Por Paulo Nogueira Batista Jr.: A Grécia e o FMI
A Europa tem enorme influência no FMI, mas recorrer ao Fundo seria uma perda de prestígio intolerável!
Por Paulo Nogueira Batista Jr., no jornal Folha de S. Paulo
Publicado 11/02/2010 13:26
Seria a Grécia um novo Lehman, capaz de desencadear uma nova rodada de turbulências financeiras em escala global, ou pelo menos europeia? O dilema das autoridades europeias é, de fato, semelhante ao que enfrentavam as autoridades americanas na época da crise do Lehman Brothers, como notou o economista Eduardo Loyo, meu antecessor aqui no FMI.
De um lado, socorrer a Grécia pode estimular comportamentos irresponsáveis de outros países e pedidos de apoio de outros integrantes da zona do euro que estão sob forte pressão neste momento. É o chamado risco moral ("moral hazard"). De outro, deixar a Grécia quebrar traz o risco de provocar a propagação da crise financeira para outros países do Mediterrâneo.
A decisão de deixar o Lehman quebrar foi celebrada inicialmente (inclusive por alguns no FMI) como o restabelecimento da "disciplina do mercado". A celebração não durou 48 horas. Quando o colapso do banco de investimentos contagiou a AIG -uma das maiores (se não a maior) seguradoras do mundo-, as autoridades americanas jogaram as preocupações com o "risco moral" para o espaço e patrocinaram uma operação gigantesca de salvamento da companhia.
No caso da Grécia, o risco de contágio também é alto. Portugal e Espanha já sentem os efeitos da turbulência. A Itália também pode ser afetada. Alguns economistas temem que até o Reino Unido possa ser tragado por um alastramento da crise. Foi o que declarou, por exemplo, Simon Johnson, ex-economista chefe do FMI, apontando para a fragilidade das contas fiscais britânicas.
Um aspecto parece claro: a Grécia dificilmente conseguirá administrar a crise sem apoio financeiro externo. A primeira alternativa é obter apoio da Europa (ou de alguns países europeus). A segunda alternativa é o FMI. Uma terceira possibilidade (talvez a melhor) é combinar as duas alternativas, como ocorreu no caso da Hungria, da Romênia e da Letônia, por exemplo. A dificuldade é que a Grécia integra a zona do euro. As regras da área do euro dificultam operações de socorro. Por outro lado, apelar para o FMI é visto como uma humilhação.
Seria a primeira vez em que um país da área do euro recorreria ao Fundo. Alguns europeus importantes temem a perda de prestígio do euro e de instituições como o Banco Central Europeu. No início desta semana, o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble, disse enfaticamente: "A Grécia é um assunto dos europeus, e não do Fundo Monetário Internacional". Veja, leitor, o paradoxo. A Europa está super-representada no FMI.
Diria mesmo: escandalosamente sobrerrepresentada. A União Europeia detém quase um terço do poder de voto na instituição (quase o dobro dos Estados Unidos). Por tradição, um europeu sempre ocupa o cargo mais alto do Fundo, o de diretor-gerente. No momento, os europeus comandam 9 das 24 cadeiras da diretoria. Nas reuniões da diretoria-executiva do FMI, não raro, temos que exercer toda a nossa paciência e escutar nove vezes a mesma mensagem…
Em outras palavras, a Europa tem uma enorme influência, uma influência até excessiva aqui no FMI. E, no entanto, a Grécia ou qualquer outro país do euro recorrer ao Fundo seria uma perda de prestígio intolerável para os europeus!