Brasil chega a 2.500 Pontos de Cultura e inspira outros países
A experiência brasileira dos Pontos de Cultura cresce em escala dentro do Brasil, com cerca de 2.500 unidades implantadas em todo país, ao mesmo tempo em que chama a atenção de governos e sociedade civil em países da Europa e da América Latina. A nova política pública vem sendo objeto de teses acadêmicas e de modelo para ações governamentais semelhantes, em outros países.
Publicado 07/03/2010 11:15
Idealizados na gestão do ministro Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura, no âmbito do Programa Cultura Viva, coordenado pela Secretaria de Cidadania Cultural, em 2003, os Pontos de Cultura nasceram com o propósito de fortalecer as iniciativas culturais da sociedade brasileira dentro de um novo conceito de gestão.
“No geral as políticas públicas têm por método a ideia da carência e da vulnerabilidade. Os Pontos de Cultura são o oposto disto, partem da potência das manifestações culturais das comunidades. Eles trabalham na perspectiva da emancipação, para além da ideia da inclusão social”, explicou o secretário de Cidadania Cultural do MinC, Célio Turino, um dos mentores do programa e responsável por sua implantação.
A ideia que serviu de apoio na construção da política dos Pontos de Cultura, segundo ele, baseou-se no discurso de posse do ex-ministro Gilberto Gil, quando ele referiu-se à necessidade do apoio do governo à Cultura ser uma espécie de “do-in antropológico”, massageando “ponto por ponto” do imenso corpo cultural do país. “Focamos no fluxo, no movimento contínuo e vivo das manifestações populares”, complementou Turino.
Dados apurados em uma recente pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre a extensão da ação dos Pontos de Cultura no Brasil, indicam a abrangência sobre uma população de cerca de 8 milhões de pessoas, numa média de 3 mil pessoas/ano interagindo com o Programa do MinC. Este público está distribuído entre os que participam diretamente das atividades desenvolvidas nos projetos culturais e entre integrantes da comunidade que assistem às apresentações artísticas ou participam esporadicamente de cursos e oficinas.
Para o secretário Célio Turino, os Pontos de Cultura inovam não só pelo conceito de política pública, mas também pelo método de atuação, no qual o repasse dos recursos é direcionado à ponta do projeto, evitando que o dinheiro se perca nos meandros da administração pública. Inovador, também, pelo grande alcance que tem junto à comunidade, mesmo sendo um projeto de baixo valor unitário, cerca de R$ 60 mil ano.
Internacionalização
Junto com a ideia da implantação das unidades brasileiras do Programa Cultura Viva surgiu a concepção dos Pontos de Cultura para atender à comunidade brasileira no exterior. Experiências piloto chegaram a ser criadas nos Estados Unidos da América e na França, mas as restrições na legislação brasileira para a remessa de dinheiro ao exterior praticamente inviabilizou estes projetos.
O interesse pelo Programa fora do Brasil veio de onde menos se esperava: de governos, políticos, acadêmicos e entidades civis ligadas a projetos culturais. Na Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA), existe uma cátedra sobre Cultura e Literatura luso-brasileira, coordenada pela professora Candace Slater, aonde a experiência brasileira com os Pontos de Cultura vem sendo estudada.
“Os alunos vêm ao Brasil participar de alguma atividade dentro dos Pontos de Cultura e depois fazem um projeto falando da experiência e vendo como as teorias, que são muito bonitas no papel, são executadas na realidade”, comentou Candace, que esteve no Brasil para participar do Seminário Internacional do Programa Cultura Viva, realizado na cidade goiana de Pirenópolis, em novembro de 2009.
A primeira experiência dos universitários de Berkeley com os Pontos de Cultura foi no estado do Ceará, com uma unidade que se articulava com o Museu de Paleontologia. Houve, também, trabalhos sobre cultura oral das comunidades, sobre grupos de dança nos Pontos de Cultura e estudos específicos sobre a atuação dos Pontos, além da participação de alguns estudantes norte-americanos em oficinas de inglês para membros da comunidade.
Segundo a professora Candace, a atenção para o Programa, dentro da disciplina de Estudos Brasileiros na Universidade de Berkeley, foi despertada após uma visita do ex-ministro Gilberto Gil à instituição e, principalmente, após uma viagem que fez ao Brasil, a convite do MinC, em 2005, quando passou a informar aos alunos sobre os projetos desenvolvidos nestes centros culturais.
Inglaterra
O professor catedrático da Universidade de Londres e diretor artístico da ONG People Palace Projects, Paul Heritage, há cerca de 20 anos mantém um estreito convívio com a Cultura brasileira. Ele conhece a experiência dos Pontos de Cultura desde o princípio e se encanta com os resultados obtidos.
“O que acho interessante no Programa Cultura Viva é que vocês conseguem, com dinheiro público, apoiar energias populares que vêm de dentro para fora. É um modelo absolutamente contrário ao clássico das artes na Europa, principalmente no Reino Unido. Os ingleses precisam aprender com os Pontos de Cultura”, comentou. Paul também esteve no Brasil para participar do seminário em Pirenópolis.
Um dos aspectos que ele considera fundamental nessa política pública é a capacidade de gerar fluxo, de articular vários projetos socioculturais dentro do país. Pretende levar o modelo para a Inglaterra, por meio de uma parceria com a Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura (SCC/MinC). O novo projeto será denominado de Pontos de Contato e deverá ser implantado a partir deste ano. Vai operar com intercâmbios culturais entre o Programa brasileiro e projetos sociais no Reino Unido.
A Itália foi o primeiro país, fora do Brasil, a adotar o modelo dos Pontos de Cultura. Em uma iniciativa da Câmara de Deputados e da administração da região do Lazio, onde está situada a cidade de Roma, foi criado o projeto Officine dell”Arte, inspirado no exemplo brasileiro.
O projeto opera com oficinas de arte e cultura multimídia destinadas ao público jovem, em áreas urbanas deterioradas, como forma de desenvolvimento social e territorial. Por meio de uma parceria com a Universidade Romana La Sapienza, pesquisadores vieram ao Brasil conhecer a experiência dos Pontos de Cultura para levar à Itália.
Em julho de 2006, o então ministro da Cultura, Gilberto Gil, a convite do governo da província de Lazio, participou de conferência sobre o Programa brasileiro e do lançamento do projeto italiano, durante uma cerimônia realizada no Palazzo Montecitorio, na capital do país.
No início deste ano foi assinado o Acordo de Cooperação Técnica celebrado entre o Ministério da Cultura e a Associação Afro-Brasileira de Dança, Cultura e Arte (Abrasa) com vistas a implementar o Ponto de Cultura Internacional Brasileiro e Afro-Brasileiro na Áustria.
O projeto foi aprovado de forma inédita, desde a criação do Programa, pois o Ponto de Cultura não receberá qualquer incentivo financeiro do MinC, mas sim a chancela, tendo os custos da criação e manutenção realizado pelos parceiros locais.
Ibero-américa
Nos países ibero-americanos também cresce o interesse pelos Pontos de Cultura. Em uma reunião de ministros da Ibero-américa e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e do Caribe, realizada em setembro de 2009, no Brasil, representantes de 15 nações assinaram a Declaração de São Paulo, na qual consta a decisão de submeterem à próxima reunião de Cúpula dos Chefes de Estado da Ibero-américa uma proposta de criação do Programa Ibercultura “ nos moldes dos Pontos de Cultura -, para ser implantada nos 23 países da região.
Segundo o diretor de Relações Internacionais do MinC, Marcelo Dantas, a proposta partiu dos representantes do Brasil e da Secretaria-Geral Ibero-americana (Segib) no encontro, mas ainda precisa ser sistematizada e enviada à aprovação dos Ministros de Cultura para, só então, ser encaminhada à reunião de Cúpula.
Outra vertente de interesse pela ação dos Pontos de Cultura está focada no Parlamento do Mercosul (Parlasul), entidade que reúne representações de políticos do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, com sede em Montevidéu.
Um projeto de norma da senadora Marisa Serrano (PSDB/MS), propondo a disseminação do projeto dos Pontos de Cultura por todos os países do bloco econômico, foi aprovado na última reunião do Parlasul, realizada no dia 30 de novembro de 2009. A proposta será encaminhada à próxima reunião do Conselho do Mercado Comum, órgão máximo da integração regional, em junho de 2010.
A iniciativa é um primeiro passo para a elaboração de uma legislação regional, que defina políticas articuladas entre os quatro países do bloco, com possibilidade de ampliação para todos os países associados.
Ceilândia
O Ponto de Cultura Atitude, na cidade de Ceilândia (DF), é um exemplo das ações socioculturais apoiadas pelo Programa Cultura Viva. O grupo artístico Atitude surgiu há cerca de dez anos, voltado para a expressão cultural do Hip Hop, e foi classificado no primeiro edital do MinC para a implantação de Pontos de Cultura.
Atualmente trabalha com um público estimado entre 300 a 400 pessoas, na sua grande maioria jovens e adolescentes, mas também desenvolvem trabalhos com mulheres e crianças. Os adultos são inseridos nas atividades musicais, no uso do espaço digital, no empréstimo de livros, no estúdio da rádio do Ponto de Cultura, além de participarem das diversas oficinas culturais oferecidas.
As crianças da comunidade participam de rodas de leituras organizadas por integrantes do grupo, com o material disponível na biblioteca da casa.
Durante o seminário internacional do Cultura Viva, o Atitude foi apresentado aos participantes do evento como modelo das ações do Programa.
A jovem Judite de Cássia Santos, que trabalha com o grupo, disse que sua participação nestas atividades possibilitou a realização de uma antiga aspiração, que era a de contribuir para melhorar a qualidade de vida da sua comunidade. “Mudou muita coisa na minha vida, a cada dia a gente aprende mais, com as pessoas assistidas, com as palestras, fóruns e oficinas que participamos. Esta experiência me enriqueceu bastante como pessoa”, comentou.
Mais do que propiciar acesso à Cultura às populações impossibilitadas do consumo dos bens e serviços culturais, quer por situações de pobreza ou por habitarem áreas remotas do país, os Pontos de Cultura são uma grande lição de cidadania aos seus integrantes.
Fonte: MinC