Imigrantes bolivianos erguem ponte cultural Brasil-Bolívia

A Associação Padre Bento é uma organização de imigrantes bolivianos em São Paulo que coordena as atividades culturais da praça Kantuta, reduto dos andinos no bairro do Pari, no centro da capital paulista. O presidente da entidade, Carlos Soto Garcia, tem uma história de vida em semelhante com a de muitos outros bolivianos que moram no Brasil.

Por Márcio Padrão, no Bol

No início dos anos 70, Garcia veio à capital paulista de férias com a família. “Na época, o regime militar endurecia na Bolívia e eu, com 23 anos, decidi continuar os estudos aqui em São Paulo”, relembra. Trabalhou por muitos anos com topografia, mas descobriu sua vocação à frente de uma cozinha preparando saltenhas, empanados típicos do país de Evo Morales.

Muitos bolivianos da feira Kantuta vivem basicamente de seu artesanato — notadamente produtos têxteis — ou da importação de objetos e alimentos da Bolívia. É o caso de Alícia Flores, que mora no Brasil há 22 anos. Ela fala com gosto das propriedades benéficas do amaranto e da quinua.

“É uma fonte rica de proteínas, podendo substituir a carne, além de trazer substâncias anticancerígenas”, explica Alícia. Seu quiosque também vende a papalisa, uma batata com pigmentação rosada, e o fideo, uma massa que pode ser usada em salgadinhos.

Sem a experiência de Alícia, o “novato” Eduin Mamane, 27 anos e há cinco no Brasil, encontrou aqui a chance de obter sua independência. “Eu trabalhava de segurança na Bolívia, tinha vindo para cá de férias por três vezes e meus amigos me incentivaram a morar aqui.”

Apesar de gostar do país, recentemente Eduin teve um problema com policiais que o trataram mal porque estava sem o documento de identificação e achavam que ele era imigrante ilegal. “Conheço policiais que são gente boa, mas se não nos tratam com respeito, a gente vai embora”, reclama.

Descendente de bolivianos, o brasileiro Júlio Lucero explica também um pouco da timidez dos bolivianos. “De fato, não dá para comparar com a animação dos brasileiros, pois somos um povo muito miscigenado, mas é um povo muito hospitaleiro, que se soltam mais quando estão perto uns dos outros.”

O amigo de Júlio, o também brasileiro Eduardo Matos, percebe no entanto que as barreiras culturais entre os dois países é cada vez menor. “Aqui na feira já percebe-se que tem muitos não bolivianos. Dá para notar pela fisionomia, pois os bolivianos são fáceis de identificar.”

O cabeleireiro boliviano Joaquim é um dos responsáveis pela “manutenção” desse tipo físico — sua barraca corta os cabelos dos nativos. “Eles gostam de vir aqui porque os brasileiros não conseguem acertar o corte. Acho que 70% da minha clientela é boliviana”, estima Joaquim, 38 anos e 12 de Brasil.

O imigrante pensa em voltar à terra natal um dia. “Parte da família ainda está lá, né? Já meu filho quer ficar aqui.” O apreço de Joaquim pelo Brasil não o impede, porém, de criticar o país. “Tento convencê-lo de ir porque acho que o ensino de lá (na Bolívia) é melhor.”