Atílio Borón: Como Uribe poderia negar um pedido do império?
Peão incondicional do império, Alvaro Uribe se despede da presidência da Colômbia com uma nova provocação: a denúncia da existência de acampamentos das Farc em território venezuelano.
Por Atílio Boron*, em seu blog
Publicado 28/07/2010 12:07
Nem lento nem preguiçoso, o Departamento de Estado dos Estados Unidos saiu para respaldar sem reservas a acusação formulada por Bogotá na OEA, encorajado pela suposta “contundência” das provas apresentadas por Uribe que denunciam o governo de Hugo Chávez de permitir a instalação de acampamentos da Farc e a realização de diversos programas de treinamento militar de cerca de 1.500 efetivos da guerrilha em território venezuelano.
O porta-voz do Departamento de Estado, Philip Crowley, declarou com singular insolência que “a Venezuela mostrou uma conduta infeliz e insolente” com seu vizinho e ameaçou, afirmando que, se esse país “não cooperar, os Estados Unidos e os demais países obviamente levarão isso em conta”.
Foram os administradores imperiais que pediram a Uribe uma última “prova de amor” poucos dias antes de abandonar a presidência. Como é do conhecimento público, o prontuário que a DEA, a CIA e o FBI vieram construindo sobre Uribe por suas íntimas e prolongadas vinculações com os narcotraficantes não lhe permite desobedecer nenhuma ordem vinda de Washington, sob pena de ter a mesma sorte que o ex-presidente panamenho Manuel A. Noriega e terminar seus dias em uma prisão de segurança máxima dos Estados Unidos.
Alvaro Uribe mente, porque, em primeiro lugar, se as Farc controlam cerca de 30% do território nacional (como o próprio governo colombiano reconheceu mais de uma vez) não se entende que sentido pode ter distrair nada menos que 1.500 homens do teatro de operações na Colômbia e organizar 85 acampamentos guerrilheiros na Venezuela.
É na própria Colômbia onde a crise e a putrefação do Estado oligárquico permite que amplas parcelas de seu território, especialmente nas zonas de selvas, sejam controladas pela guerrilha, pelos narcotraficantes e pelos paramilitares.
Diversas autoridades equatorianas comentaram, logo depois do ataque que as Forças colombianas realizaram em seu território, que o Equador não faz fronteira ao norte com a Colômbia, mas com uma terra de ninguém, controlada pelas organizações descritas mais acima.
Com uma ilimitada necessidade, Uribe acusa os seus vizinhos de não conseguir o que ele mesmo deu mostras de sobra de ser incapaz de fazer: controlar seu próprio país. Fechando os olhos para esta realidade, os Estados Unidos assumem esta falaz denúncia para, a partir dali, acusar o governo bolivariano por sua falta de colaboração na luta contra o narcotráfico, esquivando o incômodo fato de que o maior exportador mundial de cocaína – e, agora, de narcotraficantes – é a Colômbia militarizada por Uribe e que se tornou, graças à sua valorosa colaboração, num protetorado norte-americano.
Diante de semelhante quadro de decomposição política, denunciar que as Farc se instalam na Venezuela – e, para o cúmulo, com o aval e a cumplicidade do governo de Hugo Chávez! – é um vulgar conto-do-vigário a serviço do império que carece por completo de sentido como para ser levada minimamente a sério.
Em segundo lugar, como esquecer que Uribe foi o homem que mentiu descaradamente quando suas Forças, apoiadas pelas dos Estados Unidos, incursionaram em território equatoriano aduzindo que estavam perseguindo uma coluna das Farc?
As provas demonstraram que os guerrilheiros que supostamente perseguiam depois de um enfrentamento ocorrido em território colombiano estavam dormindo – vestidos inclusive de pijamas – no momento do ataque e que, consequentemente, o que aconteceu em Santa Rosa de Sucumbíos não foi um combate, mas simplesmente um massacre indiscriminado.
Terceiro, como se pode acreditar num homem que, como presidente, convalidou a ação dos paramilitares e do terrorismo de Estado? Em 16 de fevereiro do corrente ano, a unidade de Justiça e Paz da Fiscalia colombiana publicou um relatório em que se revela que mais de 4.000 paramilitares das AUC, as Autodefesas Unidas da Colômbia, asseguraram ter perpetrado 30.470 assassinatos no período compreendido desde meados dos anos 1980 até sua “desmobilização”, em 2003-2006.
Acrescente-se a isto que, tão somente em 2009, os ‘paracos’ e as “forças de segurança” assassinaram 40 sindicalistas, convertendo a Colômbia no país mais perigoso do mundo para esse tipo de atividade.
Quarto, o denunciante é nada menos que o responsável intelectual e político pelo massacre em série conhecido com o nome de “falsos positivos”. Durante os três últimos anos do governo de Uribe se comprovou que – diante do assédio do governo para que mostrasse resultados concretos na luta contra a guerrilha – o Exército elaborou e executou um plano criminoso: percorrer as comunidades e aldeias mais pobres do país oferecendo trabalho à enorme massa de desempregados e recrutando um elevado número de indigentes, camponeses indefesos e jovens marginalizados, que depois eram assassinados a sangue frio e seus cadáveres eram apresentados como sendo de guerrilheiros executados em combate, a fim de cobrar a recompensa estabelecida pelo governo ou obter estímulos ou promoções em sua carreira militar. Segundo estimativas muito conservadoras, estes crimes de Estado ultrapassaram os mil casos.
Como aconteceu com todos os terrorismos de Estado que assolaram a região, os crimes de lesa-humanidade cometidos tinham também um transfundo econômico. No caso da Colômbia de Uribe, entre as corruptas Forças Armadas, os paramilitares e o narcotráfico foram distribuídos milhões de hectares de terras que, em seu desesperado êxodo, os camponeses deslocados pelos bombardeios e massacres indiscriminados a que estavam submetidos deixavam para trás.
A cifra dos camponeses deslocados subiria para 4.500.000 e suas terras – pelo menos cerca de seis milhões de hectares – foram logo transferidas, com grande proveito para os encarregados de desalojá-las, aos grandes proprietários rurais e ao agronegócio, patrocinadores e co-financiadores do paramilitarismo.
Este é o homem que hoje levanta seu dedo acusador contra a revolução bolivariana. É evidente que é uma manobra a mais, ditada pelos estrategistas do império, para assediar o governo de Hugo Chávez e para legitimar a violenta militarização da política exterior norte-americana.
Por isso, Washington insiste em empregar seu impressionante dispositivo militar: confirmam-no as sete bases na Colômbia; em Aruba e Curaçao, a poucos quilômetros do litoral marítimo venezuelano; em El Salvador e em Honduras e, agora, a autorização para introduzir nada menos que 7.000 marines e todo tipo de armamento na vizinha Costa Rica.
E também a Quarta Frota. O governo de Uribe cumpre assim um serviço de extraordinária importância tratando de criar as condições que justifiquem a intervenção militar norte-americana na América do Sul e, no imediato, manter viva a tensão entre Colômbia e Venezuela depois da troca presidencial e prejudicar as chances eleitorais de Chávez.
Preocupado com o seu futuro e agoniado pelo espectro de Noriega apodrecendo em uma prisão norte-americana, Uribe se esmera até o último dia de seu mandato para mostrar sua total submissão às ordens dos imperialistas.
Por isso é importante desmascarar e denunciar o denunciante, e exigir a pronta intervenção da Unasul para desbaratar os planos de Washington em nossa América. Este não é um tema para a OEA, que, além disso, não foi capaz de administrar a provocação uribista, mas para a Unasul, que será posta à prova com este incidente.