Museu da Amazônia elabora documento sobre questão hídrica
Grupo de trabalho do museu elaborou documento com objetivo de apontar políticas públicas estaduais e federais consideradas urgentes por especialistas da área.
Publicado 24/12/2010 11:33
Após três dias de discussão, o Grupo de Trabalho (GT) sobre águas reunido pelo Museu da Amazônia (Musa) elaborou documento que apresenta medidas para melhorar o conhecimento e a gestão da bacia amazônica e que será entregue aos ministros de Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, governadores e secretários de Ciência e Tecnologia dos estados amazônicos e à Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amazonas. A intenção é fornecer subsídios ao monitoramento e gestão das águas superficiais e subterrâneas na Amazônia.
O encontro aconteceu entre os dias 6 e 8 de dezembro. O documento resultante informa sobre a necessidade urgente da implantação de políticas públicas estaduais e federais voltadas ao aprimoramento do sistema de monitoramento e mapeamento dos recursos hídricos da Amazônia. O texto recomenda fortes investimentos na formação local de recursos humanos e na criação de infraestrutura física dedicada à questão.
A iniciativa de reunir o grupo teve a colaboração da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia do Amazonas (SECT/AM) e patrocínio da SBPC.
Leia os trechos principais do documento:
As águas da bacia amazônica se estendem por territórios, atmosfera, solos e subsolos de oito países além do Brasil (que abriga 60% da bacia): Equador, Colômbia, Venezuela, Peru, Bolivia, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. Dos 200.000 m3 dessas águas que desaguam por segundo no oceano, cerca de 134.000 m3/s têm origem no território brasileiro, enquanto 76.000 m3/s são originados nos países vizinhos. A questão das águas subterrâneas e de superfície deve ocupar, portanto, a nosso ver, papel relevante na política de integração regional.
As águas superficiais representam cerca de 20% das águas doces do planeta, sendo a bacia amazônica cinco vezes maior que a do Congo, considerada a segunda maior bacia na Terra. Essas águas são determinantes na sustentação da floresta, uma vez que o metabolismo vegetal é estritamente relacionado com a disponibilidade hídrica (cada árvore é composta por 80% de água). Convém também observar que 1/3 desta bacia encontra-se alagada boa parte do ano, o que interfere significativamente na determinação do volume total de absorção e emissão de gases de efeito estufa.
A principal recomendação do GT se refere à necessária ampliação da atenção dada ao monitoramento da bacia e, sobretudo, à padronização, normatização e continuidade do sistema de medidas existente hoje. O número de estações de medida na parte brasileira da bacia é da ordem de 100, enquanto deveria ser, pela diversidade dos ecossitemas e extensão do território (quatro milhões de km2), de no mínimo mil.
Sugerimos também a realização de pesquisas para determinar as datas de origem dos reservatórios subterrâneos, alguns muito antigos. Para tanto, é preciso realizar perfurações sistemáticas, tarefa que poderá ser muito abreviada através da cooperação com a Petrobrás, empresa que, em busca de gás e petróleo, já realizou número significativo de perfurações de grande profundidade na região.
O GT alerta que a extrema heterogeneidade dos ecossistemas não permite a previsão de comportamentos semelhantes em diferentes sub-regiões da bacia. Assim, por exemplo, épocas de seca em uma parte da bacia, podem corresponder a períodos de cheia em outra, o mesmo ocorrendo com a resposta a eventos climáticos de origem remota como o El Niño. Este fato recomenda o monitoramento direto, local, não sendo suficientes as análises distantes de dados fornecidos pelo sensoriamento remoto.
Sugere-se portanto a constituição de um Centro/Base de Dados que possa recolher estas informações e distribuí-las para pesquisas, previsão climática, gerenciamento comunitário, políticas públicas, arquivo etc. No entanto, o GT constatou a reduzidíssima presença de técnicos em número e nível de competência para que o sistema de monitoramento e previsão meteorológica e climática da bacia seja confiável e socialmente eficiente na previsão e prevenção de eventos extremos.
Como exemplo, bastaria mencionar que os 11 radares meteorológicos são operados por apenas 10 técnicos. Estimou-se em mil o quadro de nível superior e em três mil o de nível médio necessários nos próximos cinco anos para operar o sistema e analisar os dados por ele gerados. Para alcançar este objetivo, às fontes federais de financiamento deveriam ser acrescentadas fontes estaduais, como as Fundações de Apoio à Pesquisa (FAPs) da região.
Deveria também ser promovida ampla campanha de educação que permita divulgar, nos mais longínquos e isolados povoados da bacia, as informações necessárias para o bom uso da água, sua proteção e exploração sanitariamente sustentável. Nestas campanhas, novamente, a presença de editais das FAPs estaduais seria de fundamental importância.
O GT tomou conhecimento de levantamentos que indicam a péssima qualidade das águas usadas por muitas comunidades indígenas e pequenos povoados, com graves consequências para a saúde destas populações. Lembrando a presença de vasto aquífero a poucas dezenas de metros de profundidade na região, a privação de água de boa qualidade não é justificável. Em colaboração, as agências Federais e Estaduais deveriam assumir a responsabilidade de mitigar estas absurdas contradições.
Foram examinados também os resultados de análises (efetuadas pelo Serviço Geológico Brasileiro – CPRM/AM) de águas de poços em perímetros urbanos (ex. Parintins) onde foi constatada grave contaminação devido à intensa poluição por metais. Uma campanha de proteção e controle da contaminação dos aquíferos é recomendável, urgente e necessária. A vigilância sanitária deveria ser aparelhada para se tornar uma vigilância hidrosanitária.
Além destas, quatro recomendações finais foram sugeridas pelo GT:
1. Criar a "pegada hídrica", a semelhança da "pegada ecológica".
2. Criar o "crédito água", para um serviço ambiental semelhante ao do "crédito carbono", a ser utilizado no incentivo da conservação da qualidade da água e para evitar a degradação dos mananciais, das águas de superfície e subterrâneas. Estes créditos poderiam financiar comunidades, evitando/inibindo fontes de contaminantes, e contribuir para preservar os equilíbrios ecológicos responsáveis pela estabilidade dos ciclos hídricos de precipitação, armazenamento, vaporização e transpiração da floresta. Caminhos para a determinação de um valor de mercado do "barril de água" deverão ser estudados para consolidar este ítem-conceito.
3. Criar um Instituto Multidisciplinar das Águas da Amazônia com finalidade de promover estudos e projetos, cooperação internacional e colaboração entre as diferentes instituições e agências voltadas a conhecer e monitorar o papel climático e ambiental da bacia e dos aquíferos do Amazonas.
4. Criar um Instituto da Foz do Amazonas no Amapá, voltado especificamente ao monitoramento ambiental e hidro, potamo e geológico do maior estuário do planeta.
Participam do GT: Andrea Bartorelli (consultor); Emílio Soares (Universidade Federal do Amazonas – Ufam); Ennio Candotti (Museu da Amazônia – Musa); Eurides de Oliveira (Agência Nacional de Águas – ANA); Ingo Wahnfried (Universidade de São Paulo – USP); Jaci Saraiva (Sistema de Proteção da Amazônia – Sipam); Julio Tota (Universidade do Estado do Amazonas – UEA); Marco Oliveira (Serviço Geológico do Brasil – CPRM); Naziano Filizola (Universidade Federal do Amazonas – Ufam); Oswaldo E. Calisto Acosta (Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel).
Da redação, com assessoria