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Artigo: A Educação e a Meritocracia

Recentemente foi aprovado para o magistério paulista o programa denominado Valorização pelo Mérito. De acordo com a Secretaria de Educação, o referido programa está baseado no que há de mais moderno em termos de gestão – a meritocracia – e tem como princípio básico valorizar o docente de acordo com seu empenho e dedicação bem como com seu sucesso nos conteúdos de sua especialidade, aferidos em exames trianuais que o professor terá que se submeter.

Por Reginaldo Alberto Meloni*

Está previsto que o professor poderá ter um bom aumento em sua remuneração, desde que, em quatro avaliações – ou seja, em “apenas” 12 anos de carreira – ele fique sempre entre os 20% melhor avaliados em cada uma das faixas. Ou seja, infelizmente, a verba destinada ao programa de Valorização do Magistério não é suficiente para todos e 4/5 dos professores da rede estadual paulista não terão a possibilidade de ascender na carreira, mesmo que sejam bem sucedidos nas provas.

Apesar desta limitação, há que se saudar esta medida por dois motivos: primeiro, porque as instituições privadas que em geral são citadas como referência de qualidade, não adotam qualquer plano de carreira, nem mesmo algum como este proposto pelo Governo de São Paulo; segundo, porque a oferta de uma educação com qualidade só é possível com profissionais estimulados e qualquer política que possibilite aumentar a remuneração dos atuais R$ 8,00 por hora (valor aproximado para o professor com ensino superior, incluindo as gratificações) deve ser saudada com entusiasmo, ainda que apenas a quinta parte da categoria seja contemplada com este benefício.

Do ponto de vista dos interesses da sociedade, interessa verificar como esta medida influenciará na qualidade do ensino. Um registro importante é que, em relação a este item, foi desconsiderado completamente o que vem sendo discutido na Conferência Nacional de Educação – CONAE – pelos vários setores da sociedade. Nesta Conferência, a educação de qualidade está associada à existência da gestão democrática nas unidades escolares e nos sistemas e à realização de avaliações emancipatórias.

Em relação às avaliações, é curioso notar como muitas vezes é difícil corresponder a prática com a teoria. É quase uma unanimidade em nosso meio considerar que a avaliação deve ser um instrumento de diagnóstico dos problemas e não de classificação e punição.

Ao longo de nossas carreiras somos constantemente levados a avaliar o educando a partir das competências adquiridas, das habilidades desenvolvidas e da evolução cognitiva. Somos frequentemente cobrados quando avaliamos nossos alunos apenas a partir das “provas” de conhecimento. No entanto, para nós, a avaliação (que é fundamental para o aprimoramento do processo) é realizada apenas com este instrumento. O Programa de Valorização pelo Mérito ignora a situação sócio-cultural das famílias e as condições de trabalho dos professores. O único critério de promoção é o resultado que o professor apresentar em uma “prova” de domínio de conteúdos.

Sobre a gestão democrática, é preciso dizer que este Programa foi construído sem que os principais interessados fossem ouvidos. É verdade que, em geral, a democracia demanda tempo e a educação tem pressa, mas também é correto supor que este Programa poderia ficar mais sintonizado com a realidade, se fossem ouvidos os que conhecem os problemas concretos da escola. Um exemplo ilustra bem o que estou expondo.

Um professor que recebe por quarenta horas dificilmente trabalha em uma única unidade escolar, tendo que se descolar por duas, três ou mais unidades, ampliando consideravelmente seu tempo de trabalho. Além disso, este professor terá entre 250 e 1250 alunos. Considerando um caso típico, o professor terá, aproximadamente, 650 alunos, ou seja, 16 classes de quarenta e poucos alunos. Se este professor demorar 2 minutos para analisar qualquer trabalho de cada um destes alunos, serão trabalhados mais de 20 horas apenas nesta operação. Ou seja, pode-se afirmar com total segurança que não é possível praticar uma educação de qualidade sem que o professor dedique várias horas para um trabalho que não será remunerado.

Esta é a escola de tijolo e cimento – composta por pessoas de carne e osso – que existe para além dos programas anacrônicos e dos discursos bem preparados que, normalmente, acompanham estas políticas para a educação. Não sou pessimista, mas não há como não pensar que em alguns anos estaremos lamentando o estrondoso fracasso de mais uma política equivocada para a educação.

* Reginaldo Alberto Meloni é Vice-Presidente do Sinpro Campinas, diretor da CONTEE e Prof. da EE Culto à Ciência de Campinas

Fonte: CONTEE