Dívida dos EUA preocupa e agência rebaixa perspectiva do país
Um acontecimento inusitado deixou os mercados nervosos nesta segunda-feira (18), derrubando as bolsas nos Estados Unidos, Europa e Brasil. A agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P’s) rebaixou sua perspectiva da dívida dos Estados Unidos de "estável" para "negativa".
Publicado 18/04/2011 20:05
A iniciativa surpreendeu investidores e foi criticada por autoridades estadunidenses. Imaginava-se, pelo menos até a eclosão da crise financeira mundial, que os EUA eram o país mais seguro do mundo para abrigar a poupança excedente das economias com superávit no balanço de pagamentos e de mercadorias (caso, entre outros, da China, Alemanha e Brasil).
Capital volátil
Por isto, em momentos de pânico, reversão dos fluxos e fuga de capitais das nações subdesenvolvidas ou em vias de desenvolvimento, o dinheiro migra rapidamente dessas economias rumo ao centro do império, visando principalmente aplicações em títulos públicos emitidos pela Casa Branca.
Os analistas do mercado financeiro chamam a este movimento de “aversão ao risco” e “fuga para a segurança”, eufemismo elegante que confere certo ar de racionalidade à reação anárquica e desesperada dos especuladores, comparável ao comportamento de manada.
Os EUA ainda têm a melhor nota (´AAA´) de classificação de crédito disponível, que varia de acordo com as possibilidades de pagamento ou o risco de inadimplência ou calote. Viveram até agora iludidos pela fantasia de que o endividamento não embutia riscos e, em última instância, poderia ser resolvido através da mera impressão e emissão de papel-moeda. Tal concepção, idealista e falsa, foi cultivada e banalizada por inúmeros economistas e apologistas do império.
Os debates e impasses suscitados pelo tema no Legislativo, que ainda permanecem e por pouco não resultaram na paralisação do governo, bem como a penúria de muitos estados norte-americanos atolados em dívida e às portas da insolvência, mostram que o buraco é mais embaixo. A decisão do S&P’s não altera de imediato o status do crédito do país, mas é um aviso de que a classificação de crédito pode mudar nos próximos dois anos.
O maior devedor do mundo
As preocupações com a solvência do império não são exageradas. Os Estados Unidos são o país mais endividado do mundo. A dívida pública já equivale ao PIB do país (em torno de US$ 14 trilhões) e o déficit fiscal que a alimenta deve ficar em US$ 1,4 trilhão neste ano. O rombo em conta corrente caiu após a recessão e também em função da queda do dólar, porém não foi revertido e é outra fonte de preocupação.
Com uma poupança chocantemente baixa, malgrado certa recuperação na crise que derrubou a taxa de consumo, Tio Sam busca no exterior a fonte de financiamento para bancar o excesso de gastos ou, em outras palavras, exercer a nobre arte do parasitismo, a façanha de viver à custa alheia, além dos próprios meios que produz.
A reciclagem da poupança excedente da China, Alemanha e Japão, obtida em larga medida no comércio com os EUA e reinvestidos no próprio país através da aquisição de títulos públicos e outros ativos, parece estar com os dias contados. É o que sugere a política de estímulo quantitativo (quantitative easing) ou emissões sem lastro do Federal Reserve, feitas para resgatar títulos do governo.
Hostilidade
A conjuntura política também não favorece os propósitos do governo. Decepcionado com o presidente democrata, que pouco ou nada fez para reverter o desemprego e os despejos, o eleitorado estadunidense deu vitória à oposição republicana nas últimas eleições legislativas. Os democratas são minoria nas duas câmaras do congresso, onde a hostilidade contra a Casa Branca é farta.
"Nós acreditamos que há um risco material de que os congressistas americanos não cheguem a um acordo sobre como lidar com os desafios orçamentários de médio e longo prazo até 2013", diz um comunicado emitido pela agência.
"Se até lá um acordo não tiver sido alcançado e a implementação significativa (de medidas) não tiver começado, isso tornará, na nossa visão, o perfil fiscal dos Estados Unidos significativamente mais fraco que o de outros (países) soberanos (com classificação) 'AAA'."
Expressão do parasitismo
O endividamento da sociedade estadunidense é uma expressão concentrada do parasitismo imperial que não preocupa apenas a S&P's. Até mesmo o Fundo Monetário Internacional (FMI) abordou o tema em recente relatório e sugeriu que o país precisa "acelerar a adoção de medidas para reduzir seus coeficientes de endividamento".
"A maioria das economias avançadas está reduzindo seus déficits fiscais neste ano, mas os Estados Unidos deixaram em suspenso o reajuste”, diz o FMI no relatório Fiscal Monitor, acrescentando que o tamanho do déficit gera instabilidade nos mercados financeiros globais.
Reação
A secretária-assistente do Tesouro americano, Mary Miller, acusou a agência de classificação de risco de "subestimar" o poder econômico do império. "Acreditamos que a perspectiva negativa da S&P subestima a capacidade dos líderes dos EUA para lidar com os difíceis desafios fiscais que o país enfrenta", disse Mary em comunicado.
Tal convicção já não é compartilhada por muitos. Nesta segunda-feira (18), após o anúncio da agência, as bolsas de valores registraram queda e o dólar se desvalorizou em relação ao euro e subiu de cotação frente ao real, num efeito atribuído pelos analistas à “aversão ao risco”.
No mercado americano, o índice Dow Jones caiu 1,14%, o Nasdaq recuou 1,06% e o S&P 500 perdeu 1,10%. No Brasil, o Ibovespa, pressionado também pela queda do valor das ações da OGX Petróleo (do empresário Eike Batista) cedeu 1,90%, fechando aos 65.415 pontos, enquanto o dólar comercial recuperou terreno, subindo 0,76% para R$ 1,590.
O episódio é mais um sinal da irresistível decadência do império.
Da Redação, Umberto Martins, com agências