A hora e a vez dos investimentos
O aumento dos investimentos representa o próximo importante desafio para a economia brasileira. É preciso criar condições de ampliação tanto da capacidade produtiva quanto da infraestrutura, para dar suporte à expansão do consumo. Isso é o que vai garantir que a oferta se amplie sempre à frente da demanda, evitando pressões inflacionárias futuras.
Por Antonio Corrêa de Lacerda, no jornal O Estado de S. Paulo
Publicado 22/02/2010 13:24
A reação da economia brasileira depois da crise tem sido impulsionada pela retomada do mercado de consumo doméstico. Ela foi incrementada com as reduções de impostos (veículos, eletrodomésticos e construção civil, principalmente) e também com a atuação dos bancos públicos ampliando a oferta de crédito. A ação desses bancos compensou a retração do mercado financeiro privado, muito afetado pela paralisação das linhas externas e também pela crise de confiança nas relações interbancárias.
O crescimento da massa salarial também foi importante. Como foi gerado cerca de 1 milhão de empregos formais no ano passado e os acordos salariais garantiram a reposição da inflação mais um aumento real, compatível com os ganhos de produtividade, isso sustentou o aumento da massa salarial, que cresceu 4% reais – nada mal em tempos de crise.
Os indicadores de crescimento do comércio ampliado, que inclui veículos e materiais de construção, denotam um crescimento anual da ordem de 8%. Portanto, as condições para a retomada do consumo em bases razoavelmente sólidas estão fundamentalmente dadas para o ano em curso, o que propiciará um crescimento expressivo do Produto Interno Bruto (PIB).
Há quem considere exagerado esse movimento, o que abriria espaço para o crescimento da inflação. No entanto, uma análise mais pormenorizada dos dados disponíveis não apontam nessa direção, muito pelo contrário.
Embora haja uma clara retomada da produção industrial, o fechamento do ano de 2009 representou uma queda de 7,4% comparativamente ao ano anterior. O nível de ocupação da capacidade instalada rapidamente retoma o patamar pré-crise, de cerca de 82%, mas isso precisa ser visto com cautela. Isso poderia induzir-nos a uma conclusão equivocada de que a capacidade produtiva estaria perto do seu limite. No entanto, é preciso levar em conta que as indústrias têm grande flexibilidade de ampliar a sua produção, num primeiro momento, sem novos projetos de ampliação, mediante a utilização de novos turnos de produção ou adaptações na sua linha de produção.
Também é preciso levar em conta que várias empresas estão retomando seus projetos de investimentos, o que representará, num futuro breve, aumento da capacidade de produção. Esse é um movimento geral, mas especialmente perceptível em setores como o energético, o de petróleo e gás, de papel e celulose, a indústria química, a automobilística, entre outros, que têm projetos já em andamento, assim como têm anunciado novos investimentos.
Portanto, a pior decisão que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central poderia tomar nos próximos meses seria elevar as taxas de juros básicas, pois isso seria um péssimo sinalizador justamente para o fator determinante do atendimento da demanda, que é a retomada dos investimentos.
A elevação da inflação observada neste início de ano está diretamente associada a fatores localizados e sazonais, não necessariamente revelam uma tendência para os meses vindouros.
Assim, deveríamos afastar a possibilidade de aumento dos juros, mesmo porque eles continuam a ser os mais elevados do mundo: 4% real ao ano. Da mesma forma, deveríamos deslocar para os investimentos os incentivos de desoneração tributária de bens de consumo, uma vez que estes já cumpriram o seu objetivo de catapultar a demanda. O momento é de fomentar o investimento, o que não significa desestimular o consumo.
No Brasil há alternativas importantes de financiamento do investimento, como o mercado de capitais, com grande potencial de crescimento, mas também um importante instrumento público – o BNDES – que oferece linhas de financiamento em condições mais vantajosas comparativamente às disponíveis no mercado doméstico.
No entanto, apesar disso, o custo de financiamento do investimento no Brasil, mesmo de fontes públicas, ainda é elevado relativamente aos nossos concorrentes internacionais – especialmente a China e a Coreia do Sul, para destacar os principais – que praticam juros zero para investimentos, além de adotarem outros incentivos.
O que motiva o investimento privado é uma expectativa firme de crescimento da demanda e clima de negócios, condições de financiamento favoráveis e uma certa garantia de que o investimento público cumprirá a sua parte. O desafio é expandir a atividade não apenas este ano, mas no longo prazo. Somente a elevação do nível geral de investimentos vai garantir a sustentabilidade intertemporal do crescimento econômico.
Antonio Corrêa de Lacerda, professor doutor da PUC-SP, doutor em Economia pela Unicamp, é economista-chefe da Siemens e coautor, entre outros livros, de Economia Brasileira (Saraiva).