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José Cícero: 20 anos sem Luiz Gonzaga, parece que foi ontem

Há vinte anos a música dos nossos sertões ficava mais pobre. Vez que perdia em 02 de agosto de 1989 um dos seus mais importantes ícones: Luiz Lua Gonzaga, o rei do baião. Aquele que a duras penas projetou para o Brasil e o mundo a forte musicalidade dos nossos sertões: o forró que a partir de então ganhara a sua cara, imagem e semelhança.

Luiz Gonzaga

Luiz Gonzaga, um artista que como tantos nordestinos sofridos, acuados pelas estiagens e pela fome, deixara o seu Exu nos grotões do Pernambuco no quintal do Ceará, para ganhar a vida no antes chamado “Sul maravilha”. Como muitos, o então jovem Luiz se aventurou a experimentar do velho sonho de alcançar com as próprias mãos o 'Eldorado' do eixo Rio-São Paulo. Um antigo sonho, uma utopia ainda hoje a alimentar as ilusões de tantos quantos sofrem e se recusam a penitência de sobreviver passivamente as agruras e o sofrimento impostos historicamente pela miséria da secas sucessivas do interior nordestino.

A música, o forró, o baião e o xaxado salvaram-no de mais uma tragédia. Ele não vira o Eldorado, mas foi o primeiro a ajudou a escrever uma nova página musical do Brasil entrando de vez na história como um talento incomparável. Um monstro sagrado da nossa MPB.

Luiz Gonzaga: o aventureiro; o sonhador; o cabra da peste que um dia resolveu empunhar a sua sanfona como um rebelde guerrilheiro na selva de pedra a fazer uso de uma metralhadora. Mas, a sua arma era do bem. Tanto que da sua lavra prodigiosa, nasceram canções que se consagraram no conceito popular e se imortalizaram como verdadeiros hits atemporais que até hoje enfeitaram de poesia e fantasia a dura lida dos sertões desta nação Nordeste.

O cancioneiro sertanejo nunca mais seria o mesmo após a ousadia daquele homem simples, cabeça-chata, valente, corajoso, devoto de padre Cícero, admirador de Lampião que se decidira cantar e decantar a saga dos seus irmãos pelo Brasil adentro. Suas canções encheram de poesia, assim como de orgulho a árdua labuta de uma gente dos rincões do mundo acostumada quanto muito, a ouvir pelo rádio de pilha um cancioneiro alienígena, estranho e avesso a sua realidade cotidiana.

Porém com o Lua tudo ficou diferente. Os nordestinos passaram a se verem através do seu forró, xaxado e baiões. Era a música então, um espelho a refletir a velha realidade de miséria e de resistência por que passava o sertão e sua gente. Tudo estava lá: a seca, a chuva, a tragédia, a fome, a cabocla bonita, o mato, a fauna, a luta pela sobrevivência, a diáspora da qual o próprio Luiz fora vítima em potencial, a pilhagem, o estelionato eleitoral, as crendices, a poética, o repente, a fé, a tradição, o milagre. E a injustiça na sua versão mais cruel. Aquela pintada com as cores da verdade como sendo o sangue da própria tragédia a envolver quase uma nação inteira de explorados, esquecidos e oprimidos pelas intempéries do tempo, assim como pela força e o poder dos homens.

Luiz Gonzaga, um artista simples do povo, cujo talento fez ecoar como se fosse um grito de protesto pelo país inteiro, ritmos musicais nordestinos até então desconhecidos pelos potentados das metrópoles e do poder. Luiz Gonzaga um predestinado pelos deuses a encantar o mundo e a vida pela voz e a inspiração de uma poesia seca, audaz, prenhe de verdade, beleza e encantamento. O criador de ritmos e gêneros que até hoje denotam a presença imortal do seu nome.

Como a popularização do baião, por exemplo, conseguiu levar a música dos sertões a lugares até então impossíveis, inimagináves? Com Luiz, o Nordeste, o Pernambuco, o Ceará e nossa matutagem subiram de vez no pódio das coisas da capital.

Tirou a música do oco do mundo e das gargantas dos esquecidos para mostrá-la como um desafio ou uma provocação aos salões da burguesia. Os rádios e o mercado fonográfico de toda uma época foram de vez como que obrigados a rende-se a ele, por força do seu talento inconfundível. O Nordeste tinha agora vez e voz no Brasil de cima. Com ele, a musicalidade poética dos nossos sertões se firmara de vez para o país dos excluídos com a altivez que lhe era necessária por quase uma questão de direito natural.

O triste é saber que hoje, passados vinte anos de sua morte, parece que o fantasma do ostracismo já começa a rondar a periferia de sua memória. Posto que muito pouco de Luiz Gonzaga podemos ainda conferir, agora, nas emissoras de rádio, inclusive do nosso Cariri; rincão que o mestre Lua cantara tanto. Pelo Nordeste e resto do Brasil nosso Luiz começa a receber o tratamento comum, dado a todos os grandes que por aqui passaram e fizeram história, ou seja, o esquecimento e a indiferença. Uma injustiça para as novas gerações principalmente…

Mas digamos que o legado musical deixado pelo mestre Lua não morrerá nunca. Por isso Luiz Gonzaga viverá para sempre na força, no grito e na resistência, inclusive musical dos nossos sertões do Nordeste.

Viva Luiz, porque Luiz viverá para sempre no meio de nós ante a sua música, que além de grande, será para o todo e sempre eterna na memória de muitas e muitas gerações de nordestinos e brasileiros comprometidos com a sua própria história.

José Cícero é escritor, poeta e Sec. de Cultura de Aurora-CE