Dilma tem razão: o mercado interno livrou o país da crise
Por Umberto Martins
O debate sobre o modelo econômico que o país deve adotar após as eleições de outubro foi antecipado terça-feira (2) durante a inauguração do complexo industrial da Case New Holland, que vai produzir máquinas agrícolas, em Sorocaba. A solenidade reuniu o presidente Lula e os dois pré-candidatos ao cargo que hoje ocupa, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o governador de São Paulo, José Serra.
Publicado 03/03/2010 18:31
Em discurso pronunciado na ocasião, Dilma atribuiu ao fortalecimento do mercado interno brasileiro o bom desempenho da economia brasileira diante da crise exportada pelos EUA. Foi contestada por Serra, que confere maior importância e prioridade ao incremento das exportações, lembrando o malfadado grito de guerra que outro notório tucano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, lançou em agosto de 2001: “exportar ou morrer”.
Herança maldita
A polêmica não é nova. O regime militar inventou um slogan parecido, embora menos dramático, que provavelmente inspirou FHC: “exportar é a solução”. A ditadura acabou, em 1985, depois de mergulhar o país na crise da dívida externa, que nos legou duas décadas perdidas. Os tucanos amargaram a derrota em 2002, apesar do terrorismo patrocinado pela mídia capitalista e a grande burguesia, nativa e estrangeira. Assim como os generais, eles também deixaram uma herança maldita na economia.
Os generais decidiram pagar a dívida externa deprimindo o consumo do povo, depreciando o câmbio e ampliando as exportações de forma a gerar um excedente comercial que no final das contas foi parar no bolso da banca internacional, em detrimento dos investimentos internos. Vivemos, por conseqüência, anos de estagflação, ou seja, uma mistura de estagnação econômica com a inflação, que disparou. No governo tucano, o “ajuste” se deu através dos juros altos e do superávit primário, que demandou forte retração dos gastos e investimentos públicos.
Salvação da lavoura
A ministra da Casa Civil é quem está com a razão. Na crise mundial gerada pelo capitalismo americano, o mercado interno foi a salvação da lavoura no Brasil. A depressão do consumo nos EUA teve um efeito dominó no resto do planeta e acabou provocando uma queda de 12% no comércio mundial. Foi o maior retrocesso neste terreno desde a 2ª Guerra. No Brasil, as exportações recuaram 22% e provavelmente nem com reza braba teríamos conseguido uma performance muito diferente.
Se o país dependesse exclusivamente do mercado externo teríamos sofrido uma depressão de dimensões inéditas. Isto não ocorreu graças ao fortalecimento do mercado interno, beneficiado pela política de valorização do salário mínimo, pelo Bolsa Família e pelas medidas anticíclicas adotadas pelo governo, que privilegiou a recuperação do consumo e dos investimentos internos inclusive com a redução do superávit primário. O consumo doméstico não caiu durante a crise, embora tenha crescido a um ritmo mais moderado no último trimestre de 2008 e nos primeiros meses de 2009.
Não se deve desprezar as exportações, mas transformá-las em prioridade número 1 da política econômica é um equívoco que deixaria o país mais vulnerável ao vaivém do mercado capitalista mundial e agravaria a concentração da renda. Já provamos esta receita no passado e o resultado foram as décadas perdidas (1980 a 2002) e a degradação social. Fortalecer o mercado interno significa satisfazer as necessidades do povo, valorizar o trabalho, promover a redistribuição renda, caminhar para o pleno emprego. O Brasil precisa avançar ainda mais nesta direção com mudanças nas políticas fiscal, monetária e cambial, redução da jornada de trabalho, valorização dos salários, ampliação do nível de emprego e outras medidas do gênero.