que vai evitar um retrocesso. De certa forma temos uma blindagem contra um retrocesso na saúde no Estado do Ceará, uma política de Estado, que nenhum gestor vai conseguir alterar com uma simples canetada.
Paradoxalmente, a saúde, definida na Constituição como direito de todos, é também uma das áreas que mais representam grandes negócios, com cifras bilionárias na indústria farmacêutica, nos planos de saúde, nas cooperativas de profissionais, nas fábricas de equipamentos, nas empresas de insumos, nos grandes hospitais… Como é que um profissional de saúde com uma visão socialista lida, no dia a dia, com essa contradição?
Não pensamos saúde como um negócio. Pensamos saúde como uma forma de repartir igualitariamente os frutos das conquistas sociais. Pensamos saúde de uma forma preventiva, e não só na ponta. Hoje estamos comprimidos por dois cenários problemáticos na saúde – de um lado, o envelhecimento da população, o que é muito positivo por demonstrar a evolução da sociedade e da medicina, mas também implica uma preocupação em fazer frente à ampliação das doenças que surgem desse contexto, como as doenças crônicas, o câncer e as doenças degenerativas. Do outro lado, há a violência, o uso de drogas, o stress, a má alimentação, o excesso de trabalho e a ausência de atividade física. Apesar de tudo isso, conseguimos implantar no Ceará uma política consistente de saúde. Somos gratos ao governador Cid Gomes, pela confiança que teve no nosso trabalho, tanto meu quanto do João Ananias, gratos ao PCdoB, por ter nos projetado para esta tarefa que procuramos cumprir da melhor forma, e gratos a todos os servidores e técnicos da SESA, aos ex-secretários de Saúde e à minha família, pela compreensão e pelo apoio em todos os momentos. O governador sempre se mostrou receptivo às nossas propostas, às propostas do PCdoB, que foram decisivas para essas mudanças, nessa visão de construir um sistema de saúde mais justo, de mais acesso à população. Agradecemos pelo apoio que tivemos, sem o qual muita coisa não poderia ter sido feita. Reconhecemos que resta muita coisa para fazer, não só agora, neste momento do governo, mas também nas futuras gestões. Precisamos avançar ainda mais na assistência aos pacientes idosos, ter um olhar especial para os casos que surgem em decorrência do aumento da população, dos efeitos da violência e do uso de drogas. A sensação que tenho é que deixamos a Secretaria com consciência de ter feito uma gestão com muita transparência, resultados e humildade. Temos convicção de que o novo secretário, Ciro Gomes, que está mantendo a equipe formada durante esse seis anos, poderá continuar e ampliar todas essas ações em prol da população. Saio tranquilo e já trabalhando novos desafios, com a certeza de que a experiência que adquiri na Secretaria de Saúde contribuiu muito pra minha visão, pra minha formação, representou um crescimento pessoal e profissional que de outra forma eu não teria condições de conseguir. Para que essas experiências contem com um registro que possa ajudar na continuidade da melhoria dos serviços de saúde pública no Ceará, vamos, inclusive, registrar essa trajetória em um livro, sistematizando essa vivência e detalhando as ações que foram implantadas.
Dalwton Moura
Especial para o Vermelho Ceará
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